terça-feira, 24 de maio de 2011

40- Reflexões Minotaurinas

Dra Nise com máscara de oncinha 
na "Queda da Farra do Boi" -  pátio do MAM/89 (1)

 Dra Nise da Silveira: "Jung estudava a história da psique. Constatou que componentes típicos de mitos continuam emergindo cada noite nos sonhos dos homens de hoje. Tanto que eu digo às pessoas que aparecem aqui no Museu do Inconsciente e querem estudar comigo: comprem um escafandro! O inconsciente é um oceano(...) Você não poderá entender a psique, o processo da doença, da perturbação que ocorre no mundo interno, se você não desce até o fundo. E nesses extratos, o inconsciente de todos nós é comum. Daí Jung ter chamado de inconsciente coletivo(...) Só assim que você  pode compreender que uma moça paciente do ateliê do museu, semi-analfabeta, nascida no interior de Campos, repita em suas pinturas o mito grego de Daphne. E desça ainda mais profundamente, vá até o paleolítico, às mães do paleolítico. E depois suba, quando ela volta a pintar a Grande Mãe da nossa época que é a Virgem Maria." 

Dra Nise usou o oceano como metáfora do inconsciente. O escafandro (vestimenta impermeável e hermeticamente fechada, provida de um aparelho respiratório, própria para o mergulhador permanecer muito tempo no fundo da água ), ela usou para designar a estrutura psíquica necessária ao analista, para poder chegar no fundo, junto com o paciente, e voltar ileso à superfície.
No mito do Minotauro, o labirinto é a metáfora do inconsciente. O fio de Ariadne faz o papel que corresponde ao escafandro no oceano, ajuda Teseu a ir ate o centro  e encontrar o caminho de volta até a luz. É o agente de ligação com o Princípio de todas as coisas (2).


NOTAS
1) A Farra do Boi é um ritual hediondo que apesar de proibido desde 1997, ainda hoje é praticado em Santa Catarina. Esse blog se inicia com o relato sobre meu encontro com a Dra Nise da Silveira na oficina pela Queda da Farra do Boi. Para mais detalhes ver postagens 1 a 5 deste blog. 
2) Sobre o mito de o Minotauro, ler postagens 36 , 37 e 39 deste blog.
3) Foto: Mariza Almeida
4) Fontes: 
- Mello, Luiz Carlos, Encontros Nise da Silveira, Beco do Azougue Ed., 2009.
- Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos, José Olympio, 18ºed.



segunda-feira, 16 de maio de 2011

39- O Boi na Grécia (parte 4 de 11) : O Minotauro e a Coroa de Ariadne

Mapa Celeste-detalhe
 Constelação Corona Borealis, a coroa de Adriadne (1)
Monstro de corpo de homem e cabeça de touro, o Minotauro simboliza o resultado de um estado de dominação perversa de Minos e de Pasífae.
Minos é a avidez de poder, a inconseqüência, a leviandade, enquanto Pasífae é a soma de um amor culpado, um desejo desmedido, o erro, recalcados no labirinto do  inconsciente.
Os sacrifícios consentidos ao monstro são novas faltas que se acumulam, são mentiras e subterfúgios que alimentam ainda mais esse estado.
Aquilo que permite Teseu retornar à luz, representa o auxílio espiritual necessário para vencer esse monstro.
Segundo uma lenda, não foi apenas o fio de Ariadne que permitiu Teseu voltar das profundezas do labirinto, mas também sua coroa luminosa. (1)
A forma circular luminosa da coroa indica a perfeição e a participação da natureza celeste unindo na pessoa do coroado o que está abaixo com o que está acima dele. É um prenúncio de uma época pura, regenerada que se segue a um período de trevas.
Segundo o psicanalista e mitólogo Paul Diel, o mito do Minotauro simboliza em seu conjunto o combate espiritual contra o recalque, que é a exclusão do campo da consciência de certas idéias, sentimentos e desejos, que o indivíduo não quisera admitir, e que, no entanto, continuam a fazer parte da vida psíquica, suscitando, não raro, graves distúrbios. 

NOTAS
(1) Numa versão do mito, Teseu e Ariadne a caminho de volta para Atenas, passam uma noite na ilha de Naxos, onde ele tem um sonho em que Dionisos o ameaçava se não lhe deixasse Ariadne. Temeroso, Teseu segue seu caminho, deixando-a para trás. Vendo Ariadne desesperada ao acordar sozinha, Afrodite sente piedade e lhe dá por esposo o deus Dionisos.
Noutra versão, é Dionisos quem se apaixona e rapta Ariadne de Teseu.
O deus oferece à jovem como presente de casamento uma linda coroa de ouro cravejada de pedras preciosas, que a pedido dela, é atirada ao céu após sua morte.
Conservando a forma circular, a coroa de Ariadne logo se transforma numa constelação, Corona Borealis, repleta de estrelas brilhantes.
Teseu, aproximando-se do seu destino, se esquece de trocar as velas pretas do seu navio por velas brancas. Do alto do rochedo, quando avista a embarcação , Egeu (seu pai) imaginando o filho morto, precipita-se ao mar.

