segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

63- O Boi na Grécia (parte 10 de 11) - O Mito de Órion, o caçador


Constelação de Órion

Do sacrifício do animal nasce Órion, o grande caçador.
Diz o mito que certa vez os deuses Zeus, Poseidon e Hermes estavam na Terra e precisavam pernoitar em algum lugar. Hermes solicita a casa de Hireu que temeroso concorda com o pedido e oferece uma novilha em sacrifício para homenageá-los. Os deuses sensibilizados permitem-lhe um desejo. Hireu pede um filho para dar continuidade ao seu nome.
Os três deuses implantam uma gota de sêmen de cada um no couro da novilha morta. Na cova onde estavam os restos da novilha nove meses após ter sido enterrada, surge num terremoto Órion, o gigante caçador.
Concebido sem mãe e nascido dos restos de um animal, sua alma permanece primitiva sem sentimentos morais, mas com força, velocidade e sentidos aguçados. Era um ser estranho que não tinha amigos, a não ser Enopião, o fabricante de vinhos.
Certo dia, Órion estupra animalescamente Mérope, a mulher de Enopião. Como vingança, Enopião embriaga Órion e vaza seus olhos, tão necessários a sua função de caçador.
Órion vagueia às cegas e sem destino até encontrar o deus Hefestos que o aconselha a expor seus olhos ao deus Hélio, o Sol, para receber de volta a luz.
Pela manhã, o deus Hélio aparece no horizonte. Entrega um feixe de raios solares à deusa Aurora que inicia a distribuição sobre a vegetação ainda molhada pelo orvalho. Os raios solares entram nos olhos de Órion e ele recupera a visão. Com os olhos ardentes de fogo, vê à sua frente Aurora, por quem se apaixona possuindo-a imediatamente. Órion deduz serem as mulheres presas fáceis.
A caminho de vingar-se de Enopião, encontra a deusa Artemis, a caçadora, e tenta seduzi-la. Na luta contra o desejo de Órion, Artemis bate uma clava no chão lodoso, surgindo das profundezas um animal terrível e venenoso, um escorpião.
E o grande caçador morre ao ter seu coração envenenado pela ferroada do escorpião.
Esta cena é imortalizada no céu na constelação de Órion, onde ele aparece ao lado do escorpião, combatendo um touro.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

62- O Touro Alado Assírio


Assim como o Minotauro (1), Hathor (2) e Moloch (3), o touro alado assírio (foto) é uma representação híbrida com parte bovina.
Na biologia é híbrido o animal originário do cruzamento de duas espécies diferentes como, por exemplo, a mula. Na mitologia são seres fabulosos que agregam formas de espécies diferentes, parte-homem, parte-animal. O híbrido é uma perturbação da ordem natural e por isso é visto em diferentes culturas como sagrado. A composição de seus corpos não é sem razão, obedecem a certas leis. 
O touro alado das planícies assírias tem corpo de leão, asas de águia, cabeça de homem e patas de touro. Representa as qualidades ideais reunidas para a função a que se destina de guardião das portas do palácio. Sua cabeça humanizada é um signo favorável. A parte superior, mais próxima das coisas nobres, é ocupada pelo que se considera superior e compatível a ela – o humano. Os aspectos animais ocupam posições subordinadas e complementares. O leão associado à águia simbolizariam, o corpo e a alma. As patas de touro marcam as qualidades de força e estabilidade ligadas à terra.
São os mesmos quatro símbolos que correspondem segundo a visão do profeta Ezequiel, aos quatro evangelistas da tradição cristã (4). O que você acha dessa "coincidência"?


NOTAS:
(1)Ver postagens 36, 37, 39 e 40, de abril e maio de 2011.
(2) Ver postagens  32 e 61 de março e dezembro de 2011, respectivamente.
(3) Ver postagem 38, de maio de 2011.
(4) Ver postagem 33, de abril de 2011.
(5) Fontes O Poder do Mito, de Joseph Campbell e Dicionário de Símbolos, de J. Chevalier e A. Gheerbrant.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

61- Dra Nise da Silveira na Cowparade!


Em sintonia com o blog Oficinas de Individuação, que iniciou sua pesquisa sobre os simbolismos do boi a partir do encontro com a Dra Nise da Silveira no evento A Queda da Farra do Boi (1), a artista plástica Juliana Campos (2) homenageou a Dra Nise com uma vaquinha na cowparade (3).

Oficinas de Individuação: Juliana, qual sua ligação com a Dra Nise?
Juliana Campos: Quando comecei a cursar a faculdade de arte percebi o quanto é terapêutico trabalhar com as imagens, minha mente concentra e percebo os sentimentos que emergem na tela de pintura. Por conta disso fui conhecer o Museu de Imagens do Inconsciente e o trabalho da Dra Nise. Em 2009, entrei na faculdade de psicologia e como pesquisadora no museu, para ajudar os clientes a prepararem trabalhos para a exposição Sermentear, no Centro de Arte Maria Tereza Vieira, no Rio de Janeiro. Em 2011, fiz o concurso publico Acadêmico Bolsista para estagiar no museu como psicóloga onde aprendo a cada dia a dinâmica dos ateliês terapêuticos e a importância que eles têm no tratamento psíquico. E é claro sempre seguindo os ensinamentos da Dra Nise!
O.I.: Como foram a inspiração e a experiência de fazer a vaquinha Nise da Silveira para a cowparade?
J.C.: Conheci a cowparade em 2007, da vez primeira aqui no Rio. Achei o máximo! Como estava cursando a faculdade de Arte em Londres não pude participar. Dessa vez, meu namorado me disse, um dia antes do concurso terminar que eu podia mandar um projeto. Fiz o projeto e esqueci completamente. Quando recebi o e-mail dizendo que tinha sido selecionada fiquei muito feliz em ter a oportunidade de pintar uma vaca em tamanho real e poder homenagear a Dra Nise (foto).
A Dra Nise diz em seu livro Imagens do Inconsciente: “No Egito do período arcaico,  a Grande Deusa chamava-se Hathor e tinha a forma de uma vaca. Ela era a grande mãe do mundo e a Hathor cósmica, antiga, personificava o poder da natureza que perpetuamente está concebendo, e criando, e parindo, e exaltando, e mantendo todas as coisas grandes e pequenas”. 
A vaca é o melhor bicho para homenagear Nise da Silveira, a nossa grande mãe. Inspirei-me no interior dos mandalas para fazer meu desenho mostrando formas circulares e coloridas. Senti varias transformações ao longo do processo pelas dificuldades de pintar um bicho tão grande e pelo prazo de entrega. Me virei em mil, mas valeu a pena, pois o resultado ficou incrível. Fiquei orgulhosa. A reação das pessoas também foi muito positiva e a vaca levou as pessoas a procurarem saber mais sobre quem é Nise da Silveira. 
O.I.: Alguma mensagem?
J.C.: Nada melhor do que citar os ensinamentos de Nise: “O que melhora no atendimento é o contato afetivo de uma pessoa com outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceitos”.

