quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

87- O boi e o Bodhisattiva


Bodhisattiva em sânscrito significa “aquele cujo espírito é desperto e age com coragem”. O bodhisattiva é alguém que venceu o ego e é movido pela compaixão por todos os seres. 
Na tradição budista, recitar o mantra OM  MANI  PADME  HUM serve como proteção da mente contra a confusão que leva a uma apropriação da energia de maneira egocêntrica. 
...e todas as ações, sons e pensamentos impuros se transmutam em aspectos puros correspondentes. (Kalu Rimpoche)


OM  MANI  PADME  HUM

Que 2013 traga  Paz e Felicidade para Todos os Seres

domingo, 16 de dezembro de 2012

86- O Bezerro de Ouro Bíblico


Adoração do bezerro de ouro, por Nicolas Poussin (1594-1665)

O Bezerro de Ouro é o ídolo que de acordo com a tradição judaico-cristã, foi criado por Aaron quando Moisés havia subido o Monte Sinai para receber os mandamentos do Deus do povo de Israel. A demora de quarenta dias e quarenta noites fez com que os israelitas que o esperavam temessem terem sido abandonados.
Forçaram então Aaron a criar um ídolo que os conduzissem de volta ao Egito, onde haviam sido escravos. Aaron coleta entre o povo seus brincos de ouro. Derrete o ouro e constrói a estátua de um touro jovem  que já no dia seguinte passa a receber celebrações e oferendas.
A atitude de adoração à estatua do bezerro gera raiva em Moisés que quebra as tábuas de pedra com as leis de Deus e queima o Bezerro de Ouro. Espalha o pó sobre a água e força os israelitas a beberem. Volta ao Monte Sinai para receber uma nova inscrição na pedra com os Dez Mandamentos. Chama então para si aqueles que estivessem dispostos a seguir a Torá.
O episódio,  mencionada pela primeira vez em Êxodo 32:4, é conhecido como "O Pecado do Bezerro". Acredita-se que os hebreus reviveram no deserto a adoração ao touro num processo de assimilação e sincretismo, já que no Egito, de onde tinham vindo recentemente, o Touro Apis era idolatrado como uma representação divina.
O bezerro de ouro também é referido em outra passagem da Bíblia: no livro de I Reis 12, quando o reino de Israel é dividido e o rei Jeroboão, que fica com uma parte do reino sem ser de descendência real, cria dois bezerros para o povo adorar, e esquecer do Deus da sua tradição original.

Na linguagem corrente, a expressão "bezerro de ouro" tornou-se sinônimo de um falso ídolo, ou de um falso deus.
Você já se viu fabricando"bezerros de ouro" em tempos de deserto interior? 

sábado, 17 de novembro de 2012

85- O Bezerro de Ouro Contemporâneo


Com o nome sugestivo "The Golden Calf", o Bezerro de Ouro (FOTO), é um bezerro de 20toneladas com cascos e chifres de ouro de 18quilates, que o artista britânico Damien Hirst colocou à venda na casa de leilões Soththeby's, de Londres, em 2008.
Foi o trabalho que alcançou valor mais alto no leilão! Seu autor além de conquistar fama e enorme frisson em torno de si, soube como furar alguns fundamentos do mercado. A venda do Bezerro de Ouro foi uma jogada inédita em que Hirst driblou marchands e galeristas, negociando diretamente com os colecionadores.
Esse episódio no campo das artes faz refletir sobre o valor das coisas.

Em 1927, o físico alemão Werner Heisenberg propôs um conceito que modificou a forma científica de enxergar o mundo: o principio da incerteza. Esse princípio, que é ate hoje um dos pilares da física quântica, diz que a presença do observador altera o fenômeno. A natureza das coisas não teria uma existência intrínseca, mas sim interdependente, isto é, a experiência é alterada pela presença mutua do sujeito e do objeto. Ou seja, a experiencia do belo, por exemplo, é influenciada tanto pela obra quanto pelos olhos de quem vê. É portanto uma experiência única. E quando o que é dito belo vem de fora dessa experiência?
É comum ouvir dizer que a essência do que se faz na arte não depende da opinião alheia. O artista mais evoluído seria aquele que se libertou das coisa terrenas e se entregou plenamente a busca da sua arte. No entanto, talvez seja a profissão de artista aquela que mais dependa da opinião dos outros para sobreviver e a que é capaz de arrebatar os mais altos investimentos. A arte pode nos levar a um êxtase que não tem preço?
João Cabral de Mello Neto diz em seu ensaio "Composição x  Inspiração", de 1952, que nos tempos clássicos uma obra de arte era julgada boa quando cumpria seu papel de satisfazer o gosto das pessoas, que era construído ao longo do tempo. 

Muita coisa mudou desde então. Julgar o valor artístico e material de uma determinada obra, tornou-se uma tarefa cada vez mais distante do senso comum. Quem manda hoje no mercado das artes, tremendamente impulsionado pelo surgimento da nova classe social global dos bilionários, decidindo o que é bom ou não, são os especialistas.
A sensação que se tem  é de pisar em ovos (diga-se de passagem) que não são de ouro, num momento em que "celebridades" são produzidas em série, surgindo e desaparecendo em toda parte de uma hora para outra.
O valor do "Bezerro de Ouro", de Damien Hirst, transcende o valor da obra propriamente dita, quando traz à tona a fome de ídolos presente na ancestralidade humana.  

Outras reflexões sobre o tema,  na próxima postagem: "O Bezerro de Ouro Bíblico".

NOTAS:
Fontes: Lahoz André ; 2/2011 www. Bravoline.com.Br; Chacal, Ricardo; "Histórias à Margem"

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

84- O minotauro dos trópicos, o boi de Ricardo Chacal


Quando leio as histórias contadas por Ricardo Chacal (1) em seu livro "Uma história à margem", a sensação que me dá é de que elas se passaram no centro do furacão dos acontecimentos daqueles anos. O termo "à margem" se justifica  porque elas foram movidas por um poder paralelo,  marginal em relação ao padronizado. Foram  histórias escritas na roda viva da vida  pela força bovina da imaginação de alguns poetas teimosos, remadores dionisíacos da contra-corrente.
O Minotauro (2) ressurgiu assim nos trópicos graças a Chacal, em agosto de 1999, como símbolo máximo do CEP 20.000, também chamado Centro de Experimentação Poética.  Acontecimento gerador de um verdadeiro movimento cultural no Rio  de Janeiro, mesclava várias gerações e tipos de linguagem, nas mais variadas experiências plásticas, poéticas e musicais.
O CEP 20.000 comemorava nove anos com nove noites de festa na  Casa França Brasil. O espaço da exposição, um labirinto montado no centro da imensa sala, foi dividido de última hora com a exposição de Jorge Luis Borges, vinda de São Paulo.
Inspirado pelo "grande escritor das sendas do imaginário" Chacal foi  às Casas Turuna, onde adquiriu a cabeçorra taurina de papier marchê. A cada sessão era anunciada a fera e o  Minotauro-Chacal saia do labirinto, assustando adultos e crianças! Foi o início de sete anos de muitos espetáculos em vários outros  palcos, "impérios da fantasia, da poesia e do imaginário".
O papier machê foi se desfazendo com o uso até que foi hora de acabar. E acabou no Carnaval!  O fim do bisão mitológico aqui no Brasil, se deu " na grande festa da paixão e do batuque".
O ritual aconteceu em 2006,  no Baixo Gavea, bairro onde Chacal nasceu e viveu várias vidas. Ao som da banda "Me beija que eu sou cineasta", a besta foi cremada. Virou fumaça que encheu de lágrimas os olhos dos músicos e  foliões que passavam.
"O Minotauro está morto! Viva o Minotauro!"

