segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

108- Simbolismos dos Chifres dos Bois

Foto: Sebastião Salgado

Os chifres evocam os prestígios da força vital, da fecundidade. Vieram, em conseqüência, a simbolizar a majestade e os benefícios do poder real. A exemplo do deus Dionisos (1), Alexandre, O Grande, foi representado com chifres, para simbolizar seu poderio e seu gênio. 
Em hebraico “QUEREN” quer dizer, ao mesmo tempo, chifre, poder e força. O mesmo acontece no sânscrito  com a palavra “LINGA” e no latim com a palavra “CORNU”.
Nas tradições judaicas e cristãs, o chifre não só representa a força, mas tem também o sentido de raio de luz, de relâmpago. "Quando Moisés desceu o Sinai, seu rosto resplandecia" (Êxodo, 34,29) , isto é, lançava raios. A palavra raios foi traduzida como chifres na Vulgata, a tradução latina da Bíblia feita no século IV. Por isso os artistas medievais, apresentavam Moisés com chifres. 
Os chifres dos bovídeos são o emblema da Grande Mãe (2) divina. Onde quer que eles apareçam nas culturas neolíticas, seja na iconografia, seja nos ídolos de forma bovina, assinalam a presença da Grande Deusa da fertilidade.
Se o chifre do touro se prende às vezes a um simbolismo lunar (3) e, portanto feminino, pode também tornar-se um valor simbólico solar e masculino. C. G. Jung percebe essa ambivalência no simbolismo dos chifres bovinos: eles representariam um princípio ativo e masculino pela sua força de penetração; um princípio passivo e feminino, por sua abertura em forma de lira e de receptáculo. 
Reunindo esses dois princípios na formação de sua personalidade, o ser humano, assumindo-se integralmente, atinge a maturidade, o equilíbrio, a harmonia interior, o que não deixa de ter uma relação com a ambivalência solar-lunar evocada anteriormente.

NOTAS:
1) Veja postagem 35- "O Boi na Grécia (1 de 11) - Dionisos, O Filho do Boi Sagrado", de abril de 2011;
2) Veja postagem 104- "O Boi na Grécia (11 de 11) - O Touro e a Grande Mãe", de outubro de 2013;
3) Veja postagem 31- "O Mito do Touro segundo Joseph Campbell", de março de 2011;
4) Fonte: Dicionário de Símbolos, de J. Chevalier &A. Gheerbrant.

sábado, 21 de dezembro de 2013

107- Reflexão de Final de Ano, por Nelson Mandela

Foto Sebastião Salgado (2)

"Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes.
Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. 
É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos amedronta.
Nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?"
Na verdade, quem é você para não ser tudo isso?
Bancar o pequeno não ajuda o mundo. 
Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras em torno de você.
E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar, 
inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo. "


(Nelson Mandela (1) - Discurso de posse, em 1994)

NOTAS:
1)   Sobre Mandela, acesse: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nelson_Mandela;
2)   Veja ainda, nesse blog: postagens 95/96 -  "Sebastião Salgado, Fascínio da Imagem", de junho de 2013;
3)   E na próxima postagem: "Simbolismos do Chifre Bovino".

sábado, 30 de novembro de 2013

106- Os Bois e os Ídolos



"Os ídolos das nações não passam de prata e ouro, feitos por mãos humanas.
Têm boca , mas não podem falar, têm olhos, mas não podem ver; têm ouvidos, mas não podem escutar.
Nem há respiração na sua boca. 
Tornam-se como eles aqueles que o fazem e todos que neles confiam."
( Salmos 135:15)

NOTA:
1) Veja mais sobre o tema nas postagens 85 - "O Bezerro de Ouro Contemporâneo" e 86 - "O Bezerro de Ouro Bíblico", de novembro e dezembro de 2012.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

105- 1a Turma de Formação em Hakomi no Brasil


Em 5 de Dezembro terá início a primeira Formação em Hakomi no Brasil,
como também pela primeira vez a Formação em Hakomi incluirá 40% de MatrixWorks!
Assim, com a conclusão dessa formação, além do certificado internacional em Hakomi, os participantes poderão ser certificadas como Facilitadores de Matrixworks/ Educadores ou como Professores, conforme sua competência neste trabalho. 
O Hakomi é um método único e efetivo que integra Atenção Plena e Não-Violência das tradições Budista e Taoísta, atraves da original metodologia ocidental de Ron Kurtz, que ajuda na "consciência somática".
O MatrixWorks é um trabalho relacionado ao Hakomi e à Neurociência, criado por Mukara Meredith, capaz de promover o "caos criativo" a partir do olhar para os grupos como organismos vivos. 
Segundo Mukara: "Muito do MatrixWorks se inspirou no Hakomi."
O tema básico nos dois métodos é inclusão-conexão-integração de todas as partes, o caminho para a totalidade do ser, na linguagem de C. G. Jung. Se no MatrixWorks as partes a se integrar são os membros do grupo, no Hakomi são nossos "eus", como nossa criança ferida, nosso velho sábio... que ficam muitas vezes na sombra, rejeitados, atrapalhando nossos relacionamentos.


Para mais informações entre no site www.hakomi.com.br  

Veja também neste blog as postagens: 
80- "Oficina de Introdução ao Método Hakomi", de agosto de 2012;
e 81/82- "O Hakomi, a Graça e o Boi", de setembro de 2012.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

