terça-feira, 28 de dezembro de 2010

14- O Dia da Caça?


Ainda hoje, sob o pretexto de ser uma atração turística, A Farra do Boi é facilitada em Florianópolis e em outras cidades do Brasil apesar de ter sido oficialmente proibida em 1997.
Mas alguma coisa parece ter mudado...


Nota:
Para maiores detalhes sobre a notícia da foto visite: 
http://www.anda.jor.br/2010/12/27/suspeitos-de-farra-do-boi-em-florianopolis-sc-sao-liberados-pela-policia/

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

13- Uma reflexão para o final de 2010



'A razão torna-se não-razão quando separada do coração.
Uma vida psíquica vazia de idéias universais adoece de desnutrição'.
(C. G. Jung, CW Vol XVIII, parag. 744)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

12- A Farra do Boi e o Inconsciente Coletivo (2a parte de 2)


Em todos os tempos o sacrifício da instintividade representada pelo animal serviria para que o homem fosse capaz de conquistar a energia psíquica para as atividades conscientes.
Na teoria junguiana um tema como esse que é recorrente em mitos, religiões, contos de fadas e em outros produtos da criatividade humana é uma representação arquetípica.
Sua origem é o arquétipo, 'forma pré-existente e inconsciente que parece fazer parte da estrutura psíquica herdada e pode, portanto, manifestar-se sempre e por toda parte.'(*) 
A figura acima mostra Mitra, o deus indo-persa de 2000AC, no sacrifício ritual do touro sagrado. Esta representação tem elementos iconográficos fixos: Mitra surge como o barrete frígio e olha para o touro com compaixão. Inclinado sobre o touro, o deus degola-o com uma faca sacrificial. Da ferida do touro nasce trigo, o alimento essencial e primordial, que também evoca nesse contexto a morte e o renascimento.
O rito principal da religião mitraica era um banquete que tinha algumas semelhanças com a eucaristia do cristianismo. Segundo achados arqueológicos os alimentos oferecidos no banquete eram o pão e o vinho. Num determinado momento introduziu-se o rito de batismo dos fiéis com sangue de um touro, prática comum a outras religiões orientais.
Há indícios do culto à Mitra até meados do século III DC no Império Romano.
O sacrifício ritual do touro de 2000 AC até quase 2000 DC, na Farra do Boi (1), mostra que o inconsciente coletivo não é uma questão filosófica, mas sim uma constatação empírica.


(*) C.G. Jung, 'Memórias, Sonhos e Reflexões' Ed. Nova Fronteira.
(1) Sobre a  Farra do Boi,  ver postagem  de setembro

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

11- A Farra do Boi e o Inconsciente Coletivo (1a parte de 2)


O ritual da Farra do Boi inspirou Dra Nise não só na luta em defesa do direito dos animais, mas também na busca pelo aprofundamento da compreensão simbólica do sacrifício do touro, presente em diferentes culturas.
Como resultado da sua pesquisa, em 1989 publicou o livro A Farra do Boi.
Encontrou nos escritos de Tertuliano, teólogo cristão do século III, um texto que pareceu ter sido escrito especialmente para o desenho acima, que serviu de ilustração para a capa do livro:
“O Cristo foi denominado touro por causa de duas realidades. Ele é uma parte duro (ferus) como um juiz e de outra parte manso (mansuetus) como um salvador. Seus cornos são a extremidade da cruz”.
O autor do desenho, Octávio, era esquizofrênico, negro, semi-analfabeto, freqüentador do atelier de pintura do Museu de Imagens do Inconsciente. A intenção de representar Cristo é tão clara que usou no alto da cruz as letras características: INRI.
Para explicar o surgimento de certas idéias, de certas imagens não só na esquizofrenia, mas também nos sonhos e fantasias de pessoas normais, Jung postulou a existência de uma estrutura psíquica básica. Chamou de inconsciente pessoal à camada mais superficial do inconsciente onde fervem as emoções, desejos e conflitos reprimidos do sujeito. Devido ao seu caráter universal denominou inconsciente coletivo às camadas mais profundas, onde tomam forma representações correspondentes a experiências primordiais da humanidade.