NOTA:
1) Mais sobre Ricardo Chacal ver postagem 83, "O ano do Boi nos palcos do Rio", deste blog.
2) Mais sobre o Minotauro ver postagens: 36, "O Boi na Grécia (parte 2 de 11), O mito do Minotauro; 37, "O Boi na Grécia (parte 3 de 11), O Minotauro e a Máscara do Touro" e 39, "O Boi na Grécia (parte 4 de 11), O Minotauro e a Coroa de Ariadne", deste blog.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

83- O ano do Boi nos palcos do Rio


Quero compartilhar três verdadeiras epifanias.
A mais recente, foi quando assisti no Teatro Ségio Porto, a peça autobiográfica “Uma história à margem”, de Ricardo de Carvalho Duarte, o Chacal. Fiquei sabendo por que uma amiga me enviou uma foto da peça. Era o Chacal vestido com uma máscara de boi. Um minotauro urbano do século XXI! A amiga lembrou de mim, é claro. Boi-Julia, uma associação fácil de entender. Chacal conta suas histórias, na verdade incorpora as histórias - ágil, feliz, poético.
Baseada no livro autobiográfico de mesmo nome, tem a memória como fio condutor e oferece um testemunho da trajetória do autor, que inclui, além da poesia, criações ligadas à música e ao teatro experimental. É um importante registro da produção cultural do país, trazendo relatos sobre os mais emblemáticos movimentos culturais cariocas das últimas décadas, como a gênese de grupos emblemáticos como "Asdrúbal Trouxe o Trombone" e "Nuvem Cigana", recorda os áureos tempos do "Circo Voador", conta detalhes dos bastidores da "Blitz", do "movimento de performance" dos anos 90, até a criação do "CEP 20.000", o "Centro de Experimentação Poética", que já comemorou vinte anos de atividade.
Nascido no Rio de Janeiro, em 1951, Chacal é músico, letrista e poeta. Artista eclético, colabora em antologias, revistas impressas e eletrônicas, em performances, como autor e editor de livros, cronista, etc. É contemporâneo da "geração mimeógrafo" e integrante do movimento de poesia marginal do país, a partir dos anos 70. O Minotauro é uma das múltiplas facetas de Chacal, apresentada em “Uma história à margem”. 


A segunda ocorreu quando, igualmente levada pela informação de outro amigo que fez a associação de boi com Julia (!), fui ao teatro do CCBB, no Cena Brasil Internacional, assistir a peça "Boi". Com texto original de Miguel Jorge e direção de Hugo Rodas, tem Guido Campos atuando nos diversos papéis, diga-se de passagem, de forma visceral. A peça conta a história de Zé Argemiro, que tem como brincadeira favorita de menino de roça, montar na garupa do boi Dourado. Quando adulto, Argemiro prefere a companhia dos bois com os quais conversa com grande intimidade. Um dia se casa com Das Dores, que enciumada, ameaça matar o boi desencadeando em Argemiro uma reação inesperada.


Já na peça "Travessia" foi por um mero acaso, ou talvez por pura sincronicidade, que me deparei mais uma vez com o boi no centro do palco do Teatro Princesa IsabelBaseada nos contos de "Sagarana"(1) e "Primeiras Histórias"de Guimarães Rosa"Travessia"conta com a direção e interpretação de Paulo Williams, do Grupo Tecelagem. O grupo, natural de Jacareí e desde 2011 em São Paulo, tem como ponto de partida para várias de suas produções os estudos de transposição da literatura. Alem de "Travessia", fazem parte do seu repertório, "Velho Mar" da obra de Hemingway, "Monóculo" da obra de Marguerite Duras e de Gaston Bachelard, entre outrasO espetáculo aborda a experiência de um vaqueiro que parte levando uma boiada pelo sertão. No meio da travessia vai contando suas estórias, seus medos, suas dores, seus amores ao som de violeiros, numa montagem simples e muito criativa.

NOTA:
(1) Veja postagem 77 "Bois que sonham e conversam", de Guimarães Rosa deste blog.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

82- O Hakomi, a Garça e o Boi-Parte 2 de 2


Meditando no Salar de Atacama diante dos flamingos (1)
Hakomi  é uma palavra do idioma dos índios americanos Hopi, que literalmente significa: "como você se posiciona em relação aos muitos reinos da existência?" Ou, na tradução mais moderna: "quem é você?”
Como se chega  lá? No método Hakomi, segundo seu criador Ron Kurtz, é fazendo a outra pessoa se sentir segura, é tendo um respeito ativo e profundo e compaixão por todos os seres.  Nas palavras da Mukara (2), é promovendo um campo amoroso, de acolhimento a todas nossas partes.
O símbolo usado no logotipo do Hakomi é o da garça.  Não  encontrei nos livros as razões que levaram a essa escolha. Por achar importante a linguagem oculta nos símbolos, faço uma pesquisa dedutiva.
Genericamente o arquétipo do animal se relaciona às camadas profundas do inconsciente e do instinto. Os pássaros, por sua vez, porque voam, servem de símbolo às relações entre o céu e a terra.
Mais especificamente a garça, por sua atitude imóvel e solitária, equilibrada num pé só como que mimetizando um arbusto, evoca naturalmente a contemplação. Essa ave pernalta fica ali 100% presente, ao mesmo tempo paciente e pronta para alçar vôo ou para ciscar seu alimento.  É a  imagem  perfeita do estado de Atenção Plena, a atitude de observação sem julgamento, o princípio básico do Hakomi.
No ocultismo antigo, por causa do seu bico fino e penetrante a garça passava por símbolo da ciência  divina. É a fênix, o pássaro mítico de origem etíope de extraordinária longevidade que na tradição cristã representa o triunfo da vida sobre a morte.
Também é, nas tradições européias e africanas, o investigador, "aquele que mete o nariz (o bico) em tudo"!
Por serem serpentárias,  essas aves também são tidas como adversárias do mal, um animal antisatânico como a íbis, símbolo de Cristo.
No Egito, era uma representação de Tot, personificação  da sabedoria e a fênix, a personificação do mito solar e da ressurreição.
Já a garça real, a cegonha, é  símbolo da compaixão filial, pois se dizia que alimentava os pais velhos.  Até hoje existe o mito de que a cegonha trás o bebê no bico, uma imagem poética que sugere que é esta ave migradora a mensageira da renovação da vida que vem do espaço infinito.
Na tradição chinesa, há quem lhe atribua pelo simples olhar, o poder da concepção.
No Japão, a garça aparece como o "tsuru", símbolo da imortalidade e da paz.
A garça é um animal cosmopolita. Está presente nos mundos velho e novo, ativando o imaginário do homem desde tempos remotos.
A riqueza existente nos simbolismos da garça talvez possa dar a dimensão vasta para onde o Hakomi, essa palavra-pergunta: “quem é você?”, pode nos levar.