NOTAS:
(1) Sobre a Dra Nise da Silveira e a Queda da Farra do Boi veja as postagens iniciais desse blog.
(2) Sobre Juliana Campos visite o site www.julianacampos.com
(3) A cowparade é um projeto artístico de cunho social que circula por várias cidades do mundo desde 1999. São vacas em tamanho real pintadas por diferentes artistas que depois do período de exposição são leiloadas. O dinheiro é revertido para entidades filantrópicas. Cem delas poderão ser visitadas em diversos pontos do Rio de Janeiro até 15 de dezembro de 2011.  Para mais informações consulte o site: http://www.cowparade.com.br/rio/galeria.php


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

60- Desdobramentos do 1o Colóquio de Psicomitologia Junguiana e Mitos Brasileiros


foto 2 pasifaefoto 1 cenas do minotauro
 
"O Colóquio foi muito bom e rico no seu aspecto prático. Vivo.
Duas gravuras de um pequeno livro de Astrologia > signo de Touro. 
Separei para você... Esta sua fase pelo simbolismo do Touro vai abrindo horizontes preciosos. meu abraço, Martha "
(Martha Pires Ferreira é artista plástica, astróloga. Foi amiga e colaboradora da Dra Nise da Silveira e é coordenadora das artes plásticas da Casa das Palmeiras)

Martha, agradeço a você por esses presentes valiosos: as belas imagens (fotos 1 e 2) e as palavras carinhosas. Nos sentimos felizes e honrados com sua presença no 1o Colóquio de Psicomitologia Junguiana e Mitos Brasileiros. E esperamos continuar trocando saberes e artes. Um grande abraço, Julia.

Agradecemos tambem " pelos muitos retornos recebidos por e-mails, pelas redes em que divulgamos e por outras presenças importantes que acompanharam com prazer e encantamento mesmo os nossos empenhos! Na continuação, já estamos começando a planejar um Workshop de máscaras e o 2o. colóquio"(Humbertho Oliveira, Oficina de Conhecimentos)

NOTA:
Sobre o Minorauro e Pasifae postagens 36, 37, 39 e 40 do blog Oficinas de Individuação.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

59- Mahatma Gandhi e a Vaca



Na Índia a vaca é a imagem arquetípica da Mãe Fértil, é o céu e a terra. Nela reside a ordem divina. Símbolo da nuvem das águas celestes, a vaca se desfaz no céu e se refaz na terra graças ao alimento que a chuva torna abundante.

No século passado, o líder indiano Mahatma Gandhi (1869- 1948) disse:
A proteção à vaca é um presente do Hinduísmo para o mundo. O Hinduísmo viverá enquanto houver hindus que protejam a vaca. A vaca é um poema de compaixão. Ela parece nos dizer através dos olhos: “vocês não vieram ao mundo para nos matar e comer nossa carne, mas para ser nossos amigos e guardiões.”

Gandhi era vegetariano e ao longo da vida jejuou por 22 vezes. Essa forma de auto-sacrifício era para ele uma prática espiritual que dedicava a causas políticas e humanitárias.


Fonte:
Mahatma, A Golden Treasury of Wisdom - Thoughts & Glimpses of Life; Hripra Publication.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

58- Socorro! Querem capar o Touro da Wall Street


Incentivadas pelas redes sociais, desde setembro pessoas de distintas origens acampam bem pertinho do Touro da Wall Street(1), em Nova York. Foi aí que alguém disse: “Vamos capar o touro!”. 
Para quem visita a bolsa de valores nova-iorquina, em Wall Street, é impossível não ver a escultura do touro com um pouco mais de três toneladas de bronze, mais de três metros de altura e quase cinco metros de comprimento. Invocado, agressivo, os olhos injetados, o Touro da Wall Street simboliza o otimismo dos mercados, a expectativa das ações em alta. E quando a realidade não corresponde à expectativa, contra quem protestar? Sobrou pro Touro! Em torno das grades de proteção colocadas ao redor do touro os manifestantes exibem pacificamente cartazes que proclamam: “Eu não suporto mais os lobistas, faço parte dos 99%!” numa alusão contra a minoria privilegiada do 1% isentada de impostos por Bush e mais tarde por Obama. As mudanças esperadas não aconteceram, em seu lugar veio a crise.
Os Estados Unidos mobilizaram recursos para salvar as grandes corporações e os bancos com medo de uma quebradeira geral. Socializaram os custos, pagando as sociedades com tributos, desemprego, redução de salário, diminuição e degradação de serviços sociais básicos. Por isso um cartaz dizia: “Os habitantes de Nova York estão fartos da ganância de Wall Street”, considerada pelos manifestantes uma força destrutiva e grande responsável pela maior parte da pobreza e do sofrimento deste planeta.
Outros cartazes diziam:
“Nossa economia está modelada num câncer!”
“Os que têm fome não podem comer o dinheiro produzido por bancos que amam nossas guerras intermináveis”.


Como disse Mahatma Gandhi: “Sempre houve o suficiente no mundo para todas as necessidades humanas; Nunca haverá o suficiente para a cobiça humana”. Em 2011 mais uma vez o Boi se torna o bode expiatório(2), só que agora ele se transformou em uma obra de arte muito valorizada. A polícia veio em socorro, ergueram-se grades defensivas protegendo-o. 
Digo, pois: Viva o boi! Abaixo a ganância da Wall Street!