Sobre A Farra do Boi, postagem número 1, de setembro.
Sobre Dra Nise da Silveira, postagem número 2, de novembro.


terça-feira, 30 de novembro de 2010

10- E Agora Descartes? (3a parte de 3)

Dra Nise e o gato

A boa nova é que nos paises mais desenvolvidos a tendência geral é de diminuir cada vez mais a vivissecção e a experimentação irrestrita com os animais.
E mais, motivados talvez por níveis de consciência que evoluíram na mesma direção da Dra Nise, avançam na Espanha movimentos pela proibição das tradicionais touradas.
O sacrifício animal que serve à ciência ou às representações simbólicas deixou de ser um fato consumado. Faz parte de uma reflexão atual que entende a importância de integrar todas as partes externamente na cultura e internamente na psique.

'Olhando para o próprio umbigo', fica como proposta  para refletir:

Como você vê seu lado animal?

Usa a palavra animal somente como ofensa a pessoas ou grupos sociais que rejeita?


Foto: O Globo, 30/03/2009.
Sobre Dra Nise da Silveira, postagem número 2, de novembro de 2010.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

9- E Agora Descartes? (2a parte de 3)


No Século XVII, era assunto consumado os animais não possuírem inteligência, sentimento e muito menos uma individualidade.
Até o início do século XX, afirmações em contrário eram classificadas como projeções antropomorfistas.
A partir dos anos 60, pesquisas científicas iniciadas duas décadas antes, começaram a produzir pistas sobre a possível existência da capacidade cognitiva e da auto-consciência no animal.
Cito como exemplo as experiências realizadas por Gordon G. Gallup, em 1970, em chipanzés adultos que comprovaram a capacidade deles reconhecerem a própria imagem no espelho.
Realizado o mesmo procedimento em seres humanos, ficou demonstrado que essa capacidade só começa a se manifestar nos bebês a partir dos dezoito meses a dois anos de idade, sendo que 30% das crianças autistas nunca a desenvolvem.
Esses resultados e outros que acenam para uma auto-consciência suscitam novas discussões éticas sobre os direitos  dos animais.
O que vigora em nossa cultura contemporânea sobre esse tema e que se reflete em benefícios a interesses econômicos, ainda se relaciona com o paradigma cartesiano.
Como disse o Dalai Lama: "A ciência é um método de ir além de visões arraigadas. Ficando preso a um sistema filosófico o cientista se torna um crente".
E agora Descartes?

REFERÊNCIAS:
‘E agora Descartes?’, O Globo Planeta Terra, outubro/2010
‘A filosofia da mente e o direito dos animais’, João Fernandes Figueira, Phd pela Universidade de Essex, Inglaterra e pós doutorado com Daniel Dennet nos EUA, Revista ‘Filosofia da Ciencia e Vida’, numero 42.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

8- E Agora Descartes? ( 1a parte de 3)

"A Queda da Farra do Boi" , MAM-RJ/89

Por que a maioria das pessoas não pensa no animal como uma individualidade?

Nise da Silveira: Talvez por arrogância, talvez por influência da filosofia de Descartes, para quem o animal não possui razão nem sentimento... Jung foi um homem que levou a psique ao encontro da matéria. Se aproximou de algo em psicologia à (física de) Einstein. Uma coisa é considerar que matéria e espírito são um só. Outra é a visão cartesiana que considera matéria, o bicho, e o homem uma máquina que funciona isolada (do "bicho") com a razão no alto da cuca, comandando.

Dra Nise tinha uma gata chamada Cléo que dizia ser leviana e um gato chamado Mestre Onça que dizia ser um grande sábio. Dos gatos admirava a dignidade ao morrer, dos cães a capacidade de perdoar.
Captava a personalidade dos bichos assim como é comum fazermos com os homens e as mulheres.
Também não seremos capazes disso se questionarmos a crença cartesiana de que bicho é só matéria?

A mudança de uma crença pode alterar um olhar?

Existem crenças tão antigas que parecem até verdades absolutas.

A mudança de um olhar pode alterar uma crença?