NOTAS:
1) O Salar de Atacama é uma salina no Chile. Local de paisagens deslumbrantes, se localiza a 55 km ao sul da cidade de San Pedro de Atacama, no Deserto de Atacama, na região de Antofagasta. É cercado por montanhas 
numa altitude de 2.300 m do nível do mar e não tem saídas para drenagem de água. Algumas áreas da salina fazem parte da reserva ecológica Los Flamencos, que recebeu este nome por concentrar grandes populações de espécies de flamingos. Os flamingos já foram considerados da família do grupo Ciconiformes ao qual pertencem as garças, porém atualmente são classificados numa ordem à parte (Phoenicopteriformes), por diferença no bico.
2) Mais sobre o Hakomi e Mukara Meredith, ver postagens 80 e 81, deste blog.
3) Fontes:
    Chevalier, Jean & Gheebrant, Alain; Dicionário de Símbolos; José Olympio Ed.; 18a edição.
    Kurtz, Ron; Body-Centered Psychotherapy, The Hakomi Method; LifeRhythm; CA-1990.
    Sick, Helmut; Ornitologia Brasileira; Ed. Nova Fronteira; RJ-2001.


terça-feira, 4 de setembro de 2012

81-O Hakomi, a Garça e o Boi - Parte 1 de 2



Garça Vaqueira e o Búfalo (1)
O encontro com a Dra Nise da Silveira em 1989,  no evento pela queda da Farra do Boi (2) foi um marco importante, que norteou minha vida para novos horizontes. Foi um espaço catalisador do meu  processo de individuação que ainda hoje me influencia.  Inspirou o nome do  blog:  "Oficinas de Individuação" e  a pesquisa que passei a desenvolver e a postar sobre as mitologias do boi.
Nesse mês de setembro em que  o blog faz dois anos com mais de 22 000 visitas (!),  ainda há muito que dizer (e sera dito mais adiante) sobre a presença do boi no imaginário do homem desde as cavernas (3) até a contemporaneidade (4). Mas um outro marco importante pede licença: o encontro que tive em 1991/92, em Boulder, nos Estados Unidos, com o método Hakomi, através de Pat Ogden e  Mukara Meredith (5).
Naquela ocasião, além de professora Mukara foi também minha terapeuta do Hakomi, mas acima de tudo,  foi uma pessoa que acreditou em mim e facilitou minha inclusão naquele universo.
20 anos depois, revejo Mukara no Brasil, onde é um nome que desperta interesse entre aqueles que já ouviram falar do seu trabalho autoral MatrixWorks como uma referencia original e transformadora, capaz de promover o  "caos criativo" a partir do olhar para os grupos como organismos vivos.
Segundo Mukara, muito do MatrixWorks se inspirou no Hakomi, que ela está trazendo agora em setembro para o Rio de Janeiro, pela primeira vez em todo Brasil.
O tema básico nos dois métodos é inclusão-conexão-integração de todas as partes,  o caminho para a totalidade do ser, na linguagem de C. G. Jung.
No MatrixWorks as partes a se integrar são os membros do grupo.  No Hakomi são nossos eus, como nossa criança ferida, nosso velho sábio... que ficam  muitas vezes na sombra, rejeitados, atrapalhando nossos relacionamentos.
Se antes se pensava que a sombra humana representasse a fonte de todo mal, hoje se sabe que ela também se compõe de boas qualidades, instintos normais, reações apropriadas, percepções realistas, impulsos criadores, etc.

A garça é o símbolo do Hakomi. Saiba porque na próxima postagem desse blog.

NOTAS:
1) A garça vaqueira, bubulcus ibis, foi registrada há relativamente poucos anos no Brasil. São encontradas na ILha de Marajó associadas ao búfalo sobre os quais pousa tal como faz na África com o hipopótamo e os elefantes.
2) Ver neste blog, postagens de 1, 3 e 7: "Dra Nise X A Farra do Boi";
3) Ver postagem 21  22: "O Boi e a Arte - na arte rupestre";
4) Ver postagens 58: "Socorro, querem capar o touro da Wall Street!" e 61: "Dra Nise na CowParade";
5) Mais sobre o Hakomi e Mukara Meredith, ver postagem 80.


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

80- Oficina de Introdução ao Método Hakomi


Atenção Plena Dinâmica & Consciência Somática
com Mukara Meredith, 
                                     assistente Julia Andrade
14 & 15 Setembro, 2012

Hakomi é um método único e efetivo. Integra a Atenção Plena e não-violência das tradições Budista e Taoísta com a original metodologia ocidental criada por Ron Kurtz ajudando na consciência somática.
A presença amorosa tanto quanto o relacionamento de cura são tópicos centrais para o Hakomi. Aprendemos como desenvolver uma sensibilidade especial e sintonia com os outros – ambas a partir do material consciente e inconsciente – e a transmitir esse reconhecimento. Estas formas de empatia e responsividade criam um profundo sentimento de segurança e conexão.
Hakomi é uma forma de psicoterapia somática centrada no corpo. O corpo é visto como a porta que pode ser aberta para revelar o caráter e o sistema de crenças do individuo.
uso dinâmico da Atenção Plena é só outro aspecto desta base – o cliente aprende como desenvolver a Atenção Plena durante o processo. Quando as técnicas únicas do Hakomi são apresentadas, rapidamente ganhamos um acesso seguro às crenças inconscientes e primitivas, que moldam nossas próprias vidas, relacionamentos e auto-imagens sem serem percebidas.
Durante esta oficina experiencial vamos também explorar “o corpo como o mapa da psyche”; a não-violência em terapia; habilidades empáticas tais como contato e rastreamento (lendo sinais inconscientes sutis); e como encorajar a cooperação do inconsciente criando segurança, abraçando a resistência e protegendo o espírito.
A oficina é destinada aos praticantes de diferentes técnicas terapêuticas, aos que trabalham com aconselhamento, assistentes sociais, aos alunos destas áreas e aos indivíduos que procuram a experiência do método Hakomi. Poderá ser também usada como o pré-requisito do Treinamento na Terapia Hakomi que Mukara Meredith deseja trazer para o Brasil no próximo ano.


Docente: Mukara Meredith MSW, CHT, tem mais de 30 anos de experiência em ensino, consultoria e trabalhos com artes de cura.
É professora e terapeuta, certificada pelo método Hakomi, de Ron Kurtz.
É criadora do Sistema MatrixWorks (site: www.matrixworks.org ) e professora de Dinâmica de Grupo e de Processo de Grupo na Universidade Naropa, em Boulder, Colorado, EUA, desde 1993.
Mukara é aluna de budismo e se dedica à aplicação prática dos ensinamentos da sabedoria na vida cotidiana, cultivando uma cultura de conexão e compaixão.



Assistente: Julia Andrade, autora do blog "Oficinas de Individuação". Psicologa Clínica (CRP 30021), com especializações em terapias corporal e junguiana (PUC-RJ).Iniciou sua pesquisa corpo-mente em 1984 com Angel Vianna.Conheceu o Hakomi Bodywork em 1991, em Boulder, sob orientação de Pat Ogden e Mukara Meredith. Desde então usa o Hakomi como uma ferramenta diferencial que integra a experiência meditativa à prática terapêutica.Retomou o contato com Mukara em 2008 no curso de formação do Sistema MatrixWorks, em Florianópolis.

