quarta-feira, 15 de maio de 2013

95- Sebastião Salgado - Fascínio da Imagem (parte 1)


( Projeto Genesis incentivou Sebastião Salgado a retornar à fotografia e a trocar a depressão pelo otimismo.
ANDREI NETTO, CORRESPONDENTE / PARIS - O Estado de S.Paulo )


Sebastião Salgado construiu sua carreira como um dos mais aclamados fotógrafos da história registrando o homem, as questões sociais, a industrialização, a economia, a imigração, a vida e a morte das guerras. Um desses projetos, Êxodos, lançado em 2000, é o best-seller que encarna seu fascínio pelo humano ordinário em fuga - o trânsito dos refugiados. Ao término desse projeto, que marcou sua biografia, o fotógrafo brasileiro radicado em Paris estava morrendo.
Como as populações que viu agonizarem em Ruanda, como os milhares de cadáveres que viu serem empilhados por retroescavadeiras, seu corpo também se deteriorava. Mergulhado na depressão e na descrença profunda na humanidade, Salgado decidiu parar de fotografar.
Para curar sua alma, refugiou-se no Brasil. Lá, junto do pai e da mulher, a designer Lélia Wanick Salgado, descobriu que a degradação não era apenas do ser humano, mas também do ambiente. O paraíso no qual tinha passado a infância estava sendo arrasado. Diante do desafio de reconstruir o ecossistema que trazia na memória, lançou-se a um projeto de reflorestamento e preservação ambiental.
O contato com a terra, então, lhe devolveu o contato com a Terra. E daí nasceu Genesis, um projeto fotográfico ambicioso e milionário (de € 8 milhões), dividido em oito anos e em 32 reportagens, verdadeiras expedições a ecossistemas, paisagens e povos intocados pelo progresso.
Lançada em Londres em 9 de abril, a primeira edição de Genesis, de 50 mil exemplares escritos em seis línguas, esgotou-se em 20 dias. Outra edição já foi encomendada e vai ficar pronta até o final deste mês. A previsão de seu editor, a alemã Taschen, é de que entre 500 mil e um milhão de livros sejam vendidos - de duas vezes e meia a oito vezes mais do que Êxodos. A exposição fotográfica chega a São Paulo em 11 de setembro.
Muito além do sucesso comercial, entretanto, Genesis significa para Salgado uma espécie de renascimento. Em suas reportagens, o fotógrafo que antes imortalizava homem e agora registra habitats reencontrou a esperança. Em lugar da depressão que o abalou ao fim de Êxodos, Genesis lhe traz entusiasmo, fascinação e otimismo. Salgado descobriu que a Terra, por mais abalada que esteja pela intervenção do homem, ainda vive. A seguir, a síntese da entrevista concedida ao Estado em seu ateliê um dia após a sessão de autógrafos realizada de Paris na sexta-feira.

Você construiu sua carreira registrando o homem e suas questões econômicas, políticas e sociais. Ao que consta, ao fim de Êxodos você estava abalado, perdendo a fé na humanidade e decidiu parar de fotografar. É isso?

(Sebastião Salgado) Sim, eu parei de fotografar um momento. Quando estava fazendo Êxodos, sofri uma carga psicológica brutal. Em Ruanda, principalmente, vi coisas terríveis. A força de se trabalhar em um universo difícil, violento, é enorme. Eu presenciei 15, 20 mil mortos por dia, a tal ponto de não se poder enterrar as pessoas. Os corpos se acumulavam em montes, em linhas de 100 metros de mortos. Aí vinha a máquina e levantava 30, 40 corpos e os jogava em um buraco. Era uma coisa brutal. Vi populações em total desespero. Quando terminei esse trabalho, meu corpo inteiro estava doente. Eu não conseguia mais dormir, não fazia mais a digestão. Fui ver o médico e fiz exames. Ele me disse: "Você não tem nada, mas está morrendo". Eu tinha vivido um universo de degradação tão profundo que meu corpo não se dava mais o direito de viver.

Com foi a redescoberta? 

(continua na postagem 96)