quinta-feira, 30 de junho de 2011

45- Reflexões Heroicas 1 - "Somos todos heróis ao nascer"

Estátua romana - séc. II aC
Hércules-bebê enfrentando as serpentes (1)

Somos (todos) heróis ao nascer. Enfrentamos no nascimento uma tremenda transformação, tanto psicológica quanto física, deixando uma condição de criaturas aquáticas no líquido amniótico, para assumirmos a condição de mamíferos que respiram o oxigênio do ar e andam sobre a terra.
Ao longo da vida, teremos que enfrentar outros tantos momentos de profunda transformação. São ciclos de morte e renascimento que nos remetem ao nascimento biológico, nosso ato heroico original.

O herói, segundo Joseph Campbell (2), segue um caminho arquetípico que pode ser descrito em dez passos:

1- Nascemos (todos) heróis. Isso é um dote.
2- Temos um chamado para a aventura: o novo.
3- Recusamos. Ficamos no conhecido.
4- Segue-se uma crise.
5- Não podemos voltar atrás, então, finalmente atendemos ao chamado.
6- Juntamos aliados (terapeutas, professores, guias...).
7- Cruzamos a fronteira desconhecida.
8- Perdemos nossa identidade e afundamos num abismo.
9- Retornamos do abismo e viajamos de volta para casa, para aquilo que conhecemos.
10- Voltamos para casa, transformados.

Você já pensou quantas vezes teve que ser herói na sua vida? 
Quantas vezes teve que enfrentar mortes e renascimentos?
  
NOTAS:
1) Sobre Hércules, ler a postagem anterior desse blog.
2) Sobre o mitólogo Joseph Campbell, ler postagem 31 desse blog, de março de 2011.
3) Fontes:
- Stanley Keleman, O Mito e o Corpo, uma conversa com Joseph Campbell, Summus Ed, SP, 2001.
- Fraser Boa, Conversas com Joseph Campbell- E por falar em mitos..., Verus Ed., 2004

sexta-feira, 24 de junho de 2011

44- O Boi na Grécia (parte 8 de 11) - Hércules e o Touro de Creta

Ânfora decorada com Hércules 
entregando o Touro de Creta a Euristeu

Hércules (em latim), ou Hérakles (em grego), considerado o maior de todos os heróis (1) da mitologia grega, era filho de Zeus(2) e Alcmena. 
Alcmena era neta de Perseu e esposa virtuosa de Anfitrião. Enquanto Anfitrião estava na guerra, Zeus seduz Alcmena assumindo a forma do marido e vive com ela três dias de ardente paixão. Quando Anfitrião retorna e descobre o acontecido, fica tão irado que constrói uma grande pira para queimar Alcmena viva. Zeus manda nuvens de chuva que apagam o fogo, forçando assim Anfitrião a aceitar a situação. E declara que o primogênito na descendência de Perseu (ao que tudo indica, seu filho que está a caminho) se tornará rei.
No entanto, Hera, a ciumenta esposa de Zeus, sabendo da gravidez de Alcmena faz com que nasça primeiro Euristeu, outro descendente dessa família.
Hércules, ao nascer, logo revela seu potencial heroico. Ainda no berço, estrangula duas serpentes que Hera tinha mandado para atacá-lo e ao seu meio-irmão Íflicles(3)
Quando adulto, numa crise de loucura provocada por Hera, Hércules incendeia sua própria casa, matando seus três filhos e sua esposa Mégara. Ao recuperar a razão, vai para o campo onde se isola até que um dia é encontrado por seu primo Teseu, que o convence a visitar o oráculo em Delfos para recuperar sua honra.
O oráculo dá a Hércules como penitência executar doze trabalhos impossíveis, estipulados por Euristeu, o primo que havia herdado o seu direito de ser rei por interferência de Hera. 
Todos os trabalhos seguem o mesmo modelo: Hércules é enviado para matar, subjugar ou buscar uma planta ou um animal mágico para Euristeu oferecer à Hera. No sétimo trabalho, o Touro de Creta deveria ser levado vivo até Euristeu.
Conta a lenda que o Touro de Creta emergiu do mar Egeu enviado pelo deus Poseidon a pedido de Minos, para garantir sua sucessão ao trono. Minos deveria sacrificar o animal à Poseidon, mas fascinado pela beleza do touro branco, mistura-o com outros do seu rebanho e sacrifica um animal de menor valor. Esta desobediência provoca a ira de Poseidon, que castiga Minos, tornando o animal incrivelmente furioso. Pasífae, mulher de Minos, também é enfeitiçada. Cheia de desejo mantem relação com o Touro de Creta, gerando o Minotauro (4).
O Touro passa a aterrorizar toda ilha, atacando a população que é forçada a refugiar-se em suas casas.
Hércules desembarca em Creta para enfrentar mais um desafio. Subjuga o Touro pelos chifres e vai montado em seu dorso até Argólia, onde entrega o animal vivo a Euristeu. Este vai oferecê-lo a Hera. A deusa, não querendo aceitar um presente vindo de Hércules, põe a fera novamente em liberdade. Teseu, mais tarde, acaba por capturá-lo nas planícies de Maratona.