Data 14 de setembro, das 19 às 21h30min e 15 de setembro, das 10 às 18h.
Local Praça Pio XI, Jardim Botânico, Rio de Janeiro.
Para mais informações sobre o curso  juliaandrade@terra.com.br  (escreva HAKOMI como assunto).
Para mais informações sobre o método site: http://www.hakomiinstitute.com

O CURSO SERÁ DADO EM INGLÊS COM TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

79- Os Bois dos Titãs


 "Garrastazu
  Stalin
  Erasmo Dias
  Franco
  Lindomar Castilho
  Nixon
  Delfim
  Ronaldo Bôscoli
  Baby Doc
  Papa Doc
  Mengele
  Doca Street
  Rockfeller
  Afanásio
  Dulcídio Wanderley Bosquila
  Pinochet
  Gil Gomes
  Reverendo Moon
  Jim Jones
  General Custer
  Flávio Cavalcante
  Adolf Hitler
  Borba Gato
  Newton Cruz
  Sérgio Dourado
  Idi Amin
  Plínio Correia de Oliveira
  Plínio Salgado
  Mussolini
  Truman
  Khomeini
  Reagan
  Chapman
  Fleury"                                       
 ("Nome Aos Bois", Titãs) (1)

A expressão "dar nome aos bois" significa falar clara e diretamente sobre um assunto considerado delicado ou embaraçoso, mesmo que isto seja inconveniente ou desagradável. Chamar as coisas pelo nome, sem meias palavras tem expressões em várias outras línguas, tais como: no italiano - dire pane al pane e vino al vino ("chamar pão de pão e vinho de vinho"); no francês - appeler un chat un chat ("chamar um gato de gato"); no espanhol - llamar al pan, pan y al vino, vino (chamar pão de pão e vinho de vinho"); no  alemão - das Kind beim Namen nennen ("chamar a criança pelo nome" ); no inglês - to call a spade a spade ("chamar uma pá de pá"). (2)
"Nome aos Bois" é uma canção da banda de rock Titãs, presente no disco Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, de 1987. A canção é interpretada por Nando Reis, e a letra causou polêmica na época do seu lançamento por citar 34 nomes de pessoas famosas por suas atitudes polêmicas.



Que nome(s) você gostaria de acrescentar à essa lista (veja nota 3) ?


NOTAS:
(2) Brewer’s Dictionary of Phrase and Fable (1913)
(3) As personalidades aparecem abaixo com o nome pelo qual são citadas na música.
Garrastazu (1905-1985): ex-presidente militar que governou o Brasil durante o período de 1969 a 1974, no auge da ditadura militar.
Stálin (1878-1953): cruel ditador, ex-dirigente da extinta URSS (União Soviética), de 1924 a 1953.
Erasmo Dias (1924-2010): coronel reformado do Exército Brasileiro que liderou uma invasão à PUC de São Paulo, em 22 de setembro de 1977, onde uma reunião de estudantes pretendia refundar a UNE.
Franco (1892-1975): ditador da Espanha, que governou o país de 1936 a 1975 (ano de sua morte), no regime totalitário intitulado franquismo, baseado no fascismo.
Lindomar Castilho (1940-): cantor e instrumentista popular, conhecido pelas canções Você é Doida Demais e Eu Amo a Sua Mãe e por ter assassinado a sua segunda esposa, Eliane de Grammont, em 30 de março de 1981.
Nixon (1913-1994): ex-presidente estadunidense e republicano que governou o país de 1968 a 1974. . Ficou conhecido por retirar as tropas americanas do Vietnã, pondo fim à Guerra do Vietnã, e por renunciar após ser flagrado em um escândalo de espionagem contra o Partido Democrata, intitulado Caso Watergate.
Delfim (1928-): ministro da Fazenda brasileiro no auge da ditadura militar, de 1967 a 1974, conhecido por arquitetar um grande crescimento econômico do país na época, o milagre econômico.
Ronaldo Bôscoli (1928-1994): jornalista e compositor , conhecido por ser especialista da maledicência. Teve casos de amor com finais infelizes com Mila Moreira, Nara Leão, Maysa Matarazzo e Elis Regina.
Baby Doc (1951-): Jean-Claude Duvalier, filho de Papa Doc, ditador do Haiti entre 1971 a 1985. Com a forte crise econômica e o terrorismo político originado no governo de seu pai, foi obrigado a fugir para a França, onde se exilou em 1985.
Papa Doc (1907-1971): François Duvalier, ditador do Haiti de 1957 a 1971, quando faleceu e foi sucedido pelo filho, Baby Doc. Seu governo foi conhecido pela brutalidade e pelo desrespeito aos direitos humanos.
Mengele (1911-1979): médico alemão do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, durante o regime nazista. Era conhecido como o Anjo da Morte.
Doca Street (?-): ex-corretor de ações brasileiro, conhecido por assassinar em 1976 a socialite Angela Diniz, com a qual se envolveu amorosamente.
Rockefeller (1908-1979), político e empresário americano, vice-presidente dos EUA durante o governo de Gerald Ford, que sucedeu Richard Nixon. Envolveu-se em algumas práticas comerciais antiéticas e ilegais, é lembrado por ter trazido ordem ao caos industrial da época.
Afanásio (1950-): ex-deputado estadual paulista, defende ferrenhamente a pena de morte no Brasil.
Dulcídio Wanderley Boschilia (1938-1998): ex-árbitro de futebol brasileiro, conhecido por apitar partidas tensas e por, fora dos gramados, ter simpatia pelo São Paulo Futebol Clube, o que gerava críticas.
Pinochet (1915-2006): ditador do Chile durante o período de 1973 a 1989. Seu governo, assim como outros regimes militares, também ficou conhecido pelo desrespeito aos direitos humanos e pela perseguição aos opositores.
Gil Gomes (1940-): radialista e repórter policial, famoso por sua voz, seus gestos e sua participação no extinto jornalístico Aqui Agora, do SBT. Gil foi citado por sua atuação no rádio, pois a canção é de 1987 e o jornalístico estrearia em 1991.
Reverendo Moon (1920-), religioso coreano que fundou em 1954 a Igreja da Unificação. Autointitulava-se Salvador da Humanidade, Messias, Verdadeiro Pai, entre outros.
Jim Jones (1931-1978): pastor evangélico estadunidense, fundador da igreja Templo do Povo, que tornou-se sinônimo de grupo suicida após o suicídio em massa ocorrido no dia 18 de novembro de 1978, por envenenamento, em sua isolada coletividade comunitária agrícola chamada Jonestown, localizada na Guiana. Jones foi encontrado morto com um ferimento de bala na cabeça junto a outros 909 corpos.
General Custer (1839-1876): militar estadunidense conhecido pela dureza e crueldade das batalhas que chefiava na Guerra de Secessão norte-americana.
Flávio Cavalcanti (1923-1986): radialista e comunicador brasileiro, conhecido por sua forma de falar agressiva e por achincalhar artistas em seu programa, com direito a destruir no ar os discos dos mesmos.
Adolf Hitler (1889-1945): ditador alemão, líder do nazismo, que governou entre 1933 e 1945 e foi um dos responsáveis pela Segunda Guerra Mundial. Autointitulava-se Der Führer (o Chefe, em alemão).
Borba Gato (1649-1718): bandeirante paulista que, durante a Guerra dos Emboabas, se desentendeu com Manuel Nunes Viana, líder dos forasteiros (emboabas).
Newton Cruz (1924-): general reformado do exército brasileiro, que participou de várias polêmicas durante a ditadura militar no Brasil.
Sergio Dourado (?-): corretor de imóveis brasileiro que fez sucesso nos anos 70, ao dominar o mercado imobiliário do Rio de Janeiro.
Idi Amin (1925-2003): ditador de Uganda, durante o período de 1971 a 1979.
Plínio Correia de Oliveira (1908-1995): político e escritor paulista, fundador da Tradição, Família e Propriedade (TFP), a mais famosa organização católico-tradicionalista do Brasil.
Plínio Salgado (1895-1975): político brasileiro, líder da Ação Integralista Brasileira, partido político de inspiração fascista, durante o governo de Getúlio Vargas. Se exilou na Alemanha em 1938, com o fracasso de uma revolta integralista contra o Estado Novo de Getúlio.
Mussolini (1883-1945): ditador fascista italiano, que governou a Itália de 1922 a 1943. Autointitulava-se Il Duce (o Chefe, em italiano). Foi executado no fim da Segunda Guerra Mundial
Truman (1884-1972): ex-presidente democrata norte-americano, que governou os EUA de 1945 a 1952. Ficou conhecido pela doutrina Truman e pelo Plano Marshall, de contenção ao comunismo,  o primeiro pilar da Guerra Fria. A doutrina e o plano fizeram ainda mais por separar o mundo em duas esferas de influência.
Khomeini (1902-1989): Foi uma autoridade religiosa xiita iraniana, líder espiritual e político da responsavel pela revolução de 1979, que depôs  Mohammad Reza Pahlavi, na altura o xá do Irã.
Reagan (1911-2004): ex-presidente republicano estadunidense. Usava frequentemente sua verve de ator de hollywood em frases que ficaram conhecidas como esta: "Meus caros americanos: tenho o prazer de informar que acabo de assinar uma lei que banirá a URSS para sempre. O bombardeio começa em 5 minutos", disse brincando ao se preparar para a gravação de um programa de televisão. A brincadeira gerou veementes protestos dos soviéticos (1984).
Chapman (1955-): o criminoso americano que assassinou o ex-Beatle John Lennon na cidade de Nova Iorque, em 1980. Desde então, encontra-se preso perpetuamente.
Fleury (1933-1979): ex-delegado do DOPS, que combateu duramente a esquerda durante a ditadura militar.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