104- O Boi na Grécia (11 de 11), O Touro e a Grande Mãe


Artemis Tauropolos 
Durante o estágio mais primitivo da cultura humana, na época matriarcal era venerada a Grande Mãe, geradora da vida cósmica e terrestre. Em suas muitas manifestações ela é o símbolo principal do inconsciente. Aparece sob o aspecto Senhora dos Animais  nas regiões desde a Índia até Creta, passando pela Síria, Mesopotâmia, África, estendendo-se para o Ocidente até a Itália e sul da Espanha. 
Segundo o analista junguiano Erich Neumann, a tourada e os jogos com touros pertencem aos rituais da Grande Mãe como símbolos do poder exercido pela humanidade sobre o mundo animal.
Artemis Tauropolos, na Grécia antiga, era um epíteto para Artemis, a deusa da caça. Na figura acima Artemis monta e domina um touro. Artemis Tauropolos era adorada  em seu templo em Brauron,  em Attica . A tauropolia também foi um festival dedicado à ela, em Atenas. Na ilha norte do Mar Egeu, Doliche, atual Ikaria, existia  um tauropolion , um templo em um temenos consagrado a Artemis Tauropolos.
Temenos é um pedaço de terra cortada e designada como um domínio oficial especialmente para os chefes e  reis; ou um pedaço de terra demarcada a partir de usos comuns, dedicada a um deus; um santuário sagrado, bosque ou recinto sagrado. O vale sagrado do rio Nilo e a Acrópole são exemplos de temenos. A palavra deriva do verbo grego temno, "cortar ", no plural: temene. O conceito de temenos surgiu em culturas mediterrâneas clássicas como uma área reservada para a adoração dos deuses. 
Alguns autores têm utilizado o termo para aplicar a um bosque sagrado de árvores ou para  espaços, em geral,  isolados da vida cotidiana.
C.G. Jung relaciona o temenos à mandala, o círculo mágico, que atua como um "quadrado" ou "lugar seguro", onde o trabalho mental profundo pode ter lugar, onde no encontro com o inconsciente os conteúdos que surgem podem seguramente ser trazido à luz da consciência.


Artemis de Éfeso
Em Éfeso, na Turquia, um outro e exemplo da ligação da Grande Mãe e o touro. Na representação da Senhora de Éfeso, Artemis tem seu peito adornado com múltiplas protuberâncias que têm sido interpretadas como seios, ovos, ou mesmo testículos de touro. Esse templo  se tornou uma das Sete Maravilhas do Mundo. 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

103- Temple Grandin, autista Ph.D: Um Caso de Compaixão pelo Boi


O filme Temple Grandin , ganhador de cinco Emmys, mostra como a compaixão de uma jovem americana autista possibilitou que ela chegasse a um grande feito no ramo da pecuária. É uma história real e fascinante.
Temple nasceu autista, coisa que na época ninguém conhecia muito bem. Seu jeito peculiar de pensar e seu comportamento  antissocial eram mal vistos por professores e colegas de escola na infância. 
Frequentemente brigava com outras crianças. Tinha dificuldade de aprender, porque as coisas para ela seguiam uma lógica particular. O que poderia deixa-la mais calma era um abraço bem forte, mas isso ela não conseguia dizer nem à sua mãe. A necessidade não expressa de ser abraçada transformou-se numa ideia fixa:  tinha que construir uma "máquina de abraço". 
"As fixações podem ser canalizadas para fins construtivos. Remover a fixação pode ser uma imprudência", diz Temple em sua autobiografia Uma menina Estranha (Cia. das Letras, 1999). Capaz de visualizar formas de grande originalidade, Temple relata que o autista pensa através de imagens. Ainda adolescente começou a projetar em sua mente um equipamento capaz de apertá-la até o alívio de suas tensões, e não se daria por satisfeita até colocar sua ideia em prática. 
Sem qualquer conhecimento técnico prévio, Temple intuiu que o brete (FOTO) usado para segurar a rês para curativo, vacina, marcação, etc, pudesse ser adaptado para ela. O brete bem apertado ao corpo do animal, é também usado para mantê-lo calmo antes do abate. Temple sabia que era disso que precisava. Identificou o medo que sentia no seu dia-a-dia com o medo da morte que supôs a rês sentir ao pressentir o abate. Então resolveu testar. Entrou no aparelho como se fosse um boi, puxou suas cordas e sentiu o alívio que desejara por anos. A partir daí, com o apoio de um professor do colégio rural em que estudava, dedicou-se ao estudo do bem-estar animal, e consequentemente também do seu próprio. Anos mais tarde, após muitos estudos acadêmicos, tornou-se Ph-D em abate humanitário, e é atualmente uma referência a respeito do autismo. 

Numa palestra, em 2004, o lama do budismo tibetano, Padma Samten, falando sobre compaixão e amor, disse:
"Digamos que alguém olha para uma planta que se encontra num vaso dentro de casa. Pelo olhar compassivo, ao invés de observar se gosta ou não da planta, se  pergunta: como esta planta deve se sentir sem a luz do sol? e sem a água da chuva? e sem outras plantas amigas e companheiras? Quando olhamos para algo pensando se gostamos ou não, nossa mente opera obstruída pela sensação de gostar ou não gostar. Uma inteligência maior é quando olhamos para algo, para uma planta por exemplo, nos perguntando do que ela necessita. E mais do que isso, nós podemos olhá-la e ver com os olhos do bom jardineiro, quais as flores e frutos que essa planta tem escondidos dentro dela, e que ela mesma não sabe (...) Olhar o outro e ver o que afeta sua existência de forma positiva para remover os obstáculos, isso é compaixão. E o olhar que  promove suas qualidades positivas, isso é amor."

Temple escreveu: "Paradoxalmente, foi no matadouro que eu aprendi a dar afeto". Em outras palavras, pode se dizer que o boi, na situação de medo e isolamento diante da morte, fez despertar em Temple a inteligencia maior da compaixão.  

Fontes:
http://www.universodoconhecimento.com.br
http://colunas.revistaepoca.globo.com
http://goiania.olx.com.br

Veja:
http://www.youtube.com/watch?v=cpkN0JdXRpM

Agradeço à Andrea Travassos pela dica para essa postagem.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

102- O Boi e a Sombra em O Profeta, de Kahlil Gibran

Que pensar do boi
que gosta do seu jugo
e julga que o gamo e o alce
da floresta
são coisas perdidas e vagabundas?

Que pensar da velha serpente
que não é capaz de deitar fora a pele,
e qualifica todas as outras
de nuas e despudoradas?

E daquele que chega cedo à boda
e se vai embora farto e cansado
dizendo que todas as festas são pecado
e que todos os convidados
vão contra a lei?

Que direi destes, a não ser
que também eles estão na luz,
mas de costas voltadas ao sol?

Vêem apenas as sombras,
e as suas sombras são as suas leis.

E o que é o sol para eles
senão um criador de sombras?

E que é reconhecer as leis
senão inclinar-se
e traçar as próprias sombras na terra?

Vós que caminhais voltados para o sol,
que imagens reflectidas na terra
são capazes de vos reter?

(...)

Povo de Orphalese:
podeis disfarçar o tambor
e desligar as cordas da lira,
mas quem poderá
proibir de cantar a cotovia?