NOTAS:
Ref.: "Nise da Silveira", Coleção Encontros, organizador Luiz Carlos Mello.
Foto: Mariza Almeida
Sobre "A Queda Farra do Boi" e Dra Nise da Silveira, ver postagem de setembro e as anteriores a essa de novembro de 2010.

sábado, 20 de novembro de 2010

7- Dra Nise X A Farra do Boi (3a parte de 3)


O sacrifício dos animais está presente em quase todas as religiosidades. O animal representa algum aspecto do próprio indivíduo. Tripudiar e matar o boi é  como sacrificar a instintividade potente do homem.
Como dizia Dra Nise “Matar um animal é matar parte de si mesmo”. E lembra que “...antes de Cristo, Empédocles já nos dava um belo exemplo de sensibilidade. As Olimpíadas realizadas na Grécia eram não só esportivas mas também de poemas. Antes de declamar um poema os participantes tinham que fazer um sacrificio a Apolo. Era o sacrificio de um touro. Empédocles dispensou o animal. Pediu farinha de trigo e substancias aromáticas. Modelou um touro com as mãos e ergueu a Apolo recitando seu poema”.
Em 89, Dra Nise estava com 84 anos. Era conduzida numa cadeira de rodas vestindo sua máscara de onça, séria como uma criança quando brinca.
Naquele dia festejamos poeticamente dançando e cantando uma outra forma de farra do boi.


Foto: Mariza Almeida

6- Uma história do tempo do onça



No carnaval de 58 minha mãe me fez uma fantasia linda de oncinha com máscara e tudo.
Sei que com a imaginação que tinha aos 3 anos, eu gostei muito de me transformar naquela oncinha! Só assim tive menos medo dos grupos de clóvis que passavam nas ruas fazendo barulho e brincando com seus bate-bolas...
Na semana seguinte, não deu outra. Dei uma dentada na bochecha do meu melhor amigo, o Serginho.
Ele abriu o berreiro e logo todos chegaram para ver o que se passava.
Minha mãe se zangou, pode-se dizer que "ficou uma onça", e me fez prometer que aquilo nunca mais aconteceria.
Quando os ânimos se acalmaram, pude por fim revelar a verdade: “Mamãe, não fui eu. Foi a onça!”

Foto de Aloysio de Andrade, meu pai
Ao meu lado, minha prima Ana Maria

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

5- A Máscara de Oncinha da Dra Nise


Maria Aché, dançarina, coreógrafa, compositora e minha amiga no Facebook, teve um papel importante nesse evento e me presenteou com mais informações.
“Adorei, Julia! Lembrar a Dra Nise é sempre maravilhoso. Essa máscara de onça que ela está usando foi feita por mim.
O evento foi produzido no Circo Voador, na Lapa, junto com o I Festival de Samba e Capoeira e terminou com esta Farra do Boi no MAM.
Foi um mega evento inventado pelo Perfeito Fortuna num surto de criatividade e entusiasmo, qualidades que, aliás, nunca lhe faltaram.
Tínhamos produzido várias máscaras de bichos para o desfile no Sambódromo.
Joãozinho Trinta preparou uma enorme baleia feita com uma estrutura de bambu sobre um carro pipa. Era uma baleia que esguichava água na avenida.
Eu preparei as máscaras e quando a Dra Nise chegou, foi direto na de onça, se atracou com ela e não tirou mais até o final do evento, no MAM.
Foi incrível vê-la na cadeira de rodas, feliz como uma menina, participando e vibrando com tudo! Muito legal mesmo.”

Obrigada, Maria.

Foto de Mariza Almeida

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

4- Perguntas & Refexões

Você já presenciou alguma forma de sacrifício animal?
Qual é seu sentimento?
O que pensa sobre o tema?