78- Boi Morto, de Manoel Bandeira



foto: manoel bandeira ao violão

"Como em turvas águas de enchente,
Me sinto a meio submergido
Entre destroços do presente
Dividido, subdividido,
Onde rola, enorme, o boi morto.

Boi morto, boi morto, boi morto.

Árvores da paisagem calma,
Convosco - altas, tão marginais! -
Fica a alma, a atônita alma,
Atônita para jamais.
Que o corpo, esse vai como o boi morto.

Boi morto, boi morto, boi morto.

Boi morto, boi descomedido,
Boi espantosamente, boi
Morto, sem forma ou sentido
Ou significado. O que foi
Ninguém sabe. Agora é boi morto.

Boi morto, boi morto, boi morto!"(1)

Cada um com seu boi.
Boitempo (2) é o boi de Carlos Drummond de Andrade. Boipaisagem (3) e Boicheiro (4) são os bois de Ferreira Gullar e de Cora Coralina. Os bois que sonham e conversam são os de Graciliano Ramos (5). O boi notabilizado por Manoel Bandeira é o Boi Morto.
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasceu em Recife, em 19 de abril de 1886 . Foi poeta,crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. Considera-se que Bandeira faça parte da geração de 22 da literatura moderna brasileira, sendo seu poema Os Sapos o abre-alas da Semana de Arte Moderna de 1922. Possuidor de um estilo simples e direto, é tido por alguns como o mais lírico dos poetas. Sua obra é permeada por certa melancolia, associada a um sentimento de angústia, em que procura uma forma de sentir a alegria de viver.  Sofria de tuberculose e sabia dos riscos que corria diariamente. A perspectiva de deixar de existir a qualquer momento é uma constante na sua obra. Faleceu no dia 13 de outubro de 1968, com hemorragia gástrica, aos 82 anos de idade, no Rio de Janeiro, tendo sido sepultado no túmulo 15 do mausoléu da Academia Brasileira de Letras.
“Boi morto” foi alvo de diversas polêmicas desde sua primeira publicação em 1951. Alguns criticaram o hermetismo excessivo, outros a falta de uma vinculação mais clara com os problemas políticos e sociais do tempo. Diferente da fluidez e da expressão cristalina de alguns dos poemas mais conhecidos do autor, “Boi Morto” convida à exploração de outras dimensões, em que a precisão combina-se com o mergulho no indizível a partir de sonoridades, remissões e associações.
O “boi” de Manoel Bandeira fala do estado de fragmentação, destruição e dilaceramento subjetivo.


NOTAS:
1) Fonte: Grupo de Estudos C. G. Jung, Coordenação Dra Nise da Silveira; "A Farra do Boi", do sacrifício do touro na       antiguidade à farra do boi catarinense"; Numen Editora/Espaço Cultural-89/RJ
2) Postagem 74 deste blog;
3) Postagem 75  deste blog;
4) Postagem 76 deste blog;
5) Postagem 77 deste blog;
6) Fonte: Flores, Wilson -UFRJ, XII Congresso Internacional da ABRALIC 2011- UFPR . http://www.abralic.org.br/anais/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0214-1.pdf

terça-feira, 5 de junho de 2012

77- Bois que sonham e conversam, de Guimarães Rosa


         “- Um homem não é mais forte do que um boi ... E nem todos os bois obedecem sempre ao homem...
              - Eu já vi o boi-grande pegar um homem uma vez ... O homem tinha também um pau comprido e não correu ...
              Mas ficou amassado no chão, todo chifrado e pisado...Eu vi! ... foi o boi-grande que berra feio e carrega 
              uma cabaça na cacacunda...”
Em uma conversa corriqueira dois homens discutiam o fato dos bois se comunicarem. Então um deles conta a história de Tiãozinho, um menino órfão que carregava o cadáver do pai juntamente com uma carga de rapadura, ocupando o lugar do pai de guia do carreiro Agenor Soronho. O menino sofria maus tratos do carreiro, porém nada podia fazer, pois esse era amante de sua mãe e quem agora sustentaria sua família. Tiãozinho apenas sonhava que um dia daria um jeito no carreiro.
Por hora, teria que suportar o sofrimento calado.
Num dado momento do conto, Agenor Soronho encontra-se em um sono profundo. Ao seu lado, guiando o carro de bois, Tiãozinho cochila e sonha que está matando o carreiro. Nesse momento seu sonho entra em sintonia com o sonho dos bois, que consideravam o menino um igual, tanto que o chamavam de “bezerro-de-homem”.
          “- O bezerro-de-homem sabe mas às vezes... tem horas em que ele vive muito perto de nos, e ainda é bezerro ...
           tem horas em que ele fica ainda tão mais perto de nos... Quando está meio dormindo, pensa quase como 
           nós bois... Ele está lá adiante e de repente, vem ate aqui ... Se encosta em nós, no escuro...Tenho medo 
           de que ele entenda nossa conversa...
Percebendo que o carreiro estava dormindo, os animais jogam a carroça bruscamente arremessando o homem, fazendo ainda com que uma das rodas passasse por cima da sua cabeça. 
O menino desperta assustado, vendo o carreiro morto.
Agora , segue seu caminho com dois cadáveres dentro do carro de bois. ( Resumo do núcleo central do conto Conversa de Bois, do livro Saragana, de Guimarães Rosa) (1)

Nesse seu conto Guimarães Rosa faz uma alegoria sobre a crueldade do algoz na figura de Agenor Soronho e a justiça de suas vítimas, o menino órfão e os bois, quando trocam de posição se unindo no sonho e recuperando a força que estava na sombra (2).