Neste poema extraído do livro O Profeta, o artista, filósofo e escritor libanês Kahlil Gibran faz uma reflexão sobre a sombra psíquica, usando a sombra física como metáfora, e o sol como a consciência capaz de "gerar" e perceber a sombra. Usa o boi, entre outros símbolos, para ilustrar a tendência à projeção negativa que se faz àquilo que não somos, ou melhor, que nos negamos a ver como uma parte do nosso ser.
O Profeta é um  ensaio em prosa e verso, originalmente publicado em 1923 por Alfred A. Knopf. É a obra mais conhecida de Gibran e já foi traduzido para mais de quarenta idiomas diferentes.
Narra a saga do profeta Almustafa que viveu na cidade estrangeira de Orphalese por 12 anos. Prestes a embarcar em um navio de volta para casa, é interrompido por um grupo de pessoas com quem discute temas como a vida e a condição humana.
Ainda sobre esse tema, leia a postagem 101- "Na Sombra do Boi", deste blog.



terça-feira, 13 de agosto de 2013

101- Na Sombra do Boi

"Bull", de Damian Elwes

Em 1987-1988 o Grupo de Estudos C. G. Jung, liderado pela Dra Nise da Silveira (1)  tomou como foco do seu trabalho a denuncia e o combate à "farra do Boi", que acontecia em Santa Catarina.  Foi descrita pela Dra Nise como "uma tortura cega, solto prazer de praticar atos cruéis (...) um dos exemplos mais regressivos entre tantos outros que se manifestam em nosso país"projetados na figura do boi. Nos anos de chumbo, o que acontecia nos porões do DOI-CODI não era muito distante do que acontecia na "farra do boi". Era censurada e severamente punida qualquer alusão aos atos de tortura que eram praticados contra quem fosse considerado inimigo político da ditadura militar.
A psique é um complexo de opostos entre os quais está presente a sombra, que entre outros elementos aglutina a violência e o sadismo. A sombra apresenta-se assim como um problema moral que desafia o ego, pois implica no confronto com o lado sombrio oculto da personalidade, presente em todos nós
A sombra quando se manifesta como fenômeno coletivo faz com que o indivíduo perca o senso de responsabilidade de seus atos. Já se sabe o final da estória: violência gerando violência. Em nome de ideologias era esse fenômeno psíquico que estava segundo Jung, subjacente aos assassinatos em massa praticados no nazismo, no comunismo de Stálin e em outros tantos "ismos".
Muita luz a se lançar na sombra brasileira...
No Brasil, antes do sequestro e escravidão de negros africanos, houve o holocausto dos índios que aqui viviam. Eram atos legais, instituídos pela crença da superioridade étnica e cultural branca européia.
Somos todos herdeiros dessa sombra.  Corre nas nossas veias o mesmo sangue de oprimidos e opressores, de torturados e torturadores. 
A impunidade é um dos preços que  se paga pelo "faz de conta que não é comigo". Assim, é nosso próprio umbigo que se deita eternamente em berço esplendido à sombra do boi (2), do "bode expiatório" da vez.
No entanto, o momento histórico atual parece revelar um limite onde o pensamento budista sobre "a renúncia à ilusão de que a felicidade e a não-felicidade vêem do lado de fora", se encontra com a conclusão da neurociência de que "a corrupção aflige qualquer primata com excesso de poder". Não dá mais pra esperar por um herói que venha nos salvar. Só nos resta o reconhecimento da nossa sombra pessoal e coletiva. É uma tarefa que exige um esforço enorme, mas que será compensada, pois lançará luz sobre recantos escondidos do inconsciente, resultando no alargamento da consciência necessário a novos paradigmas de ação.

 NOTAS:
1) Sobre Dra Nise da Silveira e a "farra do Boi" ler as 5 primeiras postagens desse blog;
2) Leia a postagem 100 - "Amarildo, o Boi Humano"
3) Fontes:
Silveira, Nise.  "Escola de Tortura", Jornal do Brasil, 31/3/1991;
Ribeiro, Sidarta ( diretor do Instituto do Cérebro- UFRN). Revista Mente-Cérebro, psicologia, psicanálise, neurociência. Número 247;
4)"Bull", de Damian Elwes, mostra a interdependência da relação touro-toureador. Milhares de pequenos toureiros do lado  fora do boi são "pixels" que desenham uma forma uterina, que também é uma mandala em cujo centro está o boi. 
5) Agradecimento especial à dica da Marilene Séllos, colaboradora assídua desse blog, que guardou "para mim" o artigo da Dra Nise de 1991.


