quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

123- O Pastoreio do Touro e as Etapas do Zen (2/3)


DOMESTICANDO O TOURO

(Continuação da Postagem 121)
Com o nascimento de um pensamento, outro e outro mais nascem também. A iluminação traz à realização, pois estes pensamentos são irreais, já que não surgem de nossa verdadeira natureza. Somente porque a ilusão permanece, são os pensamentos tidos como reais. Este estado de ilusão não se origina no mundo objetivo, mas em nossas próprias mentes.
“Ele deve segurar o touro com força pela corda do nariz
e não permitir que vague sem cuidado.
Ele se torna limpo e claro. Sem cabrestos,
segue o dono por sua própria vontade.”






INDO PARA CASA MONTADO NO TOURO
A luta acabou, “ganho e perda” não mais afetam. Ele murmura canções rústicas dos montanheses e toca as cantigas simples da meninada da aldeia. Montado no lombo do touro, olha serenamente as nuvens que passam. Sua cabeça não se vira (na direção das tentações). Tente-se, como quiser, aborrecê-lo, e ele permanece imperturbável. “Usando um grande chapéu de palha e capa,
montado e tão livre quanto o ar,
ele alegremente vem para a casa através das neblinas do entardecer.
Aonde quer que vá, cria a brisa fresca,
enquanto que no coração prevalece a profunda tranqüilidade.
 O touro não requer nem um talo de capim.”




No dharma não há duas coisas. O touro e sua natureza original. Isso ele reconhece agora. A armadilha não é mais necessária quando o coelho foi capturado, a rede se torna inútil quando o peixe foi apanhado. Como o ouro separado da escória, como a Lua que apareceu entre as nuvens, um raio de luz brilha eternamente. “Somente com o touro ele pode chegar a casa
mas agora o touro desapareceu e só e sereno senta o homem.
O sol vermelho passa alto no céu enquanto ele sonha placidamente.
Lá embaixo do telhado de sapé jazem, sem uso, chicote e corda.”




(Continua na postagem 124)

NOTAS:
1) Fonte ZEN-BUDISMO, Planeta especial,  188-A.
2) Agradecimento à indicação da amiga Claudia Leal.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

122- Boi Arnaldo Antunes (Matadouro-Boi - 3/3)



Inspirado como um boi no pasto
Inspirado bem alimentado e casto
Inspirado como um boi sem saco
Pacato, capado sem pecado

Como um boi mascando seu amido
Tudo lindo e semi-adormecido
Som macio e gosto colorido
E o vazio lotado de infinito

Inspirado e gordo como gado
Carne fresca recheando o couro
Com um olho para cada lado

Inspirado como nenhum touro
Inspirado como um boi pesado
Esperando amor no matadouro 
(Inspirado,  de Arnaldo Antunes  e Edvaldo Santana

Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho nasceu em São Paulo capital, em 1960. Cursou sem concluir a Faculdade de Letras da USP. Faz música, poesia e performances  desde 1980, de inicio como  integrante da banda Performática. Logo em seguida, foi líder de uma das mais famosas bandas brasileiras de rock: os Titãs, o que reforçou sua imagem na mídia como pop star. Disse ele: "sou um pouco tímido...desde sempre, talvez. Mas acho que trabalhar com música foi uma grande arma contra a timidez... Quando estou no palco, não represento papel algum. Sinto integralmente eu, só que é um eu que tem um sentimento catártico, baixa um santo que sou eu mesmo... Me alimenta muito fazer show."
Letrista e poeta, Antunes publicou varias antologias. É considerado  um dos autores mais talentosos  do movimento de poesia concreta.  Mas, segundo ele: "as coisas, vistas dessa maneira, ficam reduzidas. Tenho afinidade e admiração pelos poetas concretos e sou influenciado por suas obras. Também tenho influência de outras áreas, como por exemplo, da tradição de letras de músicas da MPB, da cultura pop, do rock and roll e de outras áreas da literatura. Acaba sendo engraçado, pois, não tenho nenhuma pretensão de equiparar minha poesia com a dos poetas concretos. O trabalho deles é mais  sofisticado..."
A partir de  1992, expande sua forma de expressão,  incorporando à poesia recursos da computação gráfica e vídeo. Lançou seu primeiro álbum-solo Nome (1993), acompanhado de um vídeo e um livro, compondo um projeto multimídia com poesia, música e animação em computador. A partir de então,  esses diálogos entre diferentes linguagens começaram a ser a cada vez mais constantes em sua obra.
Multimídia , multifacetado, inspiração foi o que nunca faltou a Arnaldo Antunes.  Seu olhar é  instigante, transgressor de lugares comuns. E  lugar comum é o que não falta, até pra hora da morte. Em Inspirado, Arnaldo é o boi no matadouro esperando o amor.
"Eu trabalho com criação , desejo experimentar, questionar o gosto comum, ampliar e, de alguma forma, alterar a sensibilidade das pessoas. Porque só trabalhar no terreno da redundância não tem graça."