NOTA:
1) Considerado por muitos como o maior criador em prosa do século XX no Brasil e um dos maiores da cultura ocidental moderna João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais, em 1908. Estudou medicina e trabalhou no interior de seu estado como medico da Força Pública. Conhecendo mais de uma dezena de idiomas em 1934 prestou concurso para o Itamaraty, onde trabalhou como diplomata e como embaixador. Faleceu aos 59 anos no Rio de Janeiro, três dias após sua posse na Academia Brasileira de Letras. Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. Sua obra destaca-se, sobretudo, pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e regionais que, somados à erudição do autor, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas.
Publicado em 1946, “Sagarana” é provavelmente a mais importante estreia em prosa da história da literatura brasileira. Já com 38 anos quando o livro foi lançado, Guimarães Rosa passara mais de uma década trabalhando em suas histórias. A escrita, repleta de neologismos, confunde habilmente o real e o imaginário. O próprio título do livro é um hibridismo criado pelo autor: “saga”, de origem germânica, quer dizer “lenda”, “canto heróico” e “rana” é uma palavra de origem indígena que significa “à maneira de”. Sagarana seria então uma “espécie de fábula”.
2) Sombra é aquela personalidade oculta, recalcada, frequentemente inferior e carregada de culpa, cujas ramificações extremas remontam ao reino de nossos ancestrais animalescos, englobando também o aspecto histórico do inconsciente. Se antes se pensava que a sombra humana representasse a fonte de todo mal, mais adiante se entendeu que ela não é apenas composta de tendências moralmente repreensíveis, mas também de certo número de boas qualidades, instintos normais, reações apropriadas, percepções realistas, impulsos criadores, etc. (ref.: C. G. Jung, “Memórias, Sonhos e Reflexões”-1963)

sexta-feira, 18 de maio de 2012

76- Boicheiro, o boi de Cora Coralina


"Eu vi
o cheiro do boi.
Eu vi
cheiro de pasto
maduro, crestado, amarelado.

Eu vi chuva mansa chovendo
chuva fina caindo
Capim nascendo, gramando, repolhando.

Eu vi
lameiro de mangueira, repisado.
Cheiro de currais,
estercado, mijado.
Cheiro de saúde,
fecundo, estimulante"
("Evém Boiada" - Coralina, 1990, p. 137)

Mestra no uso poético de alusões sinestésicas, Cora Coralina  (1) um dia escreveu: "Lindo demais Coração é terra que ninguém vê". No seu poema "Evém Boiada", evoca cheiros, cores e imagens do coração do nosso interior,  lugar onde "habita" o boi. Cheiro de boi é perfume que vem do pasto, da fazenda de um tempo atrás, que ficou pra sempre presente na lembrança do que chamei de "Boicheiro". 
A persistência do cheiro de alguém, mesmo depois da sua partida, evoca uma idéia de continuidade. O cheiro simbolizaria assim a memória. Talvez tenha sido esse um dos sentidos do emprego do perfume em ritos funerários.
A presença sutil e, apesar disso, real do cheiro o assemelha simbolicamente a uma presença espiritual.  Sabemos como desde tempos ancestrais o perfume está associado aos mais diversos ritos. O homem tem usado o perfume agradável dos incensos como oferenda à Divindade entre os orientais, hebreus, gregos, romanos, egípcios, ameríndios e católicos. 
Em experiências sobre as imagens mentais os doutores Fretigny e Virel (2) demonstraram que os odores têm poder sobre o psiquismo, facilitando o aparecimento de imagens e de cenas significativas. Essas imagens, por sua vez, suscitam e orientam as emoções e os desejos.

Já dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade (3) "assim é Cora Coralina...mulher extraordinária, diamante goiano cintilando na solidão"!

Notas:
(1) Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, nasceu em Goias no dia 20 de agosto de 1889, e morreu em e 10 de abril de 1985. Mulher simples, doceira de profissão, viveu longe dos grandes centros urbanos, alheia a modismos literários. Começou a escrever os seus primeiros textos aos 14 anos de idade, publicando-os nos jornais da cidade de Goiás. Casou em 1910 com o advogado e chefe de polícia Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, com quem se mudou, no ano seguinte para o interior de São Paulo, onde viveu durante 45 anos.
Com a morte do marido, trabalhou vendendo livros, produzindo e vendendo lingüiça caseira e banha de porco, até  retornar em 1956  para Goiás. Ao completar 50 anos de idade, a poetisa relata ter passado por uma profunda transformação interior, a qual definiria mais tarde como "a perda do medo". Nessa fase, deixou de atender pelo nome de batismo e assumiu o pseudônimo que escolhera para si muitos anos atrás. Durante esses anos, Cora não deixou de escrever poemas relacionados com a sua história pessoal, com a cidade em que nascera e com o ambiente em que fora criada.
Seu primeiro livro "Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais", foi publicado quando Cora contabilizava 75 anos. Reúne os poemas que consagraram o estilo da autora e a transformaram em uma das maiores poetisas de Língua Portuguesa do século XX. Em 1983, Cora Coralina recebeu o título de Doutor Honoris Causa da UFG, foi eleita intelectual do ano e contemplada com o Prêmio Juca Pato da União Brasileira dos Escritores. Sua casa na Cidade de Goiás foi transformada num museu em homenagem à sua história de vida e produção literária. (Ref: http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/artigo_suely.htm)
(2) Fonte:  Dicionário de Simbolos, J. Chevalier e A. Gheerbrant, 18a ed, Ed José Olympio.
(3) Veja Postagem 74 deste blog, "Boitempo, o boi de Carlos Drummond de Andrade".


terça-feira, 8 de maio de 2012

75- Boipaisagem, o boi de Ferreira Gullar


"Vai o animal no campo; ele é o campo como o capim, que é o campo se dando para que haja sempre boi e campo; que campo e boi é o boi andar no campo e comer do sempre novo chão. Vai o boi, árvore que muge, retalho da paisagem em caminho. Deita-se o boi, e rumina, e olha a erva a crescer em redor de seu corpo, para o seu corpo, que cresce para a erva. Levanta-se o boi, é o campo que se ergue em suas patas para andar sobre o seu dorso. E cada fato é já a fabricação de flores que se erguerão do pó dos ossos que a chuva lavará, quando for o tempo."(1) 
(Ferreira Gullar)

Ferreira Gullar nasceu em São Luís do Maranhão em 10 de setembro de 1930. 
Batizado José Ribamar Ferreira, decidiu mudar seu nome. Usou o Ferreira do pai e o Goulart francês da mãe virou Gullar. Disse ele: "Como a vida é inventada eu inventei o meu nome!".
Autodidata, começou a escrever poesia aos treze anos, dedicando-se mais tarde também ao estudo da crítica e história da arte. Publicou o primeiro dos seus mais de vinte livros ainda na terra natal, transferindo-se para o Rio de Janeiro em 1951, onde trabalhou em jornais e revista.
Participou do movimento de arte concreta (1955-57) sendo então um poeta extremamente inovador, escrevendo seus poemas, por exemplo, gravando-os em placas de madeira.
Em 1959, fundou  junto com outros poetas, críticos e artistas plásticos, tais como Lígia Clark e Hélio Oiticica, o movimento neo-concreto, que valorizava a expressão e a subjetividade em oposição ao concretismo ortodoxo.
No início dos anos 60, se afastou também deste grupo por concluir que o movimento levaria ao abandono do vínculo entre a palavra e a poesia. 
Dirigiu a FUNART, a Fundação Cultural de Brasilia e o IBAC. Foi presidente do Centro Popular da Cultura e um dos fundadores do Grupo Opinião, ajudando a organizar a resistência contra a ditadura militar. Foi preso em 68 e viveu no exílio a partir de 1971. (2) 
No poema Boitempo (3) Carlos Drummond de Andrade identifica o boi com o tempo, quando o tempo era o tempo do boi, e acompanhava os ponteiros da natureza. Seguindo o mesmo “caminho da roça” entitulei o boi de Ferreira Gullar de Boipaisagem. Mais que mimetizado, completamente identificado com a paisagem do campo, esse boi é o próprio campo. É boi da época anterior à pecuária industrial(4), em que os bois freqüentavam pastos e eram imagem integrada ao ciclo natural.