NOTAS:
1- Sobre o Touro da Wall Street postagem 49 deste blog.
2- Sobre Bode expiatório postagem 3 deste blog.
3- Para ler mais sobre esse assunto: http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2011/10/18/o-touro-urso-a-rua-925606772.asp#ixzz1bheYgj1P 


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

57- O Boi versus a Ditadura Militar (parte 4 de 4) Existirmos... a que será que se destina?



cajuína em flor
Quem é o boi? Quem é o homem?
“Leve um homem e um boi ao matadouro. o que berrar mais na hora do perigo é o homem,nem que seja o boi...”  (Pessoal Intransferível – de Torquato Neto )

Natural do Piauí, Torquato Neto foi poeta e importante letrista de canções icônicas do movimento tropicalista. Sempre presente nas rodas culturais efervescentes da época, atuou nos anos 60 como agente cultural polemista e defensor das manifestações artísticas de vanguarda. Com o AI-5 e o exílio dos amigos e parceiros Gil e Caetano, viajou pela Europa e Estados Unidos morando em Londres por um breve período. De volta ao Brasil, no início dos aos 70, Torquato entrou em depressão, sentindo-se alienado tanto pelo regime militar quanto pela patrulha ideológica de esquerda. Escreveu a Hélio Oiticica: “O chato aqui é que ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma...Tudo parado.”
Torquato se matou um dia depois de seu 28º aniversário, em 1972. 
Após a morte do seu amigo, Caetano foi fazer uma visita ao pai dele. Ambos passaram muito tempo em silêncio até que o pai de Torquato saiu para o jardim e de lá voltou com uma flor da cajuína. Foi esse o gesto inspirador da canção Cajuína, de Caetano Veloso:
“Existirmos - a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos, intacta retina: 
A cajuína cristalina em Teresina”

Fonte: “Pra mim chega, a biografia de Torquato Neto”, Toninho Vaz, Ed. Casa Amarela, 2004.

domingo, 16 de outubro de 2011

56- O Conto Chinês

“Era uma vez na China, um mestre e um discípulo que andavam por uma estrada. O caminho era inóspito, agressivo. O ambiente não era favorável à vida. Avistaram, ao longe, uma casinha de aspecto miserável e para lá se dirigiram.
Foram abrigados pelo dono da casa e sua numerosa família que com eles compartilharam sua escassa comida e seu espaço para dormir. A alimentação provinha de uma única fonte: uma única vaca da qual tiravam leite e seus subprodutos.
Mestre e discípulo ficaram ali mais alguns dias e depois partiram.
Algumas horas depois da partida, o mestre disse ao discípulo:
- Volte lá, às escondidas, e jogue a vaca no penhasco.
Incrédulo, o discípulo argumentou:
- Mestre, o único bem dessa numerosa família é a vaca! O senhor me pede para jogá-la no penhasco?
- Sim - disse o mestre. Jogue a vaca no penhasco.
Mesmo sentindo uma enorme culpa o discípulo obedece ao mestre.
Anos depois mestre e discípulo voltam aquele mesmo lugar. Sem nada dizer ao mestre, o discípulo decide pedir perdão àquela gente por ter jogado a vaca do penhasco. Assim, sai à procura da pobre casinha, mas só o que vê é uma construção ampla e confortável. As pessoas alegres e bem vestidas, num ambiente onde o progresso era evidente. Pergunta a um deles:
- Há uns anos atrás aqui havia uma pequena e pobre casinha. Saberia me dizer para onde foram aquelas pessoas?
- Somos nós. Moramos aqui desde sempre - respondeu o homem.
- Mas, o que aconteceu? - disse, olhando o progresso a sua volta.
- Bem - disse o homem. Aconteceu numa noite um terrível acidente em que nossa vaca, nossa única vaca, caiu do penhasco e ficamos sem nossa fonte de sustento. Não tivemos alternativa, a não ser buscar outros recursos. Descobrimos, então, nossas próprias capacidades.”

O mestre é aquele que vê além das aparências, diferentemente do discípulo que só é capaz de enxergar o que está diretamente a sua frente. O mestre viu que a ausência da vaca, um aparente infortúnio para aquelas pessoas, consistia na sua verdadeira fortuna.
A vaca representa o recurso externo fácil e imediato no qual aquela família se apoiava e projetava seus recursos internos, que ficavam assim desconhecidos, na sombra (1).
Enquanto a vaca estava lá viviam o dia-a-dia, sobrevivendo sem pensar no amanhã, como animais, só experienciando os instintos da fome e sexual. A partir da falta da provedora, novos recursos internos se manifestaram instintivamente através da criatividade, do movimento e da reflexão.
Mas claro que essa estória é um “faz de contas”. Um verdadeiro mestre jamais mandaria matar a vaquinha!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

55- O Boi Manequim


Segundo J. Chevalier e A. Gheerbrant (1) o manequim é um dos símbolos da identificação do homem com a matéria perecível, com uma sociedade, com uma pessoa; a identificação com um erro. É assimilar um ser à sua imagem. É tomar a imagem pela realidade.
Mas o que dizer quando o manequim é um boi de verdade? 
O Boi Manequim(2) não é um boi voador (3), mas deu o que falar!
Sua história começou de maneira trágica quando um caminhão carregado com bois tombou em maio de 2011, na Rodovia Assis Chateaubriand, que liga São José do Rio Preto a Guapiaçu, cidades no interior de São Paulo. Vários animais ficaram soltos na pista. Alguns foram atropelados e um grande congestionamento se formou na rodovia. O motorista do caminhão foi encaminhado ao Hospital de Base de Rio Preto, onde morreu.
O boi correu sozinho 2 km pela estrada. Entrou na área urbana de São José do Rio Preto, invadiu uma loja de roupas e lá ficou preso na área da vitrine, sem conseguir sair.
A polícia teve que interromper o trânsito na rua para não deixa-lo nervoso. Antes de escapar quebrando a vitrine ele foi fotografado e filmado, tendo sido batizado, a partir de então, de Boi Manequim.
Alguns metros à frente da loja, ele foi laçado e dominado por peões.
Graças a sua façanha,o Boi Manequim ficou famoso. Virou primeira página de jornal e apareceu até na televisão, para depois se tornar  um filantropo(!), ajudando o Hospital do Câncer de Barretos. Um animal de seu porte com dois anos e pesando 400 kg vale normalmente em torno de R$ 1,3mil, mas por conta da sua fama foi leiloado pela quantia de R$ 15mil que foi doada para este hospital.
A estória do Boi Manequim  faz lembrar a estória de Forrest Gump. Dirigido por Robert Zemeckis com Tom Hanks no papel-título, o filme de 1994 é baseado no romance homônimo de 1986 escrito por Winston Groom. 
Forrest Gump é  um homem simples do Alabama que por mero acaso vira herói, influenciando alguns dos eventos históricos mais notórios da segunda metade do século XX.