terça-feira, 6 de agosto de 2013

100- Amarildo, o Boi Humano

Desaparecido
 Amarildo de Souza, o boi humano


Você sabia que os conhecidos chamavam Amarildo de ‘boi’?
"Porque fazia a proeza de carregar dois sacos de cimento nas costas, apesar de magro e quase baixo (...) era também quem carregava os doentes nas costas, tirando-os de dentro da favela e vencendo as escadarias da Rocinha. De todas as descrições de Amarildo, é a do boi a mais marcante, a infinitamente repetida. É como boi que o enxergavam. Boi, não touro. E esta, talvez, seja parte da tragédia. A que começou muito antes do derradeiro crime.(...) Amarildo de Souza, 43 anos, foi levado para a sede da UPP da Rocinha, favela da zona sul do Rio de Janeiro, na noite de domingo, 14 de julho, 'Para averiguação' (...) Amarildo acabara de voltar de uma pescaria quando quatro policiais o abordaram, supostamente confundindo-o com um traficante, embora testemunhas digam que pelo menos um deles o conhecia muito bem. (...) Amarildo entrou no carro da Polícia Militar vestindo apenas bermuda e chinelos. Sem camisa, o torso de boi estava nu. Desde então, não foi mais visto. O comandante da UPP, major Edson Santos, disse aos repórteres Marco Antônio Martins e Fábio Brisolla, da Folha de São Paulo, que Amarildo teria ficado menos de cinco minutos na unidade, o suficiente para ser desfeita a confusão de identidades, e em seguida teria sido liberado. A Rocinha tem 84 câmeras. Naquele domingo, as duas câmeras diante da UPP tiveram problemas. O GPS dos carros de polícia não funcionava. O que teria acontecido com Amarildo que as câmeras não puderam ver? (...) Amarildo era ajudante de pedreiro e criava os seis filhos num barraco de um único cômodo, num ponto da favela em que o esgoto serpenteia pelas vielas e tuberculose é doença corriqueira. Não sabia ler, só escrevia o próprio nome. (...) Ganhava R$ 300 numa obra em Copacabana, salário que complementava carregando sacos de cimento nos finais de semana. Estava contente porque tinha conseguido comprar tijolos para alargar sua casa. Ele, que a vida toda construíra a casa dos outros, nas quais tijolos não faltavam. Como o animal cujo nome lhe impingiram, Amarildo também atravessava a vida carregando um peso que não lhe pertencia. Sim, porque Amarildo era chamado de boi, não touro. Boi de canga é aquele que puxa o arado, um passo penoso depois do outro, um dia seguido de outro dia, as costas suadas debaixo de um sol excessivo. Quem já viu a cena sabe que o mais brutal são os olhos mansos do boi, a resignação de quem só conhece uma sina, a canga que já lhe espremeu a alma. Se Amarildo era ou não boi talvez nunca saberemos, mas o fato de Amarildo ser visto como boi, o que foi citado em quase todos os perfis da imprensa, não deve passar incólume. Não pela sua dimensão poética, mas porque há algo de perturbador no discurso do boi. O boi não é um animal qualquer. A palavra que o representa marca uma castração. O boi é um vir-a-ser que não será, um interrompido no meio do gesto de tornar-se. Ele poderia ter sido um touro, não fosse o homem ter dado a ele outro destino quando ainda era pouco mais que uma criança, num ritual de sacrifício, mesmo que as técnicas sejam hoje modernas. O boi é aquele que é emasculado para ser ofertado ao serviço ou ao consumo. É emasculado para a servidão – seja como força de trabalho, seja como fornecedor de proteínas. É alienado de si para virar carne, força bruta a serviço de seu dono e algoz. O touro, não. O touro tem a pulsão sexual, o que o faz ser aquele que é. Na literatura, os bois humanos são castrados de esperanças, de possibilidades, de revolta com sua condição servil – de liberdade.(...) Amarildo, o boi humano, é o pobre submisso. (...) É inaceitável Amarildo desaparecer, assim como é uma grande notícia que Amarildo tenha virado notícia. (...) O valor simbólico do boi atravessa o tempo e assinala visões de mundo, ainda que inconscientes, nas diferentes classes sociais. É tão comum como triste quando, ao serem confrontados com alguém identificado como autoridade, o que pode ser simplesmente alguém de uma classe mais privilegiada, os pobres apresentam de imediato sua carteira de trabalho para provar que existem e são pessoas boas. (...) As questões incômodas têm o mérito de nos fazer a avançar e, quem sabe, nos tornar melhores. Dito isso, a pergunta se impõe: onde está Amarildo?” 

Notas:
1- Agradeço à Chiara Krengiel pela dica para essa postagem e recomendo o site:  http://chiarakre.tumblr.com/Chiara Krengiel DESIGN

3- Leia a postagem desse blog: 101- Na Sombra do Boi.

terça-feira, 23 de julho de 2013

99- Os Touros de Damian Elwes (II)


Na década de 1980, Damian Elwes viveu em Nova York, onde foi um expoente inicial da arte do graffiti e veio a conhecer o artista Andy Warhol . Em 1984 algumas das suas primeiras pinturas foram escolhidas pelo eminente Londres negociante de arte Robert Fraser para serem incluídas numa exposição de graffiti com Jean-Michel Basquiat e Keith Haring.
De 1992 a 2000, Elwes escolheu viver no sul da Colômbia para que  pudesse fazer pinturas sobre as florestas tropicais . Lá, ele criou quatro “lugares-sonho”, pinturas tão grande que os telespectadores podiam andar dentro delas. A pintura de chão “Árvore caída” (1997) descreve o ciclo de vida de um dos últimos remanescentes de florestas de mogno . Em uma clareira na floresta, uma velha árvore no chão que está se deteriorando, novas mudas pode serem  vistas crescendo  a partir da árvore. Este mesmo ciclo existe na pintura, como em toda a inovação. Assim, enquanto este trabalho pode ser visto como um estímulo para a consciência , ele também contém uma indicação de confiança Elwes no poder da criatividade.
Em Londres, 2010,  Elwes exibiu uma enorme pintura piso sobre a origem da vida . Essa obra de arte descreve uma fonte primária do rio Amazonas no cume de um vulcão colombiano chamado Puracé . Ele foi colocado sob uma estrutura de vidro na galeria e os visitantes podiam andar em cima dele, para descobrir as centenas de plantas com flores sob seus pés. Para as paredes circundantes, criou imagens (uma reminiscência de pinturas rupestres ) de uma mulher adormecida em que exótico ecossistema .
Ao voltar de vida perto da floresta tropical em 2000, Elwes começou outra série de pinturas usando o estúdio do artista como uma metáfora para a criatividade humana. Até agora ele pintou muitos dos grandes estúdios do século XX, incluindo os de Paul Gauguin , Pablo Picasso , Henri Matisse , Frida Kahlo , René Magritte , Marcel Duchamp , Andy Warhol e Salvador Dalí .


Nesta foto, Elwis mais uma vez coloca a figura enorme do touro em primeiro plano tendo em volta a imagem circular da arena como uma mandala. O azul transparente aqui se espalha,  toma conta da cena. No centro do centro, um coração transpassado pela lança. O vermelho jorra em espiral juntando dentro e fora numa só dor.

 ( continua na postagem 102)


sábado, 20 de julho de 2013

98- Os Touros de Damian Elwes (I)


Damian Elwes é um artista britânico que vive e trabalha nos Estados Unidos. Em suas pinturas explora temas como a relação entre seres humanos e a natureza, o equilíbrio entre a energia masculina e feminina, a criatividade e as interconexões entre todas as coisas. É conhecido por suas pinturas que descrevem os estúdios dos mestres do século XX e panoramas do mundo natural que se aventuram para além dos limites habituais da pintura de paisagem .
Sua obra é muitas vezes monumental e tridimensional, como uma grande pintura em que os visitantes andam de sala em sala no piso térreo da “ Villa La Californie”(2006), para testemunhar o grau de criatividade de Picasso. Ou uma pintura de uma paisagem imensa no chão, “Amazon” (1999), no qual os visitantes podem andar por cima das plantas e flores de floresta, e procurar a nascente do rio. Em seu trabalho mais recente, ele incide sobre os processos artísticos de Ai Wei Wei, Gerhard Richter, Marlene Dumas, Joseph Beuys, Andy Warhol e outros artistas contemporâneos.
Elwes nasceu em Londres em 1960, o segundo filho de Tessa Kennedy e Dominick Elwes. Seu avô e seu pai eram  pintores e ambos morreram quando Damian tinha quinze anos,  deixando seus cavaletes e pincéis. Aos dezesseis anos Elwes viajou de bicicleta através da França para a Itália . Aos dezoito anos, percorreu de mochila da Argentina a Colômbia, passando várias semanas na Amazônia numa barcaça de banana. 
Estudou Literatura na Universidade de Harvard, mas na sua graduação sua professora deu-lhe uma espatula que pertencera a Henri Matisse . Em vez de ir para a escola de arte ele foi para Paris, onde, por dois anos, ele fez pinturas dos estúdios de artistas contemporâneos como uma forma de aprender com eles.