NOTAS
1) Fonte: Ferreira Gullar, "Toda Poesia"(1950/1980), SP, Círculo do Livro, 1983, parte 5, p.50.
2) Ferreira Gullar, "Nise da Silveira: uma psiquiatra rebelde", Perfis do Rio 10, RJ, 1996.
3) Ver postagem 74, de abril de 2012, Boitempo, o boi de Carlos Drummond de Andrade.
4) Ver postagens 73 e 73, de abril de 2012, O Boi Espermático - partes 1 e 2.

terça-feira, 17 de abril de 2012

74- Boitempo, o boi de Carlos Drummond de Andrade

   
 Cow Mario (1)      
“Entardece na roça de modo diferente. 
A sombra vem nos cascos, 
no mugido da vaca separada da cria. 
O gado é que anoitece 
e na luz que a vidraça da casa fazendeira 
derrama no curral 
surge multiplicada sua estátua de sal, 
escultura da noite. 
Os chifres delimitam 
o sono privativo de cada rês 
e tecem de curva em curva 
a ilha do sono universal. 
No gado é que dormimos 
e nele que acordamos. 
Amanhece na roça de modo diferente. 
A luz chega no leite, 
morno esguicho das tetas, 
e o dia é um pasto azul 
que o gado reconquista.”        
(Boitempo, Carlos Drummond de Andrade)

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira MG, em 31 de outubro de 1902. De família de fazendeiros em decadência, estudou na cidade natal, em Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo RJ, de onde foi expulso por "insubordinação mental". Poeta, cronista, contista e tradutor, sua obra traz a visão de um individualista comprometido com a realidade social.
Excelente funcionário publico, trabalhou no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e se aposentou em 1962. Desde 1954 colaborou como cronista no Correio da Manhã e, a partir do início de 1969, no Jornal do Brasil. Alvo de admiração irrestrita, tanto pela obra quanto pelo seu comportamento como escritor, Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17 de agosto de 1987, poucos dias após a morte de sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade.
Drummond foge da estrutura tradicional da linguagem literária quando inventa uma palavra composta "boitempo"para batizar seu poema memorialístico escrito em 1968 - um ano especialmente marcado por memórias trágicas, como as mortes de Martin Luther King, de Robert Kennedy, do estudante Edson Luis, dentre outras vozes de “insubordinação mental” que se manifestaram em todo mundo.  
Em Boitempo, o boi é a encarnação de um tempo perdido quando o tempo era o tempo do boi, da natureza. Materializa uma idade campestre que se perdeu, mas que continua viva na digestão lenta da linguagem poética. A roça é representada pelo boi, um animal calmo, que rumina indefinidamente os alimentos – simbolizando também a própria condição memorialística que não termina nunca de digerir suas recordações.
Boitempo também intitula o livro onde Drummond reúne poemas que tratam das recordações da infância, um momento em que o menino fez a passagem do mundo rural para o colégio interno.
Já dizia Drummond; “Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho ímpar". 
Cada um tem seu boi. Boitempo é o “boi” do poeta. E o seu? Como é o boi que habita em você?

NOTA:
1) Ver CowParade, postagem 50 deste blog, de agosto de 2011;
2) Agradecimento à Sonia Hirsch.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

73- A Arte do Boi Espermático - parte 2 de 3

Ate a década de 70, a manipulação genética na pecuária se resumia ao universo masculino. A partir dos anos 80,  iniciou-se a transferência de embriões das vacas escolhidas como geneticamente superiores para as chamadas "vacas de aluguel". No final dos anos 90, foi a vez da fertilização in vitro. Óvulos e espermatozóides passaram a se encontrar apenas em laboratórios e as vacas escolhidas passaram de dez para cem ou mais filhos.
A principal fonte de proteína animal do planeta ficou garantida, porém a pecuária bovina em escala industrial, devido ao processo digestivo de fermentação intestinal dos ruminantes, é reconhecida como uma importante fonte de emissão de gás metano - um potente gás de efeito estufa que contribui em 15% para o aquecimento global. As emissões globais de metano geradas a partir dos processos digestivos dos ruminantes são estimadas em 80 milhões de toneladas por ano, correspondendo a cerca de 22% das emissões totais de metano geradas pela ação do homem no meio ambiente.
A pecuária é uma das mais antigas profissões, mencionada na Bíblia, no Gênesis,  como a segunda tarefa dada por Deus a Adão: nomear e cuidar do Jardim do Éden e dos animais. Muito anterior à agricultura, derivou de aperfeiçoamentos da atividade dos caçadores-coletores, que já existiam há cerca de cem mil anos. Aprenderam a aprisionar os animais vivos para posterior abate e depois perceberam a possibilidade de administrar sua reprodução. Nos estágios iniciais da pecuária, o homem continuava nômade conduzindo os rebanhos em suas perambulações. Já não procurava mais a caça, mas sim novas pastagens para alimentar seu gado.
A primeira tarefa  dada por Deus a Adão: crescer e  multiplicar,  se aplicou não só à procriação humana na terra, mas também a dos bovinos, num processo que faz extrapolar e muito a seleção natural.
O touro tem servido de inspiração à criatividade humana nas artes, nas mitologias e agora também na tecnologia genética. Além de evocar a ideia do macho impetuoso, de irresistível força e arrebatamento o touro é símbolo ancestral da força criadora, cujo sêmen abundante fertiliza a terra.  É um símbolo lunar na medida em que se associa aos ritos de fecundidade e também solar pelo fogo de seu sangue e o brilho de seu sêmen .

(1) Fonte: Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos , Ed. José Olympio, 18º ed.

segunda-feira, 26 de março de 2012

72- A Arte do Boi Espermático - parte 1 de 3


Na pecuária atual o universo bovino se divide em dois grupos: de pista e de produção. O touro de pista pertence à aristocracia bovina. Ele foi escolhido no rebanho e tem por obrigação perpetuar sua herança genética, o que lhe valerá a alcunha de boi melhorador das futuras gerações, ou ainda, de boi espermático.

Recebe investimentos maciços na esperança de que se torne um campeão de beleza que  garantirá bons lucros com a venda do sêmen. Se um boi comum gasta 100 reais por mês, um animal de pista gasta acima de 10 vezes esse valor. Se o touro de pista guardar só para si suas qualidades não demorará virar carne.
Do outro lado da escala social bovina está o animal de produção que já nasce com destino certo: o abate perto dos três anos para terminar num espeto de churrascaria. Já a vida do touro de pista dura em media 13 anos e termina geralmente por morte natural, após uma vida muito pouco natural dedicada quase que exclusivamente à "arte" da produção de sêmen.