Fontes:

(1) Dicionário de Símbolos; José Olympio Ed.
(2) asnovidades.com.br/2011/boi-na-vitrine-de-roupas/
(3) Ver postagens: 52- O Boi na MPB versus a Ditadura Militar ( parte 2 de 4) - O Boi Voador, de 5 de setembro de 2011
e  56- O Conto Chinês,  de outubro de 2011, deste blog.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

54- Vacas que Caem do Céu



Em agosto de 2011, uma família de Ipatinga, em Minas Gerais, foi acordada com uma vaca que parecia ter caído do céu. Foi um susto, mas ninguém se feriu. O animal estava em um lote vazio atrás da casa, se desequilibrou e foi parar bem em cima do telhado. Por alguns minutos ela ficou presa na estrutura de madeira antes de cair em cima de um guarda-roupa e de um colchão. Três pessoas dormiam no quarto que ficou destruído, uma delas era um bebê de apenas quatro meses. O animal andou por outros cômodos da casa e só saiu depois que a dona da casa abriu a porta da sala.
Não é a primeira vez que uma vaca provoca um susto destes. Em dezembro de 2010, uma outra caiu numa falha de um terreno, também em Ipatinga, ficando presa no telhado (foto acima). Só saiu de lá com a ajuda do corpo de bombeiros e de um guincho.
Já em 2007, uma vaca “caiu do céu” russo e afundou um pesqueiro japonês. Segundo o relatório da policia federal russa, um grupo de soldados dedicava-se a roubar gado e transportá-lo por via aérea. Durante um dos vôos as vacas ficaram fora de controle e ante a possibilidade de um acidente a tripulação viu-se forçada a atirar os animais no espaço. O que aconteceu em seqüência foi a grande falta de sorte dos pescadores japoneses que viram a chuva de vacas e uma delas enviar seu barco para o fundo do mar.
O que teria passado pela cabeça dos japoneses quando viram uma vaca convertida em um míssil de 700 quilos varrendo o céu?
Não sabemos a resposta, mas tal fato inspirou a criação do belo filme argentino Um Conto Chinês.
Vacas que caem do céu simbolizam neste filme eventos inusitados que transformam por completo a vida de alguém. Vale a pena conferir.





segunda-feira, 19 de setembro de 2011

53- O Boi na MPB versus a Ditadura Militar ( parte 3 de 4) - A Vaca Profana e Disparada

Louvada nos versos inesquecíveis de Caetano Veloso, a Vaca Profana (1) é a “dona das divinas tetas, (que) derrama o leite bom na minha cara e o leite mau na cara dos caretas...”. Ela é um símbolo da contra-cultura, maldita para uns e sagrada pra outros. A música faz uma reverência irreverente à singularidade, ao direito de ser e expressar diferente do coletivo numa época em que isso era muito perigoso. 

Em “Disparada”(2), Geraldo Vandré e Théo de Barros criticam a exploração das classes sociais pobres pelas mais ricas, fazendo um paralelo com a forma como os boiadeiros lidam com suas boiadas.

“Na boiada já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu
Querer ir mais longe do que eu...”.

Se fosse hoje o festival, para qual dessas três pérolas da MPB você daria seu prêmio de primeiro lugar?
1) Para “O Boi Voador” (ver postagem 52 deste blog), de Chico Buarque e Ruy Guerra?
2) Para “Vaca Profana”, de Caetano Veloso?
3) Ou para “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros?

Poste sua opinião abaixo, no espaço destinado para os comentários.
O resultado sairá na postagem de 15 de novembro.
Participe!

NOTAS:
1) As entrelinhas são tantas que existe uma comunidade no Orkut: “Caetano, o que é Vaca Profana?”.
2)"Disparada" foi vencedora do Festival da TV Record em 1966, dividindo o primeiro lugar com “A Banda” de Chico Buarque. Houve verdadeira disputa com apostas em todo o país entre os adeptos de uma e outra composição.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

52- O Boi na MPB versus a Ditadura Militar ( parte 2 de 4) - O Boi Voador


 A música “O Boi Voador” (1) composta por Chico Buarque e Ruy Guerra é uma brincadeira séria com a censura da ditadura militar dos anos 60, que mandava prender sem saber quem nem porque. Mas cá entre nós, pode haver algo mais subversivo que uma vaca ou um boi voador?

Diz a letra:
 “Quem foi, quem foi
Que falou no boi voador
Manda prender esse boi
Seja esse boi o que for...”

O artista é um mestre no uso do símbolo(2), provocando uma reação emocional em quem observa sua arte. Sua função é a subversão dos sentidos. Podemos dizer que sob esse aspecto não só Chico Buarque e Ruy Guerra, mas todo artista é um subversivo.