Elwis tem uma série de pinturas em que explora dinamicamente a estética e a profundidade de significados  da tourada. Na foto acima, faz uma mandala em que um touro gigantesco esta no centro. Dentro do animal, formas de cores e movimentos marcam sua historia. Sobre seu dorso, um outro, azul transparente, algo alem do fisico...

É rodeado por pequenos toureiros que ocupam os poucos espaços da arena não ocupados por ele. Em volta, o grande publico, ainda mais pequeninos. São triângulos com cabecinhas que aguardam o grande final. 
O touro gigante faz lembrar  Gulliver e os homenzinhos os habitantes de Lilliput. A narrativa das viagens de Gulliver inicia-se com o naufrágio do navio onde seguia. Após o naufrágio é arrastado para uma ilha chamada Lilliput. Os habitantes desta ilha, que eram extremamente pequenos, estavam constantemente em guerra por futilidades. 
Foi através dos lilliputianos que Swift demonstrou a realidade inglesa e francesa da época. Através do tamanho do touro e dos toureiros e espectadores, Elwis nos fala da grandeza e da pequeneza de cada um.

( continua na próxima postagem)

domingo, 9 de junho de 2013

96- Sebastião Salgado - Fascínio da Imagem (parte 2)


(continuação da postagem 95)


Como foi a redescoberta?

(Sebastião Salgado) Lélia e eu paramos e fomos para Porto Seguro. Coincidentemente, foi o momento em que meus pais estavam ficando velhinhos, e nos passaram uma fazenda em Minas Gerais. Pensamos até em ser fazendeiros, abandonar a fotografia. Mas, quando vi aquela terra, ela não era mais o paraíso com 50% de cobertura de florestas de quando eu era criança, mas só com 0,3% de cobertura florestal. Na minha região inteira, tudo estava destruído. Eu estava meio morto, e aquela terra estava meio morta, apesar de sua qualidade maravilhosa. A Lélia então teve uma ideia maravilhosa. Ela me disse: "Você sempre me disse que cresceu em um paraíso. Por que não replantamos a floresta nativa que havia aqui?". Foi construindo esse projeto que veio a ideia de fotografar o planeta. Eu nunca tinha fotografado paisagens, nem outros animais. Foi fantástico.

Mas para isso você teve de sair da zona de conforto e se lançar no desconhecido.

(Sebastião Salgado) Sim, mas o conforto é relativo. Eu trabalhei dentro do projeto Genesis com grupos que ainda vivem como há 3 mil, 10 mil, 50 mil anos. E posso dizer que eles vivem de uma forma hiper confortável. Não têm a sofisticação de consumo de produtos que nós temos, mas eles têm um conceito que nós perdemos: o essencial. Eles vivem de uma maneira fantástica, com o mesmo sentido de comunidade e de solidariedade que nós temos.

E você teve de viver assim também durante o projeto.

(Sebastião Salgado) Fazendo esse projeto, voltei a viver como vivíamos há cinco mil anos, em uma barraca, caminhando… Fiz caminhadas incríveis, como no norte da Etiópia, por exemplo. Foram 55 dias caminhando, fazendo 850 quilômetros a pé, pelas montanhas, porque não tem estrada. A Lélia veio a 350 quilômetros do fim e fomos embora. Qualquer um pode fazer. Não é um desconforto. É maravilhoso.

Você disse em uma de suas entrevistas que se reencontrou como animal.

(Sebastião Salgado) Sim, sou um animal e me reencontrei com minha espécie. Lembro de quando fotografei uma iguana em Galápagos e me dei conta de que ela era uma miniatura de um dinossauro. Estava ali em frente à mim. Quando fotografei aquela pata, foquei minha teleobjetiva macro e me senti como se estivesse fotografando a mão de um guerreiro da Idade Média, com aquelas escamas de metal protegendo-o para a luta. Todos os movimentos musculares, as veias, os cinco dedos, tudo estava ali representado. Se aceitamos a Teoria da Evolução de Darwin, sabemos que viemos todos da mesma célula de base e evoluímos em trajetórias diferentes, em função dos ecossistemas em que vivemos. Na verdade, entendi que o que nos contaram a vida inteira, que éramos a única espécie racional, é uma enorme pretensão da nossa espécie. Todas são racionais. Mas é preciso entrar na sua lógica para compreender a racionalidade de cada espécie.

Genesis lhe fez filosofar sobre a vida também?

(Sebastião Salgado) Filosofar, não. Mas me fez voltar à essência e sair com muita paz desse projeto.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

95- Sebastião Salgado - Fascínio da Imagem (parte 1)


( Projeto Genesis incentivou Sebastião Salgado a retornar à fotografia e a trocar a depressão pelo otimismo.
ANDREI NETTO, CORRESPONDENTE / PARIS - O Estado de S.Paulo )