Notas:
1) Aqui neste blog, outros artistas que se inspiraram no tema Boi-Matadouro: Cora Coralina (postagem 119) e Ronald Duarte (postagem 120);
2) Referencias:
ANTUNES, Arnaldo. Nome. São Paulo: s.n., 1993. 108 p., il. color;
Estado de S. Paulo – Zap!, Julio Cesar Caldeira, Renata De Grande e Ludmila V, 1999;
3) https://www.youtube.com/watch?v=kAN7rC4DgDM
4) Agradecimento especial à Sonia Hirsch pela inspiração.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

121- O Pastoreio do Touro e as Etapas do Zen (1/3)


Nos dez quadros do pastoreio do touro, o mestre zen Kaku-as Shi-em na dinastia Sung, ilustrou as etapas do Zen. Ali está o homem, dividido em personalidade e espírito, esquecido da pureza original, lutando contra tudo, incapaz de distinguir entre a falsidade e a verdade. Mas, ao prestar atenção àquilo que o rodeia, percebe, através dos sentidos, a verdadeira natureza das coisas, eliminando toda noção de ganho e perda, de claro e escuro. Enfim, a dualidade desaparece quando se recupera a natureza original.




 
PROCURANDO O TOURO   
O touro, na realidade, nunca foi perdido. Então, por que procurá-lo? Tendo dado as costas à sua verdadeira natureza, o homem não pode vê-lo. Por causa de suas ilusões, ele perdeu o touro de vista. Repentinamente, se acha confrontado por um labirinto de encruzilhadas. Desejos de ganhos e medos de perdas sobem como chamas; idéias de certo e errado aparecem como punhais.
“Desolado através da floresta, com medo, nas selvas, ele procura o touro e não encontra.
Para lá e para cá, grandes rios sem nome;
nas profundezas dos ermos das montanhas ele segue muitas veredas.
 Cansado de coração e corpo, continua sua busca por aquilo que não pode ainda encontrar.
 De tardinha, ouve as cigarras cantando nas árvores.”



ENCONTRANDO A PISTA
Através dos sutras e ensinamentos, ele vislumbra as pegadas do touro. Foi informado que, assim como diferentes vasos (de ouro) são todos basicamente do mesmo ouro, assim também cada coisa é uma manifestação do próprio ser. Mas ainda é incapaz de distinguir o bem do mal, a verdade da falsidade. Não entrou ainda pelo portão, mas vê, numa tentativa, a pista do touro.
“Inumeráveis pegadas ele viu na floresta e nas margens das águas.
Não é aquilo que ele vê adiante, mato amassado?
 Mesmo nas mais profundas grotas ou nos mais altos picos,
 não pode ser escondido o nariz do touro que alcança para os céus nas alturas.”






PRIMEIRO VISLUMBRE DO TOURO



Se ele somente escutar os sons de cada pegada, virá à realização e, naquele instante, verá a própria origem. Os seis sentidos não são diferentes desta verdadeira origem. Em todas as atividades a origem está manifestadamente presente. E análoga ao sal na água, à liga na tinta. Quando a visão interna está corretamente focada, realiza-se, que o que é visto é idêntico á origem.
“Canta o rouxinol num galho
o sol brilha nos salgueiros que ondulam;
ali está o touro, onde poderia esconder-se?
A esplêndida cabeça, os majestosos chifres,
 que artista pode retratá-lo?”





SEGURANDO O TOURO





Hoje ele encontrou o touro que estava vadiando pelos campos selvagens. E verdadeiramente o pegou. Por tanto tempo se comprazeu nestes arredores que quebrar seus velhos hábitos não é fácil. Continua querendo o capim cheiroso, está ainda indócil e teimoso. Para domesticá-lo, completamente, o homem deve usar o chicote. “Ele deve segurar firmemente a corda e não soltar
a agora ele corre para as terras altas
 agora demora-se nas ravinas enevoadas.”






(Continua na postagem 123)

NOTAS:
1) Fonte ZEN-BUDISMO, Planeta especial,  188-A.
2) Agradecimento à indicação da amiga Claudia Leal.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

120- O Fetichismo (1) da Carne do Boi na Ação Urbana de Ronald Duarte (Matadouro - Boi - 2/3)

No Arpoador
Ronald Duarte (2) nasceu em Barra Mansa, 1962.  Mestre em Linguagens Visuais vem nos últimos anos realizando Ações Visuais Urbanas usando a linguagem da Arte Contemporânea.
Trabalha especificamente com a urgência urbana, isto é,  com aquilo que precisa ser feito, dito, exposto, visualizado no aqui-agora. Este ano, Ronald Duarte trouxe às ruas cariocas Matadouro Boiada de Ouro, apresentada anteriormente em Berlim.  



Na Cinelandia


Esta Ação acontece com dezenas de pessoas vestidas com cabeças de boi douradas e andando como se estivessem indo para o abate. A proposta critica a fetichização (2) da carne, que hoje tem até grief como, por exemplo, o Friboi. A utilidade da mercadoria carne do boi deu lugar a um valor simbólico. Não é  comprada pelo seu valor real, mas sim por um valor transcendente que é atribuído a ela.