NOTAS:
1) O herói é resultado da união entre um deus ou uma deusa com um ser humano.  Simboliza a aliança entre as forças celestes e terrestres. Embora não goze da imortalidade divina, conserva até a morte um poder sobrenatural. Podem, no entanto, conquistar por seus feitos a imortalidade. Hércules é o protótipo do herói grego imortalizado.
Do ponto de vista psíquico e moral, Hércules seria o representante idealizado da força combativa: o símbolo da vitória e da dificuldade da vitória da alma humana sobre suas fraquezas. Para C. G. Jung o herói é identificado com o poder do espírito. Sua primeira vitória é a que ele conquista sobre si mesmo. O herói simboliza o impulso evolutivo, o conflito da psique que se agita pelo combate contra os monstros da perversão.
2) Sobre o complexo de Zeus, ver postagem 43 deste blog.
3) Foto de Hércules-bebê enfrentando as serpentes, na próxima postagem - "Reflexões Heroicas", deste blog.
4) Sobre o mito do Minotauro, ver postagens 36, 37, 39 e 40 deste blog.
5) Fontes:
- Dies  Paul, Le simbolism dans la mythologie grecque, Paris, 1960.
- Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos, José Olympio, 18ºed.
- Tassilo Orpheu Spalding, Dicionário de Mitologia Greco-Latina, Itatiaia, MG, 1965.

sábado, 18 de junho de 2011

43- O Boi na Grécia (parte 7 de 11) - O Mito de Europa

Rapto de Europa por Zeus disfarçado de touro
pintura mural de Pompéia

Europa era uma princesa fenícia, filha de Aginor e Telefasa. Zeus(1), o deus supremo dos antigos gregos, ao vê-la se divertindo com as amigas na praia de Sidon, fica maravilhado com sua beleza e se apaixona por ela. Temendo ser recusado caso se apresentasse naturalmente, Zeus decide transformar-se num belo touro. Encarrega seu filho Hermes de conduzi-lo junto com o rebanho dos bois do rei, desde os altos prados até a praia onde as jovens estavam.
Zeus prostra-se aos pés de Europa na forma de um touro branco de feições nobres, com chifres inofensivos lembrando a lua crescente. O susto inicial provocado pela proximidade do animal, logo vai se transformando em confiança e as jovens começam a afagá-lo nos flancos e na cabeça, até que Europa decide sentar-se sobre o touro. Sem demora, Zeus ergue-se e lança-se ao mar levando consigo Europa no seu dorso que, em vão, grita pedindo socorro às amigas perplexas.
Para não cair das costas do touro, Europa agarra-se aos chifres durante a longa viagem até Creta. Lá Zeus reassume a forma humana. O casal se une na fonte de Gortina, sob a frondosa sombra dos plátanos que daquele dia em diante, nunca mais perderam suas folhas no inverno, dado que serviram para amparar o amor de um deus.
Da união de Zeus e Europa nasceram três filhos: o valente Sarpidon, o justo Radamantes e o legendário Minos, rei de Creta, de cuja família nascerá posteriormente o Minotauro, monstro com cabeça de touro e corpo humano(2).
Zeus, porém, não podia restringir-se à sua bela Europa. Antes de partir, dá a ela três prendas como recompensa. A primeira foi Talo o autômato, feito de bronze para cuidar das costas de Creta contra os desembarques estrangeiros. A segunda, foi um cão que nunca ladrava nas caçadas e conseguia sempre agarrar suas presas. Por último, um surpreendente dardo que sempre e sem exceção acertava o alvo eleito. Faz ainda com que Europa se case com Asterion e juntos se tornem os primeiros reis de Creta.
O pai de Europa, nunca soube o que havia acontecido com ela. Diz a lenda que ele continuou a procurá-la para alem da Grécia. Passou por muitos lugares em busca da sua filha, gritando seu nome por todo continente que agora é conhecido pelo nome de Europa.

NOTAS:
1) Zeus simboliza o reino do espírito. É o organizador do mundo exterior e interior. Dele depende a regularidade das leis físicas, sociais e morais. Segundo Mircea Eliade, ele é o arquétipo do chefe da família patriarcal.
A psicologia moderna denunciou em certas atitudes de liderança o que podemos chamar complexo de Zeus. É uma tendência a monopolizar a autoridade e a destruir tudo o que possa parecer no outro uma manifestação de autonomia, seja ela a mais razoável e promissora.
2)Sobre o mito do Minotauro, ver postagens 36, 37, 39 e 40 deste blog.
3) Fontes:
- Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos, José Olympio, 18ºed.
- Tassilo Orpheu Spalding, Dicionário de Mitologia Greco-Latina, Itatiaia, MG, 1965.

