segunda-feira, 25 de abril de 2011

36- O Boi na Grécia (parte 2 de 11) - O mito do Minotauro

Ânfora decorada com Teseu e o Minotauro
Etimologicamente minotauro vem do grego antigo, podendo ser traduzido como o “Touro de Minos”.
O mito do Minotauro, um dos mais contados na Grécia Antiga, é resumido a seguir na sua versão ateniense.
O rei Minos pede a Poseidon para tornar-se rei de Creta. O deus aceita o pedido, porém pede em troca que Minos sacrifique em sua homenagem, um lindo touro branco que sairia do mar. Ao receber o animal, o rei fica tão impressionado com sua beleza que resolve sacrificar um outro touro em seu lugar, esperando que o deus não perceba. Poseidon fica irado e vinga-se do rei Minos fazendo despertar com a ajuda de Afrodite,  uma paixão violenta de Pasífae (mulher de Minos) pelo touro. Pasífae pede secretamente ajuda a Dédalo (notável arquiteto e inventor, amigo de Minos) para realizar seu desejo. Dédalo ajuda Pasífae a disfarçar-se de vaca para ser possuída pelo touro. Desta união nasce um filho monstruoso, cabeça de touro e corpo de homem, o Minotauro. Desesperado, Minos recorre a Dédalo que constrói um labirinto gigante para prender a criatura. Anualmente sete rapazes e sete moças atenienses tinham que ser enviados para dentro do labirinto para serem devorados pelo Minotauro.
Após o terceiro ano de sacrifícios, o herói ateniense Teseu  apresenta-se para ir à Creta para matar o Minotauro. Ao chegar à ilha, Ariadne ( filha do rei Minos) apaixona-se pelo herói e resolve ajudá-lo entregando-lhe um novelo de lã para que Teseu pudesse marcar o caminho na entrada e não se perder no perigoso labirinto. Teseu esconde-se entre as paredes do labirinto e ataca o monstro de surpresa. Usa uma espada mágica, que havia ganhado de presente de Ariadne, colocando fim àquela terrível criatura.” 

O Minotauro simboliza o impulso irracional, expresso pela cabeça do boi no corpo humano. O desafio vivido por Teseu é uma alegoria da mente consciente que tece seu caminho adentrando por regiões perigosas do inconsciente, aqui representadas pelo labirinto, em cujo centro o Minotauro habita. O sucesso dessa empreitada se deve à união das forças solares do guerreiro com a sabedoria lunar de sua amada Ariadne, uma imagem da anima (1).

Nota:
1) Entre suas definições (CW 6), Jung resumiu anima / animus como “imagens da alma”. Posteriormente elucidou esta afirmação chamando a cada uma delas de não-eu. Ser não-eu para um homem corresponde, com muita probabilidade, a algo feminino e, porque é não-eu, está fora de si próprio, pertencendo à sua alma ou ao seu espírito. A anima (ou animus, conforme o caso) é um fator que acontece a um indivíduo, um elemento apriorístico de disposições, reações, impulsos no homem; de compromissos, crenças, inspirações em uma mulher – e, para ambos, algo que induz o indivíduo a tomar conhecimento do que é espontâneo e significativo na vida psíquica. Por trás do animus, alegava Jung, jaz “o arquétipo de significado; exatamente da mesma forma que anima é o arquétipo da própria vida” (CW 91, parág. 66).