“O boi é manso, subserviente, mas sua carne é esquartejada e vendida como artigo de luxo. O mesmo acontece com o artista e seu trabalho”, diz Ronald.

Veja aqui neste blog, outros artistas que também se inspiraram no tema Matadouro - Boi:  Cora Coralina, na postagem 119, em "O Erotismo na Obra de Cora Coralina" e Arnaldo Antunes, na postagem 122, em "Boi Arnaldo Antunes", de 2014.

E sobre a relação Fetichismo - Boi, veja mais nas postagens 85 "O Bezerro de Ouro Contemporaneo" e 86 "O Bezerro de Ouro Bíblico", de 2012.

NOTAS:
1) O fetiche (do francês fétiche, que por sua vez é um empréstimo do português feitiço  cuja origem é o latim   facticius "artificial, fictício") é um objeto material ao qual se atribuem poderes mágicos ou sobrenaturais, positivos ou negativos. Também foi usado por Freud no campo da psicopatologia. Mas no caso da Ação Urbana de Ronald Duarte, o fetichismo da carne do boi relaciona-se ao significado conferido ao fenômeno por Karl Marx (1818 – 1883) em seus estudos sobre o mundo do trabalho na modernidade, quando observou a atribuição de valor simbólico dada aos produtos (manufaturas). Em sua obra máxima O Capital, relata que a mercadoria quando finalizada, não mantinha o seu valor real de venda, determinado pela quantidade de trabalho materializado no artigo.  Mostrou haver uma valoração de venda irreal e infundada, como se não fosse fruto do trabalho humano e nem pudesse ser mensurado. Quis denunciar com isto é que a mercadoria parecia perder sua relação com o trabalho e ganhava vida própria. Denomina este fenômeno como sendo um "fetiche da mercadoria" baseado na história do personagem bíblico Moisés, que após vagar quarenta anos com o povo escolhido por Deus (Judeus) atrás da terra prometida se depara com a crescente descrença dos seus seguidores, que já estavam cansados de se deslocar por vários lugares. Moisés, deixa o seu povo em uma terra fértil e se retira temporariamente para meditar e procurar algum sinal que indique a localização da terra prometida. Sobe ao monte Sinai e fica por muito tempo meditando até que os céus se abrem e deles surgem o sinal tão esperado pelo povo Judeu, as tabuas da salvação, onde estavam contidos os Dez Mandamentos. Moises desce o monte Sinai e vai de encontro ao seu povo para lhes contar e mostrar a boa nova. Ao chegar se depara com novas lideranças que haviam juntado todo o ouro e jóias que carregavam consigo e que fundiram  para fazer uma imagem de um novo Deus, que segundo a Bíblia seria a imagem de um bezerro, objeto de adoração e glorificação pelo povo. O nome atribuído a esta imagem era "Fetiche".
Marx se utilizou desta parábola bíblica e principalmente do nome atribuído à imagem citada para exemplificar na modernidade como o homem estava tratando as mercadorias de consumo, que com o tempo deixaram de ser um produto estritamente humano para tornarem-se objeto de adoração. 

2) Algumas outras  Ações de Ronald Duarte:

Em 2001, num dialogo com a violência urbana, lava  ruas de Santa Teresa com Água Vermelha ,  cor de Sangue. Em 2002, Fogo Cruzado, continuando com esse diálogo, ateia fogo em 1.500 metros de trilho do  Bonde de Santa Teresa; em 2003, fazendo parte ainda dessa série, realiza  A Sangue Frio, onde espalha pela cidade pedras de gelo com corante vermelho embaladas em cobertores como aqueles usados ​​por meninos de rua. As pedras de gelo com corante simulavam uma criança ferida e deitada nas calçadas do Centro do Rio de Janeiro; em 2004 Realiza: Nimbo/ Oxalá: com 20 extintores de incêndio e vinte artistas, todos de branco, acionando extintores formando uma gigantesca nuvem, próximo de um cogumelo atômico, envolvendo o os artistas e  que desaparece, se misturando ao céu; em 2005, em Paris produziu Fumacê do Descarrego uma chaminé de cata-ventos de fumigação com alecrim, benjoim e lavanda. Naquele mesmo ano, cria Caminhar sobre ovos, um rito gigantesco com 3.200 ovos; 28 atores locais andando sobre ovos na Esplanada dos Ministérios, em Brasília; em 2006, nas ruas de Santa Teresa criou Treme Terra, com Aderbal de Ashogum, construindo esculturas sonoras com 50 atabaques; em 2007, fez uma interferência dentro do Palácio Imperial de Petrópolis, especificamente na sala de música da princesa Isabel, com o Funk da Coroa, onde usou cartazes gigantes nas portas da sala para transformar a paisagem do lado de fora no Morro da Coroa (favela do Rio), ao mesmo tempo, usando música de fundo  o Funk Proibidão.