'Na literatura e fora dela você encontra muita gente que gosta dos gatos e outras que são inimigas dos gatos. O gato une e separa, porque é um ser muito peculiar. As pessoas que amam o poder e desejam mandar geralmente não gostam do gato. O gato só faz o que bem entende. Ele é um monarca absoluto. Baudelaire não sugere apenas o gato "externo". As pupilas do gato voltam-se para dentro. Em sua poesia ele revelou os opostos da psique'. (Nise da Silveira, Coleção Encontros, organizador Luiz Carlos Mello)

Foto: Mariza Almeida

terça-feira, 16 de novembro de 2010

3- Dra Nise X a Farra do Boi (2a parte de 3)


Um bode era separado do rebanho para ser sacrificado como parte das cerimônias hebraicas do Yom Kipur, o Dia da Expiação. O sacerdote punha suas mãos sobre a cabeça do animal e confessava os pecados do povo de Israel. Posteriormente, o bode era deixado para ser morto na natureza selvagem, levando consigo os pecados de toda a gente.
O termo bode expiatório passou a ser usado no sentido figurado em referência a algo, alguem ou ao grupo que é escolhido para levar sozinho a culpa de uma calamidade, crime ou qualquer evento negativo sem a constatação real dos fatos. Um exemplo clássico são as mulheres na Idade Média, que sob o menor pretexto eram declaradas bruxas. Acusadas de personificarem o mal  eram condenadas a morte na fogueira.
Em termos junguianos, o bode expiatório serve de tela para a projeção da sombra de uma determinada comunidade. A sombra é “a coisa que uma pessoa não tem desejo de ser”(C. G. Jung, CW 16, 470). Quando conteúdos inconscientes da mente são reprimidos, podem irromper sob a forma de emoções negativas de maneira destrutiva.
A idéia do bode expiatório é arquetípica, isto é, é “uma forma típica de imaginar, presente em toda parte do mundo. O elemento patológico não reside na existência dessa representação, mas na sua dissociação do consciente”(C.G. Jung, 9, 39-40). 


Nota: Na foto da colagem, Dra Nise aparece com a fantasia de onça que ela usou no dia da oficina A Farra do Boi.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

2- Sobre Nise da Silveira

Nise da Silveira é uma das mais fascinantes e inquietantes personalidades brasileiras. Como psiquiatra, iniciou um trabalho revolucionário a partir do seu inconformismo com as práticas psiquiátricas utilizadas na década de 1940, tais como eletrochoque,  insulinoterapia, lobotomia  e confinamento. Humanista e Libertária, sua obra alcançou reconhecimento internacional pela criação do Museu de Imagens do Inconsciente e da Casa das Palmeiras.
Defendeu com veemência outra categoria de seres marginalizados em nosso meio; os animais, elevando-os à condição de coterapeutas no tratamento psicoterápico, outra iniciativa pioneira em seu largo leque de realizações.

Nise da Silveira: Maceió 15 de fevereiro 1905 - Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1999.

Fontes: site www.museuimagensdoinconsciente.org.br e 'Nise da Silveira, Encontros', organização Luiz Carlos Mello,RJ , 


quinta-feira, 30 de setembro de 2010

1- Dra Nise X a Farra do Boi (1a parte de 3)

Em 1989, tive a oportunidade de participar de um evento liderado pela Dra Nise da Silveira no pátio do MAM, em protesto à Farra do Boi. A Farra do Boi é um elemento da cultura popular do litoral de Santa Catarina que teria sido trazida ao Brasil por açorianos há 200 anos. Na década de 80, o ritual passou a ser muito combatido. Foi finalmente proibido a partir de 1997 por ter sido considerado excessivamente cruel com o animal. É atribuída a esse ritual uma conotação simbólica-religiosa relacionada à Paixão de Cristo, onde o boi faria o papel de Judas. Outros entendem que o animal simboliza satanás e através da tortura e morte do boi as pessoas se livrariam de seus pecados. O objetivo final é o de repartir  a carne do boi entre os participantes.
Embora seus proponentes defendam que essa prática faz parte de sua herança cultural, foi classificada por Franklin Cascaes, folclorista de prestígio e especialista  na cultura local, como “vampirismo medieval.”
A Farra do Boi retoma em parte a idéia do antigo ritual hebraico do bode expiatório descrito na Bíblia no Levíticocapítulo 16. (continuação postada em novembro)


Foto de Mariza Almeida