terça-feira, 19 de abril de 2011

35- O Boi na Grécia (parte 1 de 11) - Dionisos, o filho do boi sagrado


Entre os epítetos do deus grego Dionisos, está o Bougenés, que significa filho do boi sagrado. Isto se deve ao fato do boi, como também o bode, serem animais consagrados a Dionisos, sendo o boi o animal consagrado nas festas urbanas, na pólis, e o bode nas festas rurais. Daí nasceu o termo tragédia, que quer dizer 'canto a respeito do bode', ou tragodia (tragós significa bode). As tragédias surgiram dos ditirambos, cantos que os gregos entoavam durante as festividades dionisíacas, quando eram apresentadas três tragédias e uma comédia. As festividades dionisíacas eram variadas e complexas. Brandão (1995), destaca as Dionísias Rurais, Lenéias, Dionísias Urbanas ou Grandes Dionísias e Antestérias. 
As Antestérias, denominadas festas das flores porque eram realizadas na primavera, marcavam o elemento fundamental da religião dionisíaca: a transformação, em que os participantes eram levados ao êxtase e entusiasmo.
No primeiro dia (Pithoiguia), abriam-se os tonéis de vinho guardados no santuário e distribuiam-nos à população. No segundo dia (Khoés), havia os concursos de beberrões e realizava-se a procissão para comemorar a chegada de Dionisos à pólis, numa embarcação com um touro destinado ao sacrifício, que representava Dionisos. Este touro era recebido pela rainha, levado ao santuário e lá realizava-se a união da rainha com o sacerdote (o próprio Dionisos), simbolizando a união do deus com a pólis. No terceiro dia (Khytrói), os vasos com vinho eram consagrados aos mortos e às Queres, e as Antestérias terminavam. Era um dia 'escuro', e, ao seu final, as pessoas gritavam: 'retirai-vos Queres, as Antestérias terminaram'.


Nota:
Essa postagem é uma contribuição generosa da amiga e colega junguiana Mônica Helena Weirich.


Fontes: 
1) Brandão, Junito. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes,1995.
2) Kerényi, Carl. Dioniso - Imagem arquetípica da vida indestrutível. São Paulo: Odysseus, 2002.
3) Lopez-Pedraza, Rafael. Dionisos no Exílio. São Paulo: Paulus, 2002.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

34- Reflexões sobre o trágico - "A morte da criança imortal"


A tragédia de Realengo nos deixou a todos de luto. Se conhecíamos algum dos brasileirinhos vitimados? Todos eram conhecidos nossos. Eles eram um lado nosso muito querido, a criança-adolescente interna, cheia de vida e esperança.
No sexto número da revista Quatérnio, intitulado “A morte da criança imortal”,  Dra Nise da Silveira escreveu sobre a matança de crianças de rua que aconteceu naquela época na calçada da Candelária. Por me parecer bastante atual, cito a seguir algumas reflexões que ela fez sobre este tema junto com seu grupo de estudos.
“Em primeiro lugar, não há problema que nos atinja mais que esse. Isso excede a tudo. Em segundo, nosso interesse psicológico é também muito grande, porque quem mata crianças merece ser estudado.
Quando o consciente é sufocado pela psicose, começa a expressar na linguagem dos mitos. O mito de Dionísos é de grande complexidade. Comecei a escrever sobre ele levada pelas pinturas de internos do Hospital Psiquiátrico. Há várias versões desse mito sendo que segundo a mais corrente, ele é filho de Zeus com Sémele, uma mortal filha de um rei. Dionísos está muito presente na atualidade, não aquele dos mitos, nem o de Nietzche. O atual é um Dionísos sombrio, porque o componente mal da psique parece estar solto. O componente profundo que existe em nós, o componente psíquico está desabrido. Segundo Jung é um complexo de oposições. Temos que aceitar o mal, mas não deixar o mal solto a ponto de sufocar as outras componentes da psique que são o bem.”
A propósito, tragos significa bode em grego e tragédia quer dizer 'canto a respeito do bode'. As tragédias surgiram dos cantos que os gregos entoavam durante as festividades em honra ao deus Dionísos.(1)
Dra Nise acrescenta: “No livro Resposta a Jó, C. G. Jung discute a manifestação luminosa (consciente) e sombria (inconsciente) da psique. Segundo ele, se a sombra não for conhecida pelo indivíduo e integrada à consciência, ela se torna autônoma, possuindo o indivíduo. É o que ocorre na "Farra do Boi" (2), o mal aparece como uma sombra autônoma. Os participantes da Farra chegam e entram como numa avalanche. É a psicologia das massas. Já na matança de crianças é diferente, não há a participação popular. A criança dorme e o assassino mata. É o mal puro. Por isso é preciso fazer um apelo ao seu contrário - o bem, que está presente no Antigo Testamento no Livro da Sabedoria, sob o nome de Sofia. ‘Sofia? Sofia? Onde está Sofia? ’ É a sabedoria que precedeu a criação do mundo. No livro dos provérbios ela diz: ‘O Senhor me possuiu, antes que criasse coisa alguma (...) Quando ele assentava os fundamentos da terra, eu estava com ele, regulando todas as coisas. E cada dia me deleitava, brincando continuamente diante dele, brincando sobre o globo da terra, e achando as minhas delícias em estar com os filhos dos homens’(Prov 8, 22-31). Isso significa que a sabedoria estava com Deus, seria seu lado feminino. Marie-Louise von Franz apresenta um estudo com quatro fases do feminino: Eva, Helena, Maria e, por fim, Sofia - a mais elevada de todas.”