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

119- O Erotismo na Obra de Cora Coralina (Matadouro - Boi - 1/3)

   

"E as boiadas vêm descendo do sertão!
Safra, entressafra...
Mato Grosso. Minas. Goiás.
Caminhos recruzados. Pousos espalhados.
Estradas boiadeiras. Aguada...
Pastos e gerais.
Cerrados. Cerradões...
Compáscuos...
Cercados. Aramados.
Corredores.
Nhecolândia. Pantanal.
Cochim.
Campos de Vacaria. Dourados. Maracaju.
Rio Verde.
Santana do Paranaíba. Serras do Amambaí.
Criatório...
Boiadeiros. Fazendeiros.
Comissários. Criadores.
Invernistas. Recria.
Trem de gado ronceiro...
jogando, gingando
nos cilindros, nos pistões, nas bielas e nos truques.
Rangendo, chocalhando,
estrondando nas ferragens.
Resfôlego de vapor.
Locomotiva crepitando, fagulhando,
apitando, sinalando, esguichando, refervendo.
Chiados, rangidos, golfadas, atritos, apitos.
Bandeira vermelha que se agita.
Bandeira verde da partida.
E o resfolegar do trem que vem, do trem que vai...
Trem de gado engaiolado, parado
na plataforma, na esplanada.
Gente que passa - para.
Corre os olhos. Conta as gaiolas. Avalia. Sopesa.
Soma. Dá o cômputo.
Espia. Mexe. Recua.
Procura agitar os bois famintos, sedentos.
Cansados, enfarados, pressionados.
Ribombos no tabuado.
Ameaçar inútil.
Coice. Chifres entrechocantes.
Traseiros esbarrondando.


Grades lameadas. Gaiolas estercadas, respingantes.

... e o boi que se deita exausto...
Exaustos, esfomeados, sedentos, engaiolados,
cansados.

Estradas de ferro ronceiras.
Longas viagens demoradas,
rotineiras.
Composição parada nos desvios - tempo
aguardando horário, partida, sinal...
Bandeira verde, apito...

Eu vi
o boi deitado, exausto.
Pisado. Mijado. Sujo. Escoiceado.
Quartos encolhidos. Juntas dobradas. Cabo inerte.
Olhar vidrado.
Vencido.

Encosta na paleta a cabeçorra enorme.
Começa a morrer.
Morre devagar... dias, noites...
Arrancos inúteis.
Mugido parco. Lúgubre...
Estrebuchar de agonia.

Emporcalhado - estira os quartos.
Alonga o pescoço. Encomprida o cabo.
Língua de fora, de lado.
Olhos abertos. Vidrados.
Morre o boi.
Olhos aberto, vidrados
vendo - o pasto verde,
o barreiro salitrado, a aguada fria, cantante,
distante...

Eu vi
a alma do boi pastando, lambendo, bebendo,
nas invernadas do Céu.
Eu vi - de verdade -
a alma do boi - boizinho pequenino,
entrando, deitando alegrinho
na lapinha de Belém.

Pouso de Boiadas
Poso di boiada tá
marcado nessa taba
di portera
(Publicidade Sertaneja)

Pouso de boiadas...
- a espaço.
Nas dobras,
nas voltas,
no retorcido das estradas.

Pouso das boiadas,
à s’tância
das marchas calculadas.
Porteira a cadeado.
Xiringa de contagem.
O gado cansado
recanteado, esmorecido,
espera.
Um mar de rebuliços misturados,
de ancas, de patas, de dorsos e de chifres,
vai entrando engarrafado
na xiringa da contagem.

“... aperta não.” 
“Segura...” “Froxa...”
“Dez, vinte, trinta, cinquenta,
Cem. Duzentos e cinquenta,
trezentos, quatrocentos,
Quinhentos...”

“Cerra...” “Abre...” “Mili...”
“Miiili duzentos e dezoito”
- marcados em golpes de cinquenta
num talo de capim.
No espigão, o rancho.
O ponteiro adiante,
se apeia, desarreia.
Estira o corpo.
Pendura no gancho
o berrante.

Pensa em nada, besteira.
Mira a boiada
que vai entrando,
abocando o pasto rapado do cercado.

A boiada se alarga
rumo da aguada.
“- Aguada boa é o que vale.”
Marcha, marcha batida,
calculada
pela s’tância dos pousos espalhados.

A culatra vem vindo devagar.
Duas marchas para trás.
Bois estropiados, feridos, machucados,
remancando, passo a passo.
Boi meio morto,
querendo só deitar,
se acabar de uma vez
pelo caminho.
Arrenegado,
levanta o boi, xinga nome,
se dana - o culatreiro.

O rancho.
O fogo.
A trempe.
O caldeirão.
O cozinheiro.

Redes estendidas,
amarradas no esteado.
Tropa. Burrama derramada.
Antes, depois de arraçoada
se espojam no terreiro.
Sacodem pelos - manifestos.
Bufam. Relincham.
Procuram uns morder os outros.
Escoiceiam.