Sebastião Salgado construiu sua carreira como um dos mais aclamados fotógrafos da história registrando o homem, as questões sociais, a industrialização, a economia, a imigração, a vida e a morte das guerras. Um desses projetos, Êxodos, lançado em 2000, é o best-seller que encarna seu fascínio pelo humano ordinário em fuga - o trânsito dos refugiados. Ao término desse projeto, que marcou sua biografia, o fotógrafo brasileiro radicado em Paris estava morrendo.
Como as populações que viu agonizarem em Ruanda, como os milhares de cadáveres que viu serem empilhados por retroescavadeiras, seu corpo também se deteriorava. Mergulhado na depressão e na descrença profunda na humanidade, Salgado decidiu parar de fotografar.
Para curar sua alma, refugiou-se no Brasil. Lá, junto do pai e da mulher, a designer Lélia Wanick Salgado, descobriu que a degradação não era apenas do ser humano, mas também do ambiente. O paraíso no qual tinha passado a infância estava sendo arrasado. Diante do desafio de reconstruir o ecossistema que trazia na memória, lançou-se a um projeto de reflorestamento e preservação ambiental.
O contato com a terra, então, lhe devolveu o contato com a Terra. E daí nasceu Genesis, um projeto fotográfico ambicioso e milionário (de € 8 milhões), dividido em oito anos e em 32 reportagens, verdadeiras expedições a ecossistemas, paisagens e povos intocados pelo progresso.
Lançada em Londres em 9 de abril, a primeira edição de Genesis, de 50 mil exemplares escritos em seis línguas, esgotou-se em 20 dias. Outra edição já foi encomendada e vai ficar pronta até o final deste mês. A previsão de seu editor, a alemã Taschen, é de que entre 500 mil e um milhão de livros sejam vendidos - de duas vezes e meia a oito vezes mais do que Êxodos. A exposição fotográfica chega a São Paulo em 11 de setembro.
Muito além do sucesso comercial, entretanto, Genesis significa para Salgado uma espécie de renascimento. Em suas reportagens, o fotógrafo que antes imortalizava homem e agora registra habitats reencontrou a esperança. Em lugar da depressão que o abalou ao fim de Êxodos, Genesis lhe traz entusiasmo, fascinação e otimismo. Salgado descobriu que a Terra, por mais abalada que esteja pela intervenção do homem, ainda vive. A seguir, a síntese da entrevista concedida ao Estado em seu ateliê um dia após a sessão de autógrafos realizada de Paris na sexta-feira.

Você construiu sua carreira registrando o homem e suas questões econômicas, políticas e sociais. Ao que consta, ao fim de Êxodos você estava abalado, perdendo a fé na humanidade e decidiu parar de fotografar. É isso?

(Sebastião Salgado) Sim, eu parei de fotografar um momento. Quando estava fazendo Êxodos, sofri uma carga psicológica brutal. Em Ruanda, principalmente, vi coisas terríveis. A força de se trabalhar em um universo difícil, violento, é enorme. Eu presenciei 15, 20 mil mortos por dia, a tal ponto de não se poder enterrar as pessoas. Os corpos se acumulavam em montes, em linhas de 100 metros de mortos. Aí vinha a máquina e levantava 30, 40 corpos e os jogava em um buraco. Era uma coisa brutal. Vi populações em total desespero. Quando terminei esse trabalho, meu corpo inteiro estava doente. Eu não conseguia mais dormir, não fazia mais a digestão. Fui ver o médico e fiz exames. Ele me disse: "Você não tem nada, mas está morrendo". Eu tinha vivido um universo de degradação tão profundo que meu corpo não se dava mais o direito de viver.

Com foi a redescoberta? 

(continua na postagem 96)


terça-feira, 30 de abril de 2013

94- O Touro de Nova York Crochetado

Olek e o Touro de Nova York 
A artista plástica Agata Oleksiak (1978), que ficou conhecida por Olek Crocheted, é polonesa naturalizada americana. 
Olek criou "esculturas de vestir" em croché para vários projetos. 
Em 2009, declarou:"O croché é uma metáfora da complexidade e interconectividade do nosso corpo e seus sistemas. As conexões são mais fortes num tecido em vez de fios separados, mas se cortar um fio a coisa toda desmorona". 
No final de 2010, Olek instalou uma roupa de malha no Touro de Nova York, em homenagem a Arturo Di Modica. 
Em 1989, assim como ela, Di Modica instalou sem permissão a escultura do touro pesando 3,2 toneladas, em frente ao prédio da Bolsa de  Nove York.
A obra, que pertence ao seu autor, tem hoje uma autorização temporária para permanecer na cidade na categoria de "arte em empréstimo. Uma permissão temporária que já dura mais de vinte anos.
A forma como se deu  a instalação de Olek se denomina "arte de guerrilha". 
Diferente do trabalho de Di Modica, o croché de Olek foi arrancado duas horas depois de pronto por um zelador do parque.
Afinal, "não fica bem" o Touro de Nova York, com sua postura agressiva, símbolo da força e do poder do povo americano, uma alusão à potencia financeira do país, "vestidinho de croché estampado, cor de rosa choque", né?
Felizmente prá nós, foi o tempo  suficiente para que o  touro crochetado fosse muito fotografado!

NOTAS:
1- Sobre o Touro da Wall Street ver postagens 49 e 58 deste blog.
2- Agradecimento especial à Cecília Bosisio pela dica para esta postagem.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

93- A Arte do Boi Espermático - parte 3 de 3


Na postagem 47 - O Boi na Grécia, de julho de 2011, abordamos o tema da  origem grega da  tauromaquia, a arte de tourear sem armas. Eram espetáculos em que o homem interagia com o animal de forma lúdica, desenvolvendo verdadeiras danças acrobáticas. A arte que se fala aqui é outra. É a arte do boi , sob o ponto de vista do mercado pecuário: a produção de sêmen (1).

Fajardo da GB (foto) foi um campeão muitas vezes premiado. Na flor da idade chegou a produzir 500 doses diárias de sêmen, cada uma podendo gerar um bezerro. Em 2005, suas doses eram vendidas por 350 reais correspondendo a 175 mil reais por ejaculação diária. Aposentou-se batendo o recorde nacional de capacidade espermática: 480 mil doses de sêmen.

Em 18 de fevereiro de 2009, quando morreu de enfarte aos 16 anos, a notícia correu o pais:  "O futebol sem Pelé, as corridas sem Senna, a pecuária sem Fajardo". 

A morte dos grandes reprodutores é sentida duas vezes. Primeiro na sua morte propriamente dita. Entristecem-se os donos e os tratadores do animal. A segunda é quando termina o estoque do esperma.  Até desaparecer para sempre, um touro pode resistir por décadas no limbo genético, desde que seu esperma seja congelado em nitrogênio líquido, a -196º C. É sua morte mercadológica. Entristecem-se os fazendeiros que sonhavam ver suas vacas fecundadas por um campeão.

Fajardo se transformou num ícone da pecuária brasileira.  O preço da dose do sêmen de um boi espermático como ele varia como no mercado de arte, em que o quadro bom valoriza ainda mais depois que o artista morre. 