terça-feira, 7 de junho de 2011

42 O Boi na Grécia (parte 6 de 11) - O Mito de Io


Ânfora decorada com Zeus e Io
Io é  uma das paixões de Zeus, o deus supremo do Olimpo. Seu mito foi narrado por Ésquilo, em Prometeu Acorrentado, e também por Ovídio, em Metamorfoses.
Io era sacerdotisa da deusa Hera, esposa de Zeus. Encantado pela beleza de Io,  Zeus resolve cortejá-la cobrindo o mundo com um manto de nuvens escuras, numa tentativa de esconder seus atos da visão de Hera. A estratégia falha e a deusa, desconfiada, desce do monte Olimpo para averiguar.
Tentando iludir novamente a esposa ciumenta, o deus transforma a amante numa belíssima novilha branca. Intrigada pelo interesse do marido no animal, Hera exige a novilha para si, colocando-a sob a guarda do gigante Argos, que mesmo dormindo mantinha abertos cinqüenta de seus cem olhos. Zeus então encarrega seu filho Hermes de libertar sua amada. Usando a flauta de Pã, Hermes consegue fazer dormir os cinqüenta olhos despertos do gigante, para em seguida cortar lhe a cabeça. Hera recolhe os olhos do seu servo e os coloca na cauda do pavão, animal consagrado a ela.
Io fica livre do cativeiro, mas não dos tormentos de Hera. O fantasma de Argos continuava a persegui-la e a deusa envia um moscardo para picar a novilha constantemente.
Durante uma longa e penosa fuga, Io percorre a esmo praias banhadas pelo mar que vem a receber seu nome (Mar Iônico). Cruza a nado o estreito de Bósforo,  nome também dado em sua homenagem, cujo significado é Passagem da Vaca. Até que chega ao monte Cáucaso onde encontra Prometeu acorrentado a uma rocha. O titã diz que, ao alcançar o Egito, ela terá restaurada sua forma humana e nascerá seu filho, o primeiro de uma linhagem que culminará com Hércules, futuro libertador de Prometeu.
Finalmente chegando às margens do Nilo, cansada de tanto sofrimento, Io implora a Zeus por um fim. O deus comovido fala com Hera e ambos restauram-lhe a forma humana. Quando o filho Épafo nasce, é roubado sob as ordens de Hera, mas Io recupera o menino e reina no Egito com o nome de Ísis, casada com Telégono. Sua coroa tem dois pequenos chifres de ouro, lembranças de sua transformação.
O mito de Io pode ser visto como uma alegoria lunar, na qual a novilha representaria o movimento da lua e os olhos de Argos o céu estrelado. Uma pequena lenda paralela diz que as lágrimas da novilha Io caíram sobre as asas de um inseto dando origem à bela borboleta Inachis Io. E ainda recebeu seu nome uma das luas do planeta Júpiter, que corresponde a Zeus na mitologia romana.

NOTAS:
1) Veja na postagem anterior O Touro no Zodíaco.
2) Fontes:
- Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos, José Olympio, 18ºed.
- Tassilo Orpheu Spalding, Dicionário de Mitologia Greco-Latina, Itatiaia, MG, 1965.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

41- O Boi na Grécia (parte 5 de 11) - O Touro no Zodíaco

Mapa Celeste,
xilogravura de Albrecht Durer de 1515

Zodíaco (zodiakós), 'pequeno animal' em grego, define o espaço do céu que o sol  percorre em um ano. O Zodíaco é um símbolo em si e ao mesmo tempo um conjunto de símbolos particulares. É o mais carregado de significado e o mais universalmente divulgado. Em todos os países e em todas as épocas exploradas pela ciência histórica, encontramos o Zodíaco, mais ou menos idêntico com sua forma circular e suas subdivisões. Por toda parte é associado aos mais importantes monumentos humanos: templos, locais onde são celebrados mistérios e iniciações.
No nosso Zodíaco ocidental, a constelação que corresponde ao signo de Touro é uma das suas doze subdivisões, todas denominadas segundo a mitologia grega. Para alguns autores o touro que aparece no céu seria o animal sob cuja forma Zeus(deus supremo do Olimpo) raptou Europa. Para outros, seria Io. Não seria portanto um touro e sim uma vaca! Tanto Io quanto Europa são duas das muitas paixões de Zeus, todas odiadas e perseguidas por sua mulher, Hera (1).
Na astrologia, cada signo descreve um aspecto do ciclo evolutivo completo representado pelo Zodíaco. É atribuído ao signo de touro o esforço e a elaboração do numem (2) e do sêmem. Segundo signo do Zodíaco (21 de abril a 20 de maio), touro é regido por Vênus, o que quer dizer em liguagem astrológia, que essa parte do céu se encontra em perfeita harmonia com a natureza deste planeta. 
É símbolo de grande força de trabalho, de todos os instintos e principalmente do instinto de conservação, de sensualidade e de uma propensão exagerada para os prazeres.


NOTAS:
(1) Acompanhe nas próximas postagens, O Mito de Io e O Mito de Europa.
(2) Numem é um termo do latim que significa  o poder ativo do divino. Numinoso é um conceito de Rudolf Otto que designa o inexprimível, misterioso, tremendo, o "totalmente outro", propriedades que possibilitam a experiência imediata do divino. O termo  aparece anteriormente neste blog na postagem 22, O Boi na Arte Rupestre.
(3) Fontes:
- Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos, José Olympio, 18ºed.
- Tassilo Orpheu Spalding, Dicionário de Mitologia Greco-Latina, Itatiaia, MG, 1965.