Também o Espírito Santo era chamado Sofia nos primórdios do Cristianismo. A Trindade era constituída por Deus Pai, Filho e Espírito Santo que era representado pela ave de Astarte, a pomba, e possuía natureza feminina!
Sofia? Sofia? Onde está Sofia?


Notas:
1) Ver na postagem a seguir - “Dionísos, o filho do boi”, enviado por Mônica Helena Weirich.
2) A Farra do Boi é um ritual hediondo que apesar de proibido desde 1997, ainda hoje é praticado em Santa Catarina. Esse blog se inicia com o relato sobre meu primeiro encontro com a Dra Nise da Silveira na oficina contra a Farra do Boi realizada em 1989. Para mais detalhes ver postagens 1 a 5 deste blog.
3)Fonte: "Encontros Nise da Silveira", organização Luiz Carlos Mello, Beco do Azougue Editorial.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

33- Vaquinha de Presépio?


Natividade (detalhe), Giotto (1266 1337)

As belas pinturas da Renascença que retratam as cenas mais importantes descritas na Bíblia, não serviram apenas para glorificar e engrandecer a Igreja Católica. Como o povo daquela época era em sua maioria analfabeto e incapaz de entender a missa em latim as imagens eram usadas como forma de expandir a “grande nova”.
No entanto, a riqueza do seu simbolismo não foi sempre ressaltada.
Como exemplo, a imagem do nascimento de Cristo em um estábulo entre animais, não só mostra a simplicidade histórica do ambiente de origem do Filho de Deus, mas também serve para acentuar a necessidade de integrar na vida o conteúdo psíquico do símbolo, isto é, o instinto.
O animal obedece a seus instintos. Ele é parte da natureza, nem bom, nem mal.Também na vida humana, a natureza básica é o instinto.
A vaquinha de presépio não está ali de enfeite!
O simbolismo animal vai estar também presente na tradição católica associado a três dos quatro evangelistas, segundo a visão da Glória de Deus tida pelo profeta Ezequiel (Cfr. Ezeq. I, 10). São Lucas muitas  vezes é representado pela figura do boi devido à ênfase dada em seu evangelho ao aspecto sacrificial de Cristo.(1)
O próprio Cristo foi relacionado ao boi indicando que mesmo o Filho de Deus integra sua natureza animal a sua natureza espiritual.(2)

Notas:
1) Sobre este tema ler postagem 31, "O Mito do Touro, segundo Joseph Campbell", de março de 2011.
2) Sobre este tema ler  postagem 11, "A Farra do Boi e o Inconsciente Coletivo - parte 1 de 2", de dezembro de 2010.
3) Ref. Bibliográfica: "Conversas com Joseph Campbell- E por falar em mitos...", Fraser Boa, Verus Editora.