NOTAS:
1) Chico Buarque dá o título à música “O Boi Voador” fazendo uso do nome do espetáculo que marcou a história da cidade Maurícia, hoje Recife, Pernambuco. Em 1644, o conde Maurício de Nassau estava de partida da cidade. Desejando a presença do grande público para homenagear a inauguração da ponte que hoje leva seu nome, espalhou a notícia que faria “um boi voar”. Utilizando um couro de boi na forma de um balão inflável amarrado em cordas finas e controlado por marinheiros, fazia o “boi” dar cambalhotas no ar. A inauguração da ponte foi um sucesso, tanto para a história dos holandeses em Pernambuco, quanto para os cofres da Coroa holandesa, que arrecadou cerca de 20.800 florins.   
“O Boi Voador”, e outras músicas famosas como “Bárbara” e “Ana de Amsterdam” fazem parte da peça “Calabar – o elogio da traição”, dos mesmos autores. É um exemplo de utilização da matéria histórica como instrumento gerador de reflexão. 
A peça fala da invasão holandesa de 1630, e questiona a posição de Domingos Fernandes Calabar no episódio histórico em que passa a tomar partido dos holandeses contra a coroa portuguesa. A peça mostra um outro lado da moeda e questiona se Calabar era mesmo um traidor ou se estava simplesmente defendendo seu ideal de que a Holanda traria mais benefícios para o país do que Portugal. Neste caso ele estaria pensando não apenas em seu benefício próprio e sim no benefício da terra brasileira.
A intenção de Chico e Ruy Guerra não era de denunciar um erro histórico e propor uma revisão, mas sim de denunciar o próprio regime militar, a sua censura, e os veículos de comunicação a seu serviço, que mostravam sempre uma versão dos fatos em sintonia com aquele sistema. Chico pretendia que o povo entendesse que é necessário questionar a veracidade daquilo que lhe é apresentado como fato.

2) Sobre símbolo e experiência simbólica, postagens 16 e 17, de janeiro de 2011, deste blog.





sexta-feira, 26 de agosto de 2011

51- O Boi na MPB versus A Ditadura Militar (parte 1 de 4) - Até o Boi-da-Cara-Preta?

Capa do disco de Gal Costa, Gal Vaca Profana

No final dos anos 60, a música popular brasileira atingia as grandes massas, ousando falar o que não era permitido à nação.
A ditadura militar promulgou o AI-5, institucionalizando a censura à arte, em parte por sentir-se ameaçada pela força atingida pelos festivais da MPB.
A MPB passa a sofrer amputações de versos em várias das suas canções, quando não eram totalmente censuradas. Esta censura prévia não obedecia a qualquer critério. Os censores poderiam vetar tanto por motivos políticos, ou de proteção à moral vigente, como por simplesmente não perceberem o que o autor queria dizer com o conteúdo.
Tivesse sido composta na época, a cantiga de ninar “Boi da cara preta”(1), de Dorival Caymmi, provavelmente teria sido censurada, como uma alusão ofensiva aos algozes da ditadura que tiravam o sono da gente. ( rsrsrsrs...)

Antes mesmo de deflagrado o AI-5, alguns jovens representantes da MPB já eram vistos pelos militares como inimigos do regime. Entre eles destacaram-se Caetano Veloso, Chico Buarque e Geraldo Vandré, como alvos freqüentes da censura.
Os três autores fizeram uso, dentre outras metáforas, da riqueza simbólica do boi em canções que imortalizaram a denúncia que a MPB fez ao estado de opressão e de traição aos princípios da democracia daqueles anos de chumbo.
Confira nas próximas postagens deste blog: "O Boi (na MPB) versus A Ditadura Militar".
  
NOTAS:
(1) Talvez "O Boi da cara preta" de Dorival Caymmi tenha sido inspirado a partir da tradição ibérica, onde é comum o uso de um bicho imaginário, como por exemplo a cuca, para fazer medo às crianças choronas que não querem dormir.
Lembrando a letra:
“ Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega essa criança
Que tem medo de careta”
(2) Veja na postagem 19 desse blog a foto da máscara do Boi-da-cara-preta, que usei na Queda da Farra do Boi, oficina liderada pela Dra Nise da Silveira. Sobre esse evento, ler postagens iniciais de setembro de 2010.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

50- A CowParade


A CowParade tem sido um exemplo bem-sucedido de projeto artístico de cunho social desde seu início em 1999.
São estátuas de vacas em material sintético criadas a partir de uma fôrma com tamanho padrão e caracterizadas por diferentes artistas, tornando-se obras de arte únicas.
As vacas da CowParade são então expostas nos mais diversos pontos das cidades escolhidas ao redor do mundo, patrocinadas por empresas ou amantes da arte que podem bancar uma única vaca ou até todo rebanho.
Já são mais de 55 cidades e mais de 5.000 artistas que participaram do projeto. Estima-se que mais de 150 milhões de pessoas tenham visto uma dessas vacas famosas e que cerca de US$ 22 milhões tenham sido levantados para entidades beneficentes através do leilão das vacas que se realiza ao término do período da exposição. Os leilões da CowParade são então realizados como leilões de arte tradicional com o lance ao vivo.

Por que vacas?
Segundo os criadores do projeto, há algo de mágico sobre a vaca. Dizem: “A vaca representa coisas diferentes para pessoas diferentes ao redor do mundo: é sagrada, é histórica, mas o sentimento comum é de carinho. Ela simplesmente faz todos sorrirem”.
Afirmam ainda que como uma tela de arte, não existe nenhum outro animal ou objeto que forneça a forma, flexibilidade e amplitude de uma vaca.
Os autores das vacas da CowParade são pintores, escultores, artesãos, arquitetos, designers ou outras pessoas criativas e artísticas dos locais escolhidos, que tenham tido seu projeto selecionado.

E você, como gostaria de pintar sua vaca?
Que lugar você escolheria para colocá-la?

Leia os comentários e poste o seu.


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

49- O Touro de New York

 

O Touro de New York ou Touro da Wall Street é uma representação artística de grande impacto que foi absorvida pelo modelo capitalista da contemporaneidade utilizando a magia do mito ancestral do boi. Instalado em 1989 em frente ao prédio da Bolsa de Nova York, o Touro de New York é uma escultura em bronze de 3,2 toneladas, do escultor Arturo Di Módica.  Depois foi transferida para a Bowling Street, onde se encontra atualmente. 
Com sua postura agressiva, como se o touro estivesse pronto para atacar, essa escultura tem servido de simbolo para a força e o poder do povo americano, numa alusão à potencia financeira de seu país.
A obra pertence ao seu autor e tem uma autorização temporária para permanecer na cidade na categoria de “arte em empréstimo”, mas essa permissão temporária dura até o presente momento 22 anos!
Comparável em popularidade à Estátua da Liberdade, o Touro de New York é uma das obras de arte mais fotografadas da cidade tendo se tornado um ponto turístico internacional.
Em 2002, o jornal Washington Post publicou que guias turísticos de Nova York costumam dizer aos seus clientes, que os novaiorquinos acreditam trazer riqueza e boa sorte esfregar o nariz, os chifres e os testículos do touro.
Não é necessário dizer que muitos experimentam essa fezinha!