A primeira fase da excitação passa pelo tato e olfato em que o animal corteja as fêmeas no pasto. Quando o tratador percebe que o touro está em ponto de bala, encaminha-o ao lugar de coleta, onde o touro aguarda sua vez assistindo seus colegas copularem. É a segunda fase, a fase da excitação visual. Quando é levado até uma vaca qualquer, o touro monta e no momento de penetrá-la é interceptado por uma "vagina artificial"- um cano de PVC lubrificado, revestido por uma bolsa de água a 45ºC, em cuja extremidade oposta se insere um tubo de ensaio. O orgasmo sem coito é instantâneo. Apesar de centenas de milhares de filhos, o reprodutor morre virgem! Depois do clímax e de um pequeno descanso, reinicia-se a bateria de excitação para outra coleta. Após cerca de seis horas de trabalho o animal volta ao seu piquete.

 NOTAS:
1) Fonte:  "Fajardo, in memoriam, Vida e obra de um bovino espermático", de Roberto Kaz, revista Piauí de 8 de junho de 2009;
3) Agradecimento à Cecilia Bosisio.




quinta-feira, 15 de março de 2012

71- Boi e Individuação, uma curiosidade etimológica



O gado bovino era um padrão fundamental no regime de permutas. As primeiras moedas cunhadas traziam a efígie de um touro.
No período romano, a palavra “pecu”, que significava gado, dinheiro e rebanho, deu origem a vários outros termos latinos.
Em nossa língua gerou as palavras: peculiar, pecuária, pecúnia, peculato...
Em latim, peculiaris queria dizer “da própria pessoa, de sua propriedade privada”, inicialmente se referindo ao gado que ela possuía. No seu significado atual a palavra peculiar guarda o sentido do que é “único, próprio” aplicado à subjetividade.
Tornar-se peculiar e diferenciado como indivíduo é o eixo da Psicologia Analítica conforme seu autor C. G. Jung, que disse: “Individuação significa tornar-se um an-individual, na medida em que por individualidade entendemos nossa peculiaridade mais íntima, última e incomparável, o que implica que chegamos a ser o nosso próprio si-mesmo”.
Nesse sentido nosso “boi” mais íntimo, último e incomparável é o princípio e para onde evolui nosso caminho de transformações. É uma imagem do si-mesmo, referido por Jung como a origem da vida psíquica, outras vezes como sua realização, como o objetivo?  Poderia ser o centro da totalidade? E não somente o centro, mas também a circunferência total que abrange tanto o consciente como o inconsciente?
Homem-boi, homem-animal, duas faces de uma mesma moeda. A dualidade na unidade. Nesta dualidade, sendo nosso "boi" uma representação do si-mesmo, o lado “homem” então representaria o ego? O centro da parte consciente da mente?
Edward Edinger (1972) cunhou a expressão “eixo ego-self”, "eixo ego-si-mesmo".
A interação permanente entre o ego e self, se expressa na individualidade da vida de uma pessoa.

FONTES:
(1) F. Pires de Campos, Adriano, “Aspectos Gerais da Relação Homem-Touro”, artigo do livro “A Farra do Boi, do sacrifício do touro na antiguidade à farra do boi catarinense”, do Grupo de Estudos C. G. Jung, Coordenação Nise da Silveira;
(2) Jung, C. G., “Símbolos de Transformação” (CW – vol. 5).

terça-feira, 6 de março de 2012

70- O Boi, o Alpha & o Omega

 
Cristograma de Constantino (1)
Nossa escrita é alfabética, isto é, as letras representam sons.
Mas a escrita se originou e evoluiu a partir do desenho. 
Era o desenho que representava o objeto: o desenho de um peixe para dizer peixe, ou a representação de um pé significando andar, ir ou viagem. É a pictografia, sistema de escrita de natureza icônica. O significado deriva diretamente da figura que o representa, sendo, portanto um sistema figurativo.
Foi assim que o desenho da cabeça do boi foi usado de início para dizer boi, evoluindo daí para outros significados nas escritas ideográficas(2). Também gerou, nas escritas alfabéticas, a letra “aleph” do hebraico, o “alpha” do grego até nosso “a” do latim. De 3500AC pra cá o que era uma associação direta e simples foi se complexificando até suas origens caírem no esquecimento. 
Na Idade Média, quando foi criada a imprensa, em 1450, a escrita era para poucos escolhidos.  A idéia de que todos devem aprender a ler e escrever só foi difundida no século XIX.
A escrita do Egito antigo era hieroglífica (3), etimologicamente "escrita sagrada", só era acessível aos escribas. Por muito tempo essa escrita permaneceu misteriosa. Os hieróglifos só foram  decifrados no século XIX, pelo estudioso francês Jean-François Champollion.
O alfabeto hebraico também era só para os homens sábios, capazes de entender suas significações místico-religiosas. Eram atribuídos valores numéricos às letras do alfabeto. Assim, a primeira letra, “aleph” que representa a unidade é associada ao conceito de Deus, único e onipresente da cultura hebraica.
Já na cultura grega a idéia do “aleph” se subdividiu no “alpha e omega”. A letra “alpha” que é a primeira do alfabeto grego, é também o primeiro número da primeira enéade, o número 1. O “omega”, a última letra, é o oitavo número da terceira enéade, o número 800, o maior. Do “alpha ao omega” queria dizer do menor ao maior.
Na cultura cristã  Jesus Cristo é frequentemente referido como “O Alfa e o Omega”( foto), simbolizando a eternidade de Cristo, que está no começo de tudo (4) e que tudo acompanha até ao fim do mundo (5). O jesuíta Pierre Teilhard de Chardin tomou esta metáfora na sua apresentação do “omega” como final da evolução humana, associado ao “alpha”  da criação.
Jesus Cristo muitas vezes é também associado ao boi, indicando que mesmo o Filho de Deus integra sua natureza animal a sua natureza espiritual (6), “o alpha e o omega”.
A associação mais comum relacionada ao “alpha e  omega” é  de “princípio e fim”. Note-se que a expressão atual de A a Z significa totalidade. A cabeça do boi é o princípio. "Eu sou o Alpha e o omega, o princípio e o fim, diz o Senhor Deus, que é, que era e que há de vir a ser o Todo-Poderoso."(5)

NOTAS:
(1)O Cristograma, também chamado de Lábaro (labarum), é um monograma de Jesus Cristo, do qual existem diversas formas. É formado a partir das letras gregas "chi"(X) e "ro"(P), iniciais da palavra Cristo em grego, à esquerda está o "alpha" e à direita o "omega". O imperador romano Constantino I, no poder entre 306 e 337 d.C., usou este símbolo como novo padrão militar para ser exibido pelo seu exército. O imperador teria tido um sonho com este emblema, e com uma voz que lhe disse: "In hoc signo vinces", com esta sinal vencerás;
(2) Ver postagem 68, “O Boi & o Alpha, de fevereiro de 2012, deste blog;
(3) Do grego hieros é sagrado; eglyphein é gravar, escrever;
(4) Ref.: primeiro capítulo do Evangelho segundo São João;
(5) Ref.: livro do Apocalipse segundo São João 1,8; 21,6; 22,13;
(6) Ver postagem 11, “A Farra do Boi e o Inconsciente Coletivo - parte 1 de 2”, de dezembro de 2010, deste blog.
(7) Fonte: Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos , Ed. José Olympio, 18º ed.