quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

111- Jung e Telésforo


Enquanto a linguagem verbal é um instrumento do pensamento da lógica causal, a expressão pela imagem é um método direto. Disse C. G.   Jung:  “a imagem é uma expressão condensada da situação psíquica como um todo”.
Muitas vezes as palavras e os escritos não eram suficientemente reais para Jung.  Necessitava representar seu saber esculpindo na pedra,  como forma de apoiar em terra firme suas fantasias e conteúdos psíquicos.
Foi assim que esculpiu uma mandala (FOTO)  que tem como imagem central uma figura humana carregando uma pequena luminária. Em torno desta imagem está representada a pupila dos olhos de outra pessoa, que a vê.  Mostra como nossa imagem se vê refletida nos olhos do outro.
 Em torno da pupila, um círculo maior representa a íris, dividida em quatro quadrantes onde tem em cada par oposto os símbolos do sol e da lua, do masculino e do feminino. Nesse anel, Jung delineou a inscrição grega que assim traduziu:“O tempo é uma criança – brincando como uma criança – brincando sobre um tabuleiro de xadrez – o reino da criança. É Telésforo, que erra pelas regiões sombrias do cosmos e brilha como uma estrela elevando-se das profundezas. Ela indica o caminho para as portas do sol e para a terra dos sonhos”. 
Telésforo, que na mitologia grega simboliza a convalescença, o período subseqüente a uma doença, é filho de Asclépio, principal deus da medicina. A "doença" que Telésforo anuncia a convalescença com sua pequena luz, é o momento de imersão completa no inconsciente, na escuridão do nada absoluto, referida no texto traduzido do grego, como "sombrias regiões do cosmos".
Normalmente o tempo é representado pela figura da morte, uma caveira sinistra com uma foice na mão, mas aqui é representado por Jung na figura de uma criança que brinca, iluminando nossos caminhos pela escuridão do céu infinito. É também uma representação do Si-mesmo (self),  nossa imagem interna central, quando é reconhecido por nós no outro, no mundo, na matéria. Telésforo representa o tempo em que se resgata a luz, a discriminação, a direção em situações de obscurecimento do ego, o centro da consciência.
As imagens do tempo como a caveira que traz a foice ou como a criança que traz a luz, cada uma delas faz referência a dois tipos de vivência do tempo.
A primeira, fala do tempo linear a que nossa carne se vê submetida, facilmente percebido pelas transformações externas que manifestam o que é o desígnio do corpo e do ambiente a sua volta. É marcado pelo nascimento, vida e morte e está relacionado à forma causal de pensamento, princípio, meio e fim. Na forma causal, pensamos de trás para frente, de eventos passados mais remotos para diante numa seqüência contínua. Procuramos em causas anteriores a justificativa do que se segue. Mesmo que percebamos a existência de certos padrões cíclicos como, por exemplo, os ciclos da lua, os da menstruação ou mesmo, internamente, os ciclos psicológicos, cada evento do ciclo nunca será idêntico. São como mortes e renascimentos. 
Na mitologia grega, é  Cronos que representa o tempo relacionado à  morte, um tempo que se consome a si mesmo. Já Kayrós, é um tempo não-linear. Representa aqueles momentos que transcendem as limitações impostas pelo medo da morte, num segundo tão vasto quanto o espaço infinito.
Enquanto Cronos se refere ao aspecto quantitativo, Kayrós se refere ao aspecto qualitativo do tempo.
A palavra kayrós, em grego, significa o momento certo. Em latim, corresponde a momentum, o instante que deixa uma impressão forte e única por toda a vida. Traduz a experiência do tempo presente na qual sentimos estar vivendo na hora certa no lugar certo. É a vivência do momento oportuno em relação à determinada ação, sem o peso de cargas passadas e da ansiedade em relação ao futuro.
Jung conta que a idéia da escultura da mandala brotou, quando observando um detalhe na pedra ainda bruta viu um pequeno círculo, vislumbrando uma espécie de olho que o fitava. Como diante de um espelho, Jung usou Telésforo como simbolo do que provavelmente via refletir de si mesmo em tudo que se relacionava: "aquele que resgata luz", aquele que promove consciência em meio ao caos do inconsciente.


E você, o que vê refletido no centro da sua mandala?


FONTES:
1) Jung, C.G. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1963. 
2)Silveira, Nise. Imagens do Inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.