A boiada se espalha
Beiradeando a cerca.
“- Manelão, dá reparo
no cercado;
vigia se tem passage
por onde boi escapa”
- manda o comissário.

Janta. Café. Golada...
Descanso nas redes,
nos pelegos, pelo chão.
Morre o fogo do cozinheiro.
Conversa à-toa,
rede a rede.
Lume de cigarro.
Faísca de isqueiro.
Longe, retardado,
buzina um caminhão.

A boiada, cansada,
esmorecida,
deitada,
rumina, remastiga.
Troca os bolos,
num sobe-desce
intervalado.

Conversa sem sentido.
Os homens estirados
nas redes e nos forros,
assuntam de mulheres...
- Fêmea. Erotismo de macho.
Palavreado obsceno.
Cheiro de terra.
Cheiro da noite.
Cheiro de boi.

Manelão canta sozinho.
Manelão canta baixinho.
Moda de mulher.
... Dola... Xandrina...
... o chamado obscuro, sexual.

Pontual,
o comissário tira um caderninho.
Faz contas, concentrado.
Acerta o pouso.
Nhecolândia... Andradina...
70 marchas...
O culatreiro...
22 na culatra.
10 na arribada do quebraçal...
Esmorece a luz do candeeiro.
O presente se adensa na distância sonolenta.
A boiada saindo a custo do monchão. Berrando...
Berra triste, boi do pantanal.
O vaqueiro, no cavalo pantaneiro,
lida o boi pelos temerários caminhos d’água.
Encostado na garupa do boi,
enganchado no quarto do boi,
vai chamando no seu jeito.
Vai levando no seu jeito.
Vai tirando no seu jeito
dos corrichos, do banhado.
- Vaqueiro do pantanal - macho igualado.

Boiada recebida, recontada,
no seco, na planura, na largada.
Bem longe do monchão.
Boi pantaneiro de casco mole,
querendo sempre voltar,
à querência.
Urrando. Enchendo o sertão, a solidão
de berros comoventes, diferentes.
Quebrando. Sangrando.
Endurecendo o casco mole
no cascalho das estradas.

Na passagem do carandazal,
a boiada parada,
deitada,
muge, nhaca, baba, lambe os cascos
- pegou febre.

Pantanal...
Fundão de Mato Grosso.
Andradina: porta de São Paulo.

Boi pantaneiro, miúdo, desmerecido.
Pequeno, suberbio, crioulo legitimado.
Não aceita mestiçagem
nem cruza com zebu,
nelore ou guzerá.
Recobra. Ganha peso.
Demuda nos bons pastos.

Dois mil e quinhentos bois consignados.
Dois golpes pegando estrada.
Mil duzentos e cinquenta cada um.
Papelada...
Imposto. Taxas ad-valorem...
Barreiras... coletorias... Maçada.
22 na culatra,
10 na arribada - entre vivos e mortos.

O grosso vai ali,
rumo das invernadas,
frigoríficos, charqueadas.

Cheiro de terra.
Cheiro da noite.
Cheiro de boi.
Manelão canta em surdina,
Manelão canta baixinho,
Manelão canta sozinho
toada de mulher.
Dola... Xandrina...
O rude chamado sexual.
A saga bárbara dos boiadeiros."  

 

Cora Coralina traz, numa linguagem poética, o cotidiano do sertão. Vários de seus poemas demonstram que o tema erotismo (1) envolve toda e qualquer situação. Em "Evém boiada" (2) a poeta mostra que a natureza do animal é reproduzir, cobrir vacas, exercer seu papel de macho, mas também  explicita a dor da castração e da impossibilidade do não cumprimento natural da vida sexual.

Morte e vida em "Trem de Gado".  Cora nos revela aos sentidos, em cheiros , sons e imagens, a manifestação do erotismo natural, "o rude chamado sexual, na saga bárbara dos boiadeiros", inspirada pela  boiada a caminho do matadouro.

C. G. Jung usou o termo Eros para conceituar o aspecto básico da psicologia feminina, enquanto Logos é o principal atributo relacionado ao masculino. O conceito  Eros se expressa como uma ligação psíquica, e  Logos com o interesse objetivo. Cora Coralina compartilha, talvez inconscientemente, desta ideia, uma vez que sua escrita erótica faz sobressair intensamente o valor do feminino. Aceita Eros como elemento natural da vida, extrapolando limites patriarcais de uma sociedade falocrática.