(2) Fontes
- Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos, José Olympio, 18ºed.
- Paul Diel, Le symbolisme dans la mythologie grecque, Payot, Paris, 1966.
- Tassilo Orpheu Spalding, Dicionário de Mitologia Greco-Latina, Itatiaia, MG, 1965.

(3) Sobre o mito de o Minotauro ler postagens 36 e 37 deste blog.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

38- Moloch, o terrível deus-boi fenício


Melek significava rei nas línguas semitas. Transformou-se no nome Moloch, uma divindade de origem fenícia. Sua aparência era de corpo humano com a cabeça de boi. No seu ventre havia uma cavidade em que o fogo era aceso para consumir sacrifícios de crianças.
O fortalecimento do povo hebreu e de outras culturas da península arábica, acabaram por fazer com que desaparecesse o costume de adoração a Moloch. Pelas ordens de Deus dadas ao povo hebreu através de Moisés, era proibida e severamente punida a adoração a Moloch bem como o sacrifício de crianças (Levítico, 18, 21). Mas os judeus, inclusive Salomão e outros reis, recaíram diversas vezes nessa idolatria.
Esse culto cruel foi aproximado do mito do Minotauro, que devorava periodicamente sua ração de jovens; do mito de Cronos que devorava os próprios filhos; dos sacrificados aos deuses incas. 
Moloch representa a imagem do tirano, ciumento, vingativo, sem pena, que exige de seus súditos obediência até a morte e confisca todos os seus bens, até mesmo os filhos, destinados à morte na guerra ou no sacrifício. As piores ameaças do rei todo-poderoso obtém submissão absoluta de seus súditos.
Nos tempos modernos, Moloch tornou-se o símbolo do Estado tirânico e devorador.


Fonte: Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos , Ed. José Olympio, 18º ed. 

segunda-feira, 2 de maio de 2011

37- O Boi na Grécia (parte 3 de 11) : O Minotauro e a Máscara do Touro

 Pablo Picasso usando sua Máscara de Minotauro (2)

Uma explicação histórica do mito do Minotauro(3) se refere ao período em que Creta era a principal potência política e cultural do mar Egeu. Atenas e provavelmente outras cidades gregas continentais pagavam tributo a Creta, podendo-se assumir que este tributo incluía jovens de ambos os sexos, destinados ao sacrifício-ritual. A cerimônia era executada por um sacerdote que utilizava uma máscara ou cabeça de touro, o que explicaria então o imaginário relacionado ao Minotauro. O uso da máscara de cabeça de animais era comum em rituais primitivos, quando o objeto em si ou o personagem que o usava representavam algum misterioso poder.
De acordo com o estudioso britânico A. B. Cook, Minos e o Minotauro são duas formas diferentes do mesmo personagem do deus-sol dos cretenses, que retratavam o sol na forma de um touro. Tanto Cook quanto o antropólogo escocês J. G. Frazer explicaram a união de Pasífae com um touro como uma cerimônia sagrada, na qual a rainha se casava com um deus em forma de touro
Com a Grécia continental livre do domínio cretense, o mito do Minotauro teve como papel distanciar a incipiente consciência religiosa helenica das crenças minoicas. A morte do Minotauro pelo herói ateniense (Teseu) marcaria também o rompimento das relações tributárias de Atenas com a Creta minoica.


Notas:
1) Foi graças a uma máscara do Boi da Cara Preta que cheguei em 1989 à oficina pró "Queda da Farra do Boi"onde conheci Dra Nise da Silveira. Esse blog se iniciou e vem se desdobrando a partir dessa experiência que foi de grande significado no meu processo de individuação. 
Para melhor entendimento, recomendo aos que ainda não leram, as postagens "Nós na Farra do Boi" (15) e "Eu na Farra do Boi"(16), de janeiro de 2011.
2) Nos anos 30, Picasso produziu centenas de peças em torno do tema do Minotauro, em que expressa muito mais sua paixão pessoal do que a figura da mitologia clássica. Esta serve apenas de espelho para seu mundo interior.  
Na postagem "O Boi e a Arte" (25), de fevereiro de 2011, é mostrada a série "Bull" de Picasso. É mais um aspecto da forte identificação do pintor com os simbolismos do touro.
3) Sobre o Mito do Minotauro, ler postagem anterior.