Confira abaixo os comentários e poste também o seu!

terça-feira, 26 de julho de 2011

48- O que disse Joseph Campbell

Sobre a tourada:
Na tourada o toureiro usa a vestimenta brilhante representando o poder solar. O touro, é claro, representa o poder lunar. O ponto de maior perigo é o ato de ataque à cabeça do touro, entre os chifres, que remetem à forma da lua crescente. O touro precisa ser sacrificado para que haja um novo período. O passado precisa ser morto para que exista o futuro. 
Se o valor simbólico não é reconhecido, é só o próprio animal que está sendo morto, nada mais.
Ainda que se considere seu simbolismo, sempre achei repulsivo matar animais para que se tenha uma experiência mística. Posso tolerar teoricamente, mas não visualmente. Não quero ver animais sendo mortos.

Sobre como surgiram os rituais de sacrifício (3):
A natureza da vida deve ser compreendida nos atos da vida. Das folhas decaídas, brotos frescos nascem, daí se extrai a lição de que da morte nasce a vida. E daí a conclusão implacável é de que incrementando a morte a vida será incrementada. Nas culturas caçadoras, o sacrifício representa uma oferenda ou um suborno para a deidade que é solicitada a realizar algo. Mas nas culturas de plantio, a figura sacrificada em si é um deus, que depois de morto se transforma em alimento. Cristo é crucificado e do seu corpo surge o alimento do espírito. 


E você, o que tem a dizer?
Leia os comentários e poste também o seu.

NOTAS:
1) Joseph Campbell (1904-1987) é um dos mais respeitados  mitólogos de todos os tempos. Na postagem 31, de março de 2011, O mito do touro, segundo Joseph Campbell.
2) Na foto acima, uma das muitas representações que o pintor  Pablo Picasso fez da tourada. Sobre Picasso e o boi, ver na postagem 25 , de fevereiro de 2011, O Boi e a Arte, e na postagem 37, de maio de 2011, a máscara do Minotauro.
3) A escola de C. G. Jung interpretou a célebre cena de Mitra sacrificando um touro assim como outros sacrifícios, mais particularmente, certos ritos dionisíacos, como um símbolo da vitória da natureza espiritual do homem sobre sua animalidade, da qual o touro é representante. Mais sobre o tema, A Farra do Boi e o Inconsciente Coletivo 1 e 2, postagens 11 e 12, de dezembro de 2010.
4) Fontes:
- "Conversas com Joseph Campbell- E por falar em mitos...", Fraser Boa, Verus Editora.
- "O Poder do Mito", Joseph Campbell, com Bill Moyers, Editora Palas Atenas.
- "Dicionário de Símbolos", Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt, José Olympio Editora.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

47- O Boi na Grécia (parte 9 de 11) - A origem grega da tauromaquia

Afresco da tourada de Cnossos

Os registros mais antigos da realização da tauromaquia (1) remetem à Grécia onde foi representada em várias pinturas desde a antiguidade clássica. No conhecido afresco da tourada do palácio de Cnossos na ilha de Creta, a imagem central do touro cercado por dois homens e com uma mulher que parece ter saltado sobre seu dorso é de grande plasticidade. Parecem envolvidos numa dança acrobática aonde não se vêm armas. Os jogos de touros foram convertidos sem dúvida em espetáculos, celebrados provavelmente nas praças dos palácios cretenses rodeadas por grades. Não existem dados que revelem que esses jogos resultassem na morte do animal.
Já no Império Romano, Julio César (100aC - 44aC) introduziu uma outra espécie de tourada, onde cavaleiros perseguiam diversos touros dentro de uma arena até que os touros ficassem cansados o suficiente para serem seguros pelos chifres e depois executados. Esses espetáculos tinham o nome de venatio ou bestiarium e incluíam a caçada a outros animais selvagens. Geralmente eram feitos pela manhã, nos mesmos anfiteatros onde logo depois também se exibiam os combates de gladiadores e as execuções públicas. Milhares de animais podiam ser mortos num só dia.
Nas touradas de hoje (2), um touro é colocado para lutar contra homens ricamente vestidos, empunhando estacas farpadas, lanças, espadas e adagas. Essas armas são projetadas para infligir dor intensa e provocar perda de sangue o que enfraquece o animal até a morte, comumente diante da platéia. A figura central é a do toureiro que assume uma postura de elegância viril nas manobras com o touro. Touro e toureiro fazem um pas de deux numa dança de provocação e morte.
Para alguns “a tourada é um patrimônio que evoluiu com a cultura e que há muito deixou de ser um espetáculo bárbaro”. Para outros “é um ato de crueldade sem justificação, que não se insere dentro das tradições humanistas”.

O que você sente a esse respeito?
Leia os comentários e poste também o seu.


NOTAS: 
1) O termo tauromaquia, a arte de tourear, tem origem grega significando etimologicamente combate com touros. Na antiguidade clássica não havia diferença entre arte e técnica. A teknê grega, bem como a ars latina referiam-se não só a um saber fazer. O técnico era aquele que executava um trabalho com uma espécie de perfeição ou estilo.
2) Atualmente são realizadas touradas na Espanha, Portugal, França, México, Colômbia, Peru, Venezuela e Guatemala. No entanto, desde os anos 90 vêm sendo proibidas em algumas regiões desses países pela lei de proteção ao animal. No Brasil, a tourada foi proibida em 1934, por Getúlio Vargas.
3) Esse blog foi iniciado com o relato sobre meu encontro com a Dra Nise da Silveira na oficina pela Queda da Farra do Boi (ver postagens 1 a 5), que gerou a pesquisa atual sobre a presença do boi no imaginário popular.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

46- Reflexões Heroicas 2 - " Dar a luz é um ato heroico"

Mãe-canguru (1)