Mas artista morre e sua obra fica... Assim também ocorre com a força da vida simbolizada pelo sêmen! Dizem que Fajardo da GB retornou clonado. (3)


 NOTAS:
1) Sobre o sêmen, o talentoso médico Galeno de Pérgamo(129-199) afirmava que provinha do cérebro. Suas teorias dominaram a ciência ocidental por mais de um milênio. Na Idade Média, acreditava se que a medula dorsal estendia se do cérebro ao falo de onde vem o sêmen - assim se lê no Bahir, o trabalho místico do 1o século, também conhecido como Midrash do Rabino Nehunya ben Hakanah. O sêmen simboliza a força da vida, e a vida humana só pode descender daquilo que caracteriza o homem, sede de suas faculdade próprias;
2) Fonte:  "Fajardo, in memoriam, Vida e obra de um bovino espermático", de Roberto Kaz, revista Piauí de 8 de junho de 2009;
3) http://www.ruralpecuaria.com.br/2011/04/1-clone-de-um-reprodutor-fajardo-da-gb.html
"O reprodutor que era de propriedade da Agropecuária J Galera, produziu mais de 460 mil doses de sêmen, sendo pai de animais que conquistaram grandes títulos em pista. Foi Grande Campeão 1994, Melhor Macho Jovem do rank da ACNB nos anos de 1993 e 1994 e Bi-Campeão da ACNB (97/98 e 98/99). Ele é um dos grandes genearcas da raça Nelore e sua genética construiu um dos pilares do melhoramento genético brasileiro. O sucesso do animal levou a J Galera a cloná-lo. O responsável pelo trabalho foi Flávio Meirelles, que afirma que o clone produzido tem o mesmo genótipo do Fajardo original, entretanto ele não descarta e influência do ambiente no desempenho futuro do reprodutor. “Ele é o primeiro reprodutor clonado a ingressar oficialmente em uma central no Brasil” afirma Marcos Labury, gerente de corte da Alta Genetics. Para ele, o retorno de Fajardo trará enormes benefícios para o rebanho brasileiro “É uma oportunidade de continuar a espalhar a genética melhoradora de seu pedigree” afirma."
4) Veja ainda postagens: 72- A Arte do Boi Espermático - parte 1 de 3 e 73- A Arte do Boi Espermático (parte 2 de 3), de março e abril de 2012, respectivamente.

segunda-feira, 11 de março de 2013

92- Máscaras e Dança na Funarte na conferência de Martha Pires Ferreira em 1982


Em 1982, eu era aluna da Angel Vianna do que se chamava na época de Expressão Corporal. Minha colega de curso, Márcia Padilha me convidou e ee convidei meu amigo Marco Antonio Moura Dias para uma performance na Funarte, relacionada a máscaras. De cara aceitamos. Ele era um artista plástico eclético e se dispôs a nos ensinar a fazer máscaras de papier marché.
A performance aconteceria durante uma conferência de Martha Pires Ferreira, artista plástica e astróloga de renome (1). Tivemos uma entrevista com Martha em sua casa em Santa Teresa. Aos poucos, fomos nos inteirando melhor do que era esperado da nossa participação.
Movidos pelo mais puro desejo de criar e interagir, Márcia, Marco e eu nos encontramos para produzir nossas máscaras. Até chegarmos às definitivas foram   uns quatro encontros que renderam muita filosofia e algumas outras máscaras não escolhidas. 
As máscaras em papier marché tinham a mesma base de argila cujo tamanho era cerca de 40% maior que um rosto normal. A do Marco, depois da pintura e dos adereços, era de um dançarino de tango (foto acima).  A da Márcia era ela mesma (na foto acima, abraçada  pelo dançarino). E a minha máscara era metade dia e metade noite (foto ao lado).
A Martha chegou para conferência com um visual impactante. Lá se vão mais de trinta anos e, infelizmente, não tenho registro fotográfico dela, mas guardo na lembrança o seu rosto pintado e sua túnica estampada em cores vivas. Era uma deusa primitiva! Em contraste com essa imagem, dissertava daquele jeito aquariano articulado, acompanhando a projeção de slides que mostrava a máscara desde os primórdios paleolíticos até a máscara do astronauta na lua. Enquanto isso, nós três circulávamos pela platéia com nossos trajes mascarados, reagindo com gestos largos, exagerados, ao que a Martha ia falando e que estávamos ouvindo pela primeira e única vez. 
No final, distribuímos entre os presentes as demais máscaras que produzimos.
Assim, dançamos todos juntos ao som da “Máscara Negra”, de Zé Keti, e de “Quem é Você”, de Chico Buarque.
“A dança foi algo inédito dentro da Funarte”, disse Martha, que guardou e me enviou as informações abaixo do cartaz do evento:
A máscara como expressão plástica.
Conferências Audiovisuais
Espetáculos de mímica
Máscaras - no culto, no teatro, nas tradições.
Espaço Alternativo
FUNARTE 20/ setembro a 15/outubro 1982

NOTAS:
1)  Martha Pires Ferreira foi amiga e colaboradora da Dra Nise da Silveira. Atualmente é coordenadora das Artes Plásticas na Casa das Palmeiras. Autora do blog Cadernos Aquarianos.
2)   Fotos tiradas por Mario Victor Monteiro na Sala de Exposição da Funarte, RJ.
3)   Veja no Youtube: Martha Pi Ferreira, por JuliaAndrade2011.