NOTAS

1) Erotismo - conjunto de expressões culturais e artísticas humanas referentes ao sexo. A palavra provém do latim 'eroticus' e este do grego 'erotikós', refere-se ao amor sensual e à poesia de amor. A palavra grega deriva-se do nome de Eros, o deus grego do amor, Cupido para os romanos, que com suas flechas unia corações. Simboliza, dentre vários significados amor, paixão, desejo intenso. Simbologicamente podemos definir o erótico como a atração para o perfeito, o integral. A junção harmoniosa entre masculino/feminino e a natureza/Deus.
2) Ver neste blog, postagem 76 "Boicheiro, o boi de Cora Coralina", de maio de 2012.
3) Fontes:
http://unb.revistaintercambio.net.br/24h/pessoa/temp/anexo/1/255/209.pdf 
Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais. Global Editora. 21a Ed. 2003
4) Agradeço a indicação do texto à querida amiga, Ana Cretton, escritora, contadora de histórias e admiradora de Cora Coralina, assim como eu.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

118- O Iaque (parte 2/2) - Drongs e Dzos

Um Drong, iaque selvagem
(Continuação da postagem 117)

Thubten Jugme Norbu, irmão mais velho de Tenzin Gyatso, o 14o Dalai Lama, conta sobre sua viagem a Kumbum (3), em 1950:

“Por muito fiquei a ver os vastos rebanhos de drongs com meus próprios olhos. A vista daquelas bestas belas e poderosas que desde tempos imemoriais fizeram a sua casa no planalto estéril do Tibete nunca deixou de fascinar-me. De qualquer maneira, essas criações tímidas conseguem sustentar-se nas raízes de grama raquíticas, que é tudo o que a natureza fornece naquelas partes. E que maravilhosa vista é ver um grande rebanho deles mergulhando cabeça abaixo em um galope selvagem através das estepes. A terra treme embaixo de seus saltos e uma nuvem vasta do pó marcam a sua passagem. À noite, eles vão se proteger do frio se misturando em cima um do outro em conjunto, com os bezerros no centro. Eles ficarão assim em uma nevasca, pressionados firmemente juntos uns nos outros até que a condensação da sua respiração aumente no ar como uma coluna de vapor. Os nômades tentaram ocasionalmente criar drongs jovens como animais domésticos, mas eles nunca tiveram sucesso inteiramente. De qualquer maneira, uma vez que eles vivam em conjunto com seres humanos, eles parecem perder a sua força assombrosa e poderes da paciência; e eles não são de nenhum uso em absoluto como animais de carga, porque o seu dorso imediatamente fica dolorido. A sua relação imemorial com seres humanos tem permanecido principalmente como de caça e caçador, já que a sua carne é muito saborosa."



A vida quer viver... A fisiologia dos iaques é bem adaptada à grande altitude, tendo pulmões e coração maiores do que o gado encontrado em altitude mais baixa, e também maior capacidade para transportar o oxigênio através do seu sangue.
Os iaques comem gramas, líquens e outras plantas. São protegidos do frio intenso por uma camada de pelo denso, fechado e entrelaçado embaixo do seu pelo exterior desgrenhado. Secretam no seu suor uma substância pegajosa especial, que ajuda a manter ainda mais o isolamento térmico. Esta secreção é usada na medicina tibetana/nepalesa tradicional. 
Apesar de tão bem adaptados aquele habitat, a presença humana faz dos iaques selvagens hoje em dia  uma espécie vulnerável.
Seu corpo é uma expressão de generosidade... Os iaques domesticados fornecem  leite, fibra e carne, e também são usados como animal de carga. Transportam mercadorias através das passagens das montanhas para agricultores locais e comerciantes, bem como para expedições de caminhada e escalada. Também são usados no arado. O esterco de iaque é queimado como combustível e até usado misturado a ervas aromáticas na fabricação de incensos. O leite muitas vezes é processado para fazer um queijo, chamado churpi nas línguas tibetana e nepalesa, e byaslag na Mongólia. A manteiga feita do leite  é um ingrediente usado como chá. É também usada em lamparinas e para fazer esculturas usadas em festividades religiosas.
Na sua maioria, os animais de carga são, na verdade, híbridos de iaque e Bos Taurus, gado bovino comum. Esses são conhecidos no idioma tibetano como dzos.

FONTES:

1.Wiener, Gerald, Han Jianlin, and Long Ruijun. " The Yak in Relation to Its Environment", Bangkok: Regional
                Office for Asia and the Pacific Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2003; 
2. Tibet is My Country: Autobiography of Thubten Jigme Norbu, Brother of the Dalai Lama as told to Heinrich Harrer, 1960. Wisdom Publications, London;
3. Antes de 1958, Kumbum tinha 3.600 monges. Atualmente, existem 400. O mosteiro foi afetado pela política da Revolução Popular Chinesa, a partir do final dos anos 1950. Kumbum ainda é hoje um  grande centro de peregrinação para os fiéis e estudiosos, visitado por milhares de pessoas por ano. O atual Arjia Rinpoche, posição dada ao abade local, desertou para os Estados Unidos em 1998.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