Dar a luz é um ato heróico, pois é sacrificar a própria vida em benefício do outro. Essa é a essência do heroísmo.
Na visão da nossa cultura, que valoriza mais o lugar masculino do mundo em relação ao lugar feminino da casa, é o macho que normalmente tem papel de destaque na figura do herói. As manchetes de jornal que o digam. São os heróis, ou a falta deles, nos espaços políticos que atraem o leitor. Mas cada história de nascimento é uma história de heroísmo, umas mais outras menos dramáticas.
Na cultura asteca, existiam vários céus para onde as pessoas iam conforme sua morte. O céu dos guerreiros mortos em batalha era o mesmo céu das mulheres mortas em trabalho de parto.
Em 2000/01 e em 2009/10, tive a oportunidade de atuar no atendimento psicológico a grávidas e puérperas num hospital de gravidez de alto-risco.
Na monografia “Prevenção da neurose na maternidade de gravidez de alto-risco: psicoterapia breve focal e auto-regulação”, relato atendimentos que participei em que pude constatar nas pacientes sua dimensão heroica em meio a situações extremas de tristeza e medo. A função terapêutica era a de criar dentro do hospital um lugar de confiança suficiente para a expressão emocional e para o surgimento da auto-regulação(2) das pacientes. Quando isso se torna possível, a natureza cumpre seu papel na regeneração psíquica e faz brotar um eu primordial.
Deixando de pensar só em nós mesmos e em nossa auto-preservação, é possível passarmos por uma transformação de consciência verdadeiramente heróica. A consciência se transforma no enfrentamento dos desafios e no reconhecimento do significado da experiência vivida.

NOTAS:
1) Mãe Canguru é um método de atendimento ao bebê prematuro inspirado na espécie dos marsupiais que completam o tempo de gestação nas bolsas que a natureza dotou as fêmeas, onde os filhotes se aquecem e se alimentam até se fortalecerem adequadamente. Foi implantado pela primeira vez em 1978, em Bogotá, pelo pediatra Edgard Senabria, que propôs utilizar mães como incubadoras vivas para recém-nascidos prematuros sãos com peso não inferior a 2kg.
2) Auto-regulação, ou sabedoria do corpo, segundo o biólogo W. Cannon, é o conjunto coordenado de mecanismos internos que utilizam energias específicas do organismo para promover seu funcionamento e sua estruturação.  A auto-regulação é enfatizada na psicologia biodinâmica de Gerda Boyesen  como determinante do ciclo emocional. Em condições seguras o organismo saudável se auto-regula, digerindo literalmente as tensões causadas por estímulos do dia-a-dia e até por traumas físicos e emocionais. A neurose é resultado de um processo inibidor da auto-regulação, que se caracteriza pela contínua impossibilidade interna de agir de forma espontânea.
3) Fontes:
- Boyesen, Gerda. Entre Psique e Soma, Introdução à Psicologia Biodinâmica. Summus Ed., SP, 1984.
- Campbell, Joseph. O Poder do Mito, com Bill Moyers. Pallas Athena, SP, 1990.
- Leboyer, Frederick. Nascer Sorrindo. Brasiliense, SP, 1977.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

45- Reflexões Heroicas 1 - "Somos todos heróis ao nascer"

Estátua romana - séc. II aC
Hércules-bebê enfrentando as serpentes (1)

Somos (todos) heróis ao nascer. Enfrentamos no nascimento uma tremenda transformação, tanto psicológica quanto física, deixando uma condição de criaturas aquáticas no líquido amniótico, para assumirmos a condição de mamíferos que respiram o oxigênio do ar e andam sobre a terra.
Ao longo da vida, teremos que enfrentar outros tantos momentos de profunda transformação. São ciclos de morte e renascimento que nos remetem ao nascimento biológico, nosso ato heroico original.

O herói, segundo Joseph Campbell (2), segue um caminho arquetípico que pode ser descrito em dez passos:

1- Nascemos (todos) heróis. Isso é um dote.
2- Temos um chamado para a aventura: o novo.
3- Recusamos. Ficamos no conhecido.
4- Segue-se uma crise.
5- Não podemos voltar atrás, então, finalmente atendemos ao chamado.
6- Juntamos aliados (terapeutas, professores, guias...).
7- Cruzamos a fronteira desconhecida.
8- Perdemos nossa identidade e afundamos num abismo.
9- Retornamos do abismo e viajamos de volta para casa, para aquilo que conhecemos.
10- Voltamos para casa, transformados.

Você já pensou quantas vezes teve que ser herói na sua vida? 
Quantas vezes teve que enfrentar mortes e renascimentos?
  
NOTAS:
1) Sobre Hércules, ler a postagem anterior desse blog.
2) Sobre o mitólogo Joseph Campbell, ler postagem 31 desse blog, de março de 2011.
3) Fontes:
- Stanley Keleman, O Mito e o Corpo, uma conversa com Joseph Campbell, Summus Ed, SP, 2001.
- Fraser Boa, Conversas com Joseph Campbell- E por falar em mitos..., Verus Ed., 2004