segunda-feira, 4 de março de 2013

91- As Máscaras do Boi na Vivência Mítica, Escola Angel Vianna


Máscaras do Boi - Vivência Mítica, Escola Angel Vianna

Na vivência mítica realizada na Escola Angel Vianna, foram muitas as danças, toadas e reflexões até chegar o momento da feitura da máscara do boi. Aí, pareceu um tempo sem tempo. Os participantes se redescobriram criando, brincando, transformando a imaginação em  formas, cores e movimento no espaço físico.
Embora o tema proposto tenha sido o mesmo para todos, cada um fez surgir na sua máscara de boi o seu tema particular, relacionado ao  inconsciente pessoal .
Mas o fazer, o vestir e dar vida à máscara através do movimento também nos remete a experiências do coletivo, desde a ancestralidade humana.
O mais antigo registro do uso de máscara que se tem notícia foi deixado nas paredes da caverna de Lascaux, na França, datado de cerca de 14.000 AC. Essas gravuras rupestres mostram caçadores mascarados com cabeças de animais. Supõe-se que acreditavam poder assim adquirir as forças instintivas destes animais e garantir o sucesso da caça. As máscaras usadas ritualisticamente primavam pela intensa expressividade e serviam como mediação entre a esfera sobrenatural e a natural. (1)
Também usada nos ritos de iniciação, a máscara do iniciador simbolizava o espírito que instruía o adolescente de que naquele momento ele morria na sua condição anterior para nascer na condição adulta.
Mais próximas à cultura atual, as tradições gregas conheceram as máscaras rituais das cerimônias e das danças sagradas, as máscaras funerárias, as máscaras votivas, as máscaras de disfarce e as máscaras teatrais. Aliás, foi esse último tipo de máscara, figurando como um personagem (PROSOPON) que deu nome à “pessoa”.
A máscara teatral, que é também das danças sagradas, é uma modalidade e um manifestação do Self universal. A personalidade do portador em geral não se modifica, o que significa que o self é imutável.
Por outro lado, uma modificação pela adaptação do ator ao papel, pela sua identificação com a manifestação divina que figura, é o próprio objetivo da representação. Pois a máscara, especialmente sob seus aspectos irreais e animais, é a Face divina. (2) 

NOTAS:
1) Ref.: C. G. Jung; O Homem e seus Símbolos. Editora Nova Fronteira, 2008.
2) Ref.: Chevalier, J. e Gheerbrant, A.;  Dicionário de Símbolos, mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras cores, números. Ed José Olympio, 18o.
3) Mais sobre máscaras de bicho, ver neste blog: Postagem 5- A Máscara de Oncinha da Dra Nise; Postagem 10- Quando o Animal vira O Bicho!; Postagem 37- O Boi na Grécia: O Minotauro e a Máscara do Touro; Postagem 40- Reflexões Minotaurinas. 

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

90 - O Batismo do Bumba-meu-boi

Foto 1
O ciclo tradicional do Bumba-meu-boi se inicia com os ensaios por volta do mês de maio. 
Nessa época o "couro" do boi, que na verdade é um veludo, já está sendo bordado e só pode ser visto pelas bordadeiras e bordadeiros. O novo "couro" bordado é então montado na armação de madeira em forma de touro. É um segredo guardado a sete chaves  até que o boi seja batizado e consagrado a São João. 
Os ensaios continuam até 13 de junho, dia de Santo Antonio.
No dia 23 de junho, véspera do dia de São João,  o boi é batizado. De início ele é colocado coberto, de frente para um altar povoado com santos católicos (foto 1) até o momento de ser descoberto e mostrado a todos (foto 2)
Foto 2
O ritual do batizado (1), que marca o renascimento do bumba-m eu-boi, é  iniciado por rezas que lembram ladainhas, algumas em latim, geralmente entoadas pelas mulheres. O boi recebe então um acréscimo ao nome original que vai estar bordado no “couro”. No batizado das fotos, realizado em 2012, o Boi da Floresta recebeu o acréscimo de Paz do Brasil.
Daí o festejo “pega fogo”.  Um novo ritmo se inicia marcado pelas matracas e pelos pandeirões. A batida têm influência notadamente africana e o jeito de dançar é tal qual dos índios brasileiros. 
A religiosidade está presente todo o tempo na brincadeira do bumba-meu-boi.
Para seus praticantes, esse ritual tem um sentido de proteção e renovação.
Na sua forma de expressão e no conteúdo do auto do bumba-meu-boi (2) vão estar presentes influências artísticas e personagens das três raças, raízes do povo brasileiro.

NOTAS:
1) A palavra batismo ficou conhecida na nossa cultura relacionada a atividade de São João Batista no deserto, no Rio Jordão, na qual usava a  imersão na água simbolizando a purificação e a renovação entre aqueles que aguardavam pelo Messias. Etimologicamente BATISMO vem do latim BAPTISMUS, que, por sua vez, vem do grego BAPTIZEIN, significando "banhar", "emergir". Outras formas de batismo foram praticadas em outras religiões associadas aos ritos de passagem, especialmente de nascimento e morte. O batismo pode ser feito usando outros elementos além da água, como  o sangue, o óleo, o fogo e outros. 

2) Na  postagem 92, o auto e a morte do boi,  os outros momentos que completam o ciclo do bumba-meu-boi.
3) Mais sobre o Bumba-meu-boi, neste blog, postagens 28 e 29: "O Boi na Arte Popular", de março de 2011.
4) Agradecimento especial à Juliana Manhães.
5) Fotos 1 e 2 do Batismo do Boi da Floresta Paz do Brasil, de Julia Andrade, São Luiz - Ma.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

88- O Boi e o Menino Vietnamita






O boi e, ainda mais, o búfalo, preciosos auxiliares do homem, são respeitados em toda Ásia oriental. Servem de montaria aos sábios. Particularmente serviu a Lao-Tsé, em sua viagem às fronteiras do oeste. 
Na atitude desses animais existe um aspecto de doçura e de desapego que evoca a contemplação.
Entre as populações montanhesas do Vietnã, para as quais o sacrifício do búfalo é um ato religioso essencial, esse animal é respeitado como um ser humano. Sua morte através de um rito sacrificial, transforma-o no enviado, no intercessor da comunidade junto aos Espíritos superiores. 
O menino da foto vive numa aldeia remota no norte do Vietnã. Ele fica sozinho, brincando com o boi, enquanto seus pais trabalham no plantio de arroz. 
Na primeira foto ele contempla o boi no centro de um lago redondo, que remete à imagem de uma mandala, palavra sânscrita que significa círculo. C. G. Jung recorre à mandala para designar uma representação simbólica da psique, cuja essência nos é desconhecida. Ele observou ainda que essas imagens são usadas para consolidar o ser interior ou para favorecer a meditação em profundidade.
 Na segunda foto, enquanto o boi caminha pelo pasto, o menino repousa sobre seu dorso totalmente sereno. Tem a cabeça na direção da cauda do animal fazendo na forma Menino-Boi uma alusão ao Yin-Yang, símbolo taoísta da harmonia e balanço entre opostos. 

FONTES:
1)
 Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos, José Olympio, 18ºed.

2) Essas e outras fotos: http://www.funzug.com/index.php/miscellaneous/the-boy-and-the-bull.html#1FVY6MOkVgJEZm0s.99