117- O Iaque (parte 1/2) - Sobre o Karma de Matar Animais

Lama Palzang e um iaque


Assim como na Índia onde a vaca é um animal sagrado(2), para os budistas do Tibete o iaque, o “parente do boi que vive por lá , é também sagrado. Embora os budistas preservem esse sentimento pelos iaques, é uma tradição difícil de ser mantida, pois não é respeitada pelos chineses que invadiram e dominaram aquele país.
No budismo todos os animais são considerados, assim como os seres humanos, seres sencientes, que buscam a felicidade e evitam o sofrimento. Por isso não devem ser mortos ou maltratados.  
Lama Zopa Rinpoche(2)  defende a compaixão que se deve ter pelos animais  e fala a seguir sobre o karma de matar animais:
"Os animais têm sentimentos. Assim como nós, eles também querem a felicidade. Se alguém bate ou joga água fria em nossos  corpos de repente, vamos sentir um choque e reagir assustados. É o mesmo com os animais.
Os animais não podem falar,  mostram o seu medo através de seu corpo, quando por exemplo tentam fugir.  Os seres humanos podem falar e reclamar, podem processar judicialmente, podem relatar o que aconteceu para a polícia... Os seres humanos podem fazer muito, mas os animais não podem - não podem fazer nada.
Os seres humanos podem falar sobre seus medos. Outras pessoas podem aceitar seu sofrimento ou não, mas pelo menos você pode explicá-lo e a outra pessoa pode ouvir. Os animais não podem, mas você pode ver como eles se sentem se observar seus movimentos. Se alguém tenta atacar, eles fogem. Eles estão com medo, o que significa que eles querem felicidade e não o sofrimento. Este é um ponto muito importante, que eles têm em comum conosco. Se você matá-los, você cria um karma negativo. Por cem mil vidas, você terá o karma de nascer como um animal. Por muitos milhares de vidas, você vai sofrer as consequências disso. Os ensinamentos dizem que se você matar um animal, você será morto quinhentas vezes por outras pessoas. Você vai sofrer no reino do inferno muito quente por mil eras. Também é bom se perguntar como poderia ter se sentido alguém que você matasse com uma faca.  Se você colocar o dedo na água quente, você pode suportar isso? É a mesma coisa quando se matam animais. Não há dúvida sobre isso."

 NOTAS:
1)Lama Palzang trabalha no Ocidente juntamente com Tarthang Tulku Rinpoche pela preservação das tradições do budismo tibetano;
2) Veja postagem a 59  deste blog: "Mahatma Gandhi e a Vaca"; 
3) "Advice Online Book do Lama Zopa Rinpoche" no site do Lama Yeshe Wisdom Archive.



sábado, 14 de junho de 2014

116- As Vacas Pop de Andy Warhol



"Cow Wallpaper", Papel-de-Parede da Vaca (1)
A vaca foi  usada pelo artista plástico americano Andy Warhol(1928-1987) como tema para  o primeiro de uma série de desenhos transformados em papel-de-parede, que ele criou a partir da década de 1960 até a década de 1980. 
De acordo com Warhol, a inspiração para o tema da vaca resultou de uma sugestão feita pelo negociante de arte Ivan Karp, que disse a ele: "Por que você não pinta algumas vacas? A imagem da vaca  está presente desde sempre na história das artes. Elas são tão maravilhosamente pastorais…”
Warhol conta que Karp pareceu ter ficado chocado quando viu as enormes cabeças de vaca desenhadas por ele sendo levadas para se transformarem em rolos de papel. Elas foram pintadas numa cor rosa brilhante sobre um fundo amarelo brilhante. Eram vacas pop, bem distantes daquelas vaquinhas pastorais, imaginadas tradicionalmente.
Mas, passado o primeiro impacto, Karp explodiu: "Elas são super-pastorais! São ridículas! Elas são incrivelmente brilhantes e vulgares".
Karp passou a amar aquelas vacas e na mostra seguinte de Warhol, eles cobriram todas as paredes da galeria com as cabeças das vacas pop. 
Alguns dos trabalhos de Warhol, como esse da vaca, foram descritos como sendo "keatonescos". O adjetivo keatonesco faz alusão ao ator cômico americano, cineasta, produtor e escritor, Joseph Frank "Buster" Keaton (1895 -1966). Conhecido por seus filmes mudos, sua marca foi a comédia física. Usava sempre uma expressão impassível como a da vaca pop de Warhol, que lhe valeu o apelido de "O Grande Cara de Pedra."
Como muitos outros artistas da Pop art (2), Andy Warhol criou obras em cima de mitos como Mao Tse Tung. Retratou muitos ícones da música popular e do cinema, como Michael Jackson, Elvis Presley, Elizabeth Taylor, Brigitte Bardot, Marlon Brando e, a sua favorita, Marilyn Monroe. Warhol mostrava personalidades públicas como figuras impessoais e vazias de sentimento, tais como bens de consumo.  Associava essa ideia à técnica com que reproduzia estes retratos, numa produção mecânica ao invés do trabalho manual. Da mesma forma,  representou a impessoalidade do objeto produzido em massa, como as garrafas de Coca-cola e as latas de sopa Campbell. 

E a vaca retratada por Warhol? Como se encaixa? Na categoria de mito?  Ou na de bem de consumo? Segundo C. G. Jung "A fome transforma os alimentos em deuses...", vista assim, podemos dizer que a vaca se encaixa nas duas categorias.