sexta-feira, 24 de junho de 2011

44- O Boi na Grécia (parte 8 de 11) - Hércules e o Touro de Creta

Ânfora decorada com Hércules 
entregando o Touro de Creta a Euristeu

Hércules (em latim), ou Hérakles (em grego), considerado o maior de todos os heróis (1) da mitologia grega, era filho de Zeus(2) e Alcmena. 
Alcmena era neta de Perseu e esposa virtuosa de Anfitrião. Enquanto Anfitrião estava na guerra, Zeus seduz Alcmena assumindo a forma do marido e vive com ela três dias de ardente paixão. Quando Anfitrião retorna e descobre o acontecido, fica tão irado que constrói uma grande pira para queimar Alcmena viva. Zeus manda nuvens de chuva que apagam o fogo, forçando assim Anfitrião a aceitar a situação. E declara que o primogênito na descendência de Perseu (ao que tudo indica, seu filho que está a caminho) se tornará rei.
No entanto, Hera, a ciumenta esposa de Zeus, sabendo da gravidez de Alcmena faz com que nasça primeiro Euristeu, outro descendente dessa família.
Hércules, ao nascer, logo revela seu potencial heroico. Ainda no berço, estrangula duas serpentes que Hera tinha mandado para atacá-lo e ao seu meio-irmão Íflicles(3)
Quando adulto, numa crise de loucura provocada por Hera, Hércules incendeia sua própria casa, matando seus três filhos e sua esposa Mégara. Ao recuperar a razão, vai para o campo onde se isola até que um dia é encontrado por seu primo Teseu, que o convence a visitar o oráculo em Delfos para recuperar sua honra.
O oráculo dá a Hércules como penitência executar doze trabalhos impossíveis, estipulados por Euristeu, o primo que havia herdado o seu direito de ser rei por interferência de Hera. 
Todos os trabalhos seguem o mesmo modelo: Hércules é enviado para matar, subjugar ou buscar uma planta ou um animal mágico para Euristeu oferecer à Hera. No sétimo trabalho, o Touro de Creta deveria ser levado vivo até Euristeu.
Conta a lenda que o Touro de Creta emergiu do mar Egeu enviado pelo deus Poseidon a pedido de Minos, para garantir sua sucessão ao trono. Minos deveria sacrificar o animal à Poseidon, mas fascinado pela beleza do touro branco, mistura-o com outros do seu rebanho e sacrifica um animal de menor valor. Esta desobediência provoca a ira de Poseidon, que castiga Minos, tornando o animal incrivelmente furioso. Pasífae, mulher de Minos, também é enfeitiçada. Cheia de desejo mantem relação com o Touro de Creta, gerando o Minotauro (4).
O Touro passa a aterrorizar toda ilha, atacando a população que é forçada a refugiar-se em suas casas.
Hércules desembarca em Creta para enfrentar mais um desafio. Subjuga o Touro pelos chifres e vai montado em seu dorso até Argólia, onde entrega o animal vivo a Euristeu. Este vai oferecê-lo a Hera. A deusa, não querendo aceitar um presente vindo de Hércules, põe a fera novamente em liberdade. Teseu, mais tarde, acaba por capturá-lo nas planícies de Maratona.

NOTAS:
1) O herói é resultado da união entre um deus ou uma deusa com um ser humano.  Simboliza a aliança entre as forças celestes e terrestres. Embora não goze da imortalidade divina, conserva até a morte um poder sobrenatural. Podem, no entanto, conquistar por seus feitos a imortalidade. Hércules é o protótipo do herói grego imortalizado.
Do ponto de vista psíquico e moral, Hércules seria o representante idealizado da força combativa: o símbolo da vitória e da dificuldade da vitória da alma humana sobre suas fraquezas. Para C. G. Jung o herói é identificado com o poder do espírito. Sua primeira vitória é a que ele conquista sobre si mesmo. O herói simboliza o impulso evolutivo, o conflito da psique que se agita pelo combate contra os monstros da perversão.
2) Sobre o complexo de Zeus, ver postagem 43 deste blog.
3) Foto de Hércules-bebê enfrentando as serpentes, na próxima postagem - "Reflexões Heroicas", deste blog.
4) Sobre o mito do Minotauro, ver postagens 36, 37, 39 e 40 deste blog.
5) Fontes:
- Dies  Paul, Le simbolism dans la mythologie grecque, Paris, 1960.
- Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos, José Olympio, 18ºed.
- Tassilo Orpheu Spalding, Dicionário de Mitologia Greco-Latina, Itatiaia, MG, 1965.

sábado, 18 de junho de 2011

43- O Boi na Grécia (parte 7 de 11) - O Mito de Europa

Rapto de Europa por Zeus disfarçado de touro
pintura mural de Pompéia

Europa era uma princesa fenícia, filha de Aginor e Telefasa. Zeus(1), o deus supremo dos antigos gregos, ao vê-la se divertindo com as amigas na praia de Sidon, fica maravilhado com sua beleza e se apaixona por ela. Temendo ser recusado caso se apresentasse naturalmente, Zeus decide transformar-se num belo touro. Encarrega seu filho Hermes de conduzi-lo junto com o rebanho dos bois do rei, desde os altos prados até a praia onde as jovens estavam.
Zeus prostra-se aos pés de Europa na forma de um touro branco de feições nobres, com chifres inofensivos lembrando a lua crescente. O susto inicial provocado pela proximidade do animal, logo vai se transformando em confiança e as jovens começam a afagá-lo nos flancos e na cabeça, até que Europa decide sentar-se sobre o touro. Sem demora, Zeus ergue-se e lança-se ao mar levando consigo Europa no seu dorso que, em vão, grita pedindo socorro às amigas perplexas.
Para não cair das costas do touro, Europa agarra-se aos chifres durante a longa viagem até Creta. Lá Zeus reassume a forma humana. O casal se une na fonte de Gortina, sob a frondosa sombra dos plátanos que daquele dia em diante, nunca mais perderam suas folhas no inverno, dado que serviram para amparar o amor de um deus.
Da união de Zeus e Europa nasceram três filhos: o valente Sarpidon, o justo Radamantes e o legendário Minos, rei de Creta, de cuja família nascerá posteriormente o Minotauro, monstro com cabeça de touro e corpo humano(2).
Zeus, porém, não podia restringir-se à sua bela Europa. Antes de partir, dá a ela três prendas como recompensa. A primeira foi Talo o autômato, feito de bronze para cuidar das costas de Creta contra os desembarques estrangeiros. A segunda, foi um cão que nunca ladrava nas caçadas e conseguia sempre agarrar suas presas. Por último, um surpreendente dardo que sempre e sem exceção acertava o alvo eleito. Faz ainda com que Europa se case com Asterion e juntos se tornem os primeiros reis de Creta.
O pai de Europa, nunca soube o que havia acontecido com ela. Diz a lenda que ele continuou a procurá-la para alem da Grécia. Passou por muitos lugares em busca da sua filha, gritando seu nome por todo continente que agora é conhecido pelo nome de Europa.

NOTAS:
1) Zeus simboliza o reino do espírito. É o organizador do mundo exterior e interior. Dele depende a regularidade das leis físicas, sociais e morais. Segundo Mircea Eliade, ele é o arquétipo do chefe da família patriarcal.
A psicologia moderna denunciou em certas atitudes de liderança o que podemos chamar complexo de Zeus. É uma tendência a monopolizar a autoridade e a destruir tudo o que possa parecer no outro uma manifestação de autonomia, seja ela a mais razoável e promissora.
2)Sobre o mito do Minotauro, ver postagens 36, 37, 39 e 40 deste blog.
3) Fontes:
- Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos, José Olympio, 18ºed.
- Tassilo Orpheu Spalding, Dicionário de Mitologia Greco-Latina, Itatiaia, MG, 1965.