NOTAS:
1) Em 1963, na galeria Gertrude Stein, Yayoi Kusama usou na instalação de seu trabalho: "Aggregation: One Thousand Boats Show", um barco a remo cheio de esculturas fálicas, um quarto forrado com 999 reproduções fotográficas em preto-e-branco dessas esculturas.  Esta peça Pop surreal foi influente no caminho que levou a arte fora do quadro e invadiu uma sala inteira. Três anos depois, em 1966, Andy Warhol "imitou" seu tratamento de paredes com o seu "Cow Wallpaper". Sobre Warhol, Kusama disse: "Éramos como líderes de gangues rivais, inimigos no mesmo barco." 
(fonte: http://www.economist.com/node/21545982)

2) A Pop Art, abreviatura de Arte Popular, foi um dos movimentos artísticos que se desenvolveu a partir da década de 1950, na Inglaterra e nos Estados Unidos, em reação ao movimento do expressionismo abstrato das décadas de 40 e 50. Os artistas deste movimento buscaram inspiração na cultura de massas para criar suas obras de arte, aproximando-se e, ao mesmo tempo, criticando de forma irônica a vida cotidiana materialista e consumista. Latas de refrigerante, embalagens de alimentos, histórias em quadrinhos, bandeiras, panfletos de propagandas e outros objetos serviram de base para a criação artística deste período. Os artistas trabalhavam com cores vivas e modificavam o formato destes objetos. A técnica de repetir várias vezes um mesmo objeto, com cores diferentes e a colagem foi muito utilizada. 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

115- Uma História de Déja vus (4/4) - O Princípio de Hórus e o Caminho do Coração

baixo relevo egípcio
no centro, o olho de Hórus (1)
(continuação das postagens 112 a 114)
Dra. Nise relata que um caminho de imagens solares se iniciou na vida de Carlos a partir dessa intensa experiência da visão do "Planetário de Deus". Disse ela: "através de todo esse percurso na escuridão do inconsciente, como um fio condutor, está presente o princípio de Hórus,  isto é, o impulso para emergir das trevas originais até alcançar a experiência essencial da tomada de consciência. O princípio de Hórus rege todo desenvolvimento psicológico do homem e é tão forte que se mantém vivo mesmo dentro do tumulto de uma psique cindida, por mais grave que seja sua dissociação."
Na cultura egípcia o deus Hórus, filho de Ísis e Osiris representado muitas vezes por um olho, é símbolo do olhar justiceiro, discriminador, que combate Set, o maligno. O coração é a Casa do Sol, a morada do Si-mesmo. O caminho do divino é o caminho do coração, tanto na vida como na morte. O princípio de Hórus ilumina esse caminho. 
Também nas vivências do escritor francês Antoine Artaud o sol foi símbolo da consciência que ele buscou.  Em 1936, vai ao México com a meta de reviver os vestígios da antiga cultura asteca que usava alimentar os deuses elevando corações ainda pulsantes em sacrifícios ao sol. Confiavam que receberiam em troca a renovação da vida e a imortalidade.  O sol, na psicologia junguiana, é tanto símbolo do ego, o centro da consciência, quanto do Si-mesmo e representa o poder criador da psique.
Na visão da Dra. Nise, ir até lá não foi para Artaud certamente uma atitude de pura curiosidade em relação a uma população exótica, mas uma busca secreta de fortalecimento de si mesmo. Coincidência ou não, sabe-se hoje sobre a influência da exposição à luz solar sobre neurotransmissores como a serotonina diretamente relacionada aos estados de humor e bem-estar, uma base natural importante para a reconstrução da unidade psíquica. 
Em 1982, o ano seguinte a minha ida à exposição "Imagens do Inconsciente" foi um turning point. Como uma flor que se move em direção ao sol por uma espécie de instinto que busca a luz, rumei numa nova direção movida por novos interesses muito mais verdadeiros dentro de mim. No campo profissional mergulhei no universo da psicologia, me especializando mais tarde na abordagem junguiana.

Essa associação de eventos me veio à memória 24 anos depois, no instante em que recebi a flor das mãos do José Alberto, paciente do Museu de Imagens do Inconsciente. Rápido como um déjà vus... foi um raio de sol que tocou meu coração.  
E lembrando Carlos Castaneda..."um caminho é só um caminho, e não há desrespeito a si ou aos outros em abandona-lo, se é isto que o coração nos diz... examine cada caminho com muito cuidado e deliberação. Tente-o muitas vezes, tanto quanto julgar necessário. Só então pergunte a você mesmo... Este caminho tem coração? Se tem, o caminho é bom, se não tem ele não lhe serve. Um caminho é só um caminho. "

NOTA:
(1) O olho de Hórus ou "Udyat"é um simbolo proveniente do Egito Antigo, que significa poder e proteção, relacionado ao deus Hórus. É um dos amuletos mais usados no Egito. 
(2) Fonte: Silveira, Nise. Imagens do Inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.