segunda-feira, 26 de março de 2012

72- A Arte do Boi Espermático - parte 1 de 3


Na pecuária atual o universo bovino se divide em dois grupos: de pista e de produção. O touro de pista pertence à aristocracia bovina. Ele foi escolhido no rebanho e tem por obrigação perpetuar sua herança genética, o que lhe valerá a alcunha de boi melhorador das futuras gerações, ou ainda, de boi espermático.

Recebe investimentos maciços na esperança de que se torne um campeão de beleza que  garantirá bons lucros com a venda do sêmen. Se um boi comum gasta 100 reais por mês, um animal de pista gasta acima de 10 vezes esse valor. Se o touro de pista guardar só para si suas qualidades não demorará virar carne.
Do outro lado da escala social bovina está o animal de produção que já nasce com destino certo: o abate perto dos três anos para terminar num espeto de churrascaria. Já a vida do touro de pista dura em media 13 anos e termina geralmente por morte natural, após uma vida muito pouco natural dedicada quase que exclusivamente à "arte" da produção de sêmen.

A primeira fase da excitação passa pelo tato e olfato em que o animal corteja as fêmeas no pasto. Quando o tratador percebe que o touro está em ponto de bala, encaminha-o ao lugar de coleta, onde o touro aguarda sua vez assistindo seus colegas copularem. É a segunda fase, a fase da excitação visual. Quando é levado até uma vaca qualquer, o touro monta e no momento de penetrá-la é interceptado por uma "vagina artificial"- um cano de PVC lubrificado, revestido por uma bolsa de água a 45ºC, em cuja extremidade oposta se insere um tubo de ensaio. O orgasmo sem coito é instantâneo. Apesar de centenas de milhares de filhos, o reprodutor morre virgem! Depois do clímax e de um pequeno descanso, reinicia-se a bateria de excitação para outra coleta. Após cerca de seis horas de trabalho o animal volta ao seu piquete.

 NOTAS:
1) Fonte:  "Fajardo, in memoriam, Vida e obra de um bovino espermático", de Roberto Kaz, revista Piauí de 8 de junho de 2009;
3) Agradecimento à Cecilia Bosisio.




quinta-feira, 15 de março de 2012

71- Boi e Individuação, uma curiosidade etimológica



O gado bovino era um padrão fundamental no regime de permutas. As primeiras moedas cunhadas traziam a efígie de um touro.
No período romano, a palavra “pecu”, que significava gado, dinheiro e rebanho, deu origem a vários outros termos latinos.
Em nossa língua gerou as palavras: peculiar, pecuária, pecúnia, peculato...
Em latim, peculiaris queria dizer “da própria pessoa, de sua propriedade privada”, inicialmente se referindo ao gado que ela possuía. No seu significado atual a palavra peculiar guarda o sentido do que é “único, próprio” aplicado à subjetividade.
Tornar-se peculiar e diferenciado como indivíduo é o eixo da Psicologia Analítica conforme seu autor C. G. Jung, que disse: “Individuação significa tornar-se um an-individual, na medida em que por individualidade entendemos nossa peculiaridade mais íntima, última e incomparável, o que implica que chegamos a ser o nosso próprio si-mesmo”.
Nesse sentido nosso “boi” mais íntimo, último e incomparável é o princípio e para onde evolui nosso caminho de transformações. É uma imagem do si-mesmo, referido por Jung como a origem da vida psíquica, outras vezes como sua realização, como o objetivo?  Poderia ser o centro da totalidade? E não somente o centro, mas também a circunferência total que abrange tanto o consciente como o inconsciente?
Homem-boi, homem-animal, duas faces de uma mesma moeda. A dualidade na unidade. Nesta dualidade, sendo nosso "boi" uma representação do si-mesmo, o lado “homem” então representaria o ego? O centro da parte consciente da mente?
Edward Edinger (1972) cunhou a expressão “eixo ego-self”, "eixo ego-si-mesmo".
A interação permanente entre o ego e self, se expressa na individualidade da vida de uma pessoa.

FONTES:
(1) F. Pires de Campos, Adriano, “Aspectos Gerais da Relação Homem-Touro”, artigo do livro “A Farra do Boi, do sacrifício do touro na antiguidade à farra do boi catarinense”, do Grupo de Estudos C. G. Jung, Coordenação Nise da Silveira;
(2) Jung, C. G., “Símbolos de Transformação” (CW – vol. 5).

terça-feira, 6 de março de 2012

70- O Boi, o Alpha & o Omega

 
Cristograma de Constantino (1)
Nossa escrita é alfabética, isto é, as letras representam sons.
Mas a escrita se originou e evoluiu a partir do desenho. 
Era o desenho que representava o objeto: o desenho de um peixe para dizer peixe, ou a representação de um pé significando andar, ir ou viagem. É a pictografia, sistema de escrita de natureza icônica. O significado deriva diretamente da figura que o representa, sendo, portanto um sistema figurativo.
Foi assim que o desenho da cabeça do boi foi usado de início para dizer boi, evoluindo daí para outros significados nas escritas ideográficas(2). Também gerou, nas escritas alfabéticas, a letra “aleph” do hebraico, o “alpha” do grego até nosso “a” do latim. De 3500AC pra cá o que era uma associação direta e simples foi se complexificando até suas origens caírem no esquecimento. 
Na Idade Média, quando foi criada a imprensa, em 1450, a escrita era para poucos escolhidos.  A idéia de que todos devem aprender a ler e escrever só foi difundida no século XIX.
A escrita do Egito antigo era hieroglífica (3), etimologicamente "escrita sagrada", só era acessível aos escribas. Por muito tempo essa escrita permaneceu misteriosa. Os hieróglifos só foram  decifrados no século XIX, pelo estudioso francês Jean-François Champollion.
O alfabeto hebraico também era só para os homens sábios, capazes de entender suas significações místico-religiosas. Eram atribuídos valores numéricos às letras do alfabeto. Assim, a primeira letra, “aleph” que representa a unidade é associada ao conceito de Deus, único e onipresente da cultura hebraica.
Já na cultura grega a idéia do “aleph” se subdividiu no “alpha e omega”. A letra “alpha” que é a primeira do alfabeto grego, é também o primeiro número da primeira enéade, o número 1. O “omega”, a última letra, é o oitavo número da terceira enéade, o número 800, o maior. Do “alpha ao omega” queria dizer do menor ao maior.
Na cultura cristã  Jesus Cristo é frequentemente referido como “O Alfa e o Omega”( foto), simbolizando a eternidade de Cristo, que está no começo de tudo (4) e que tudo acompanha até ao fim do mundo (5). O jesuíta Pierre Teilhard de Chardin tomou esta metáfora na sua apresentação do “omega” como final da evolução humana, associado ao “alpha”  da criação.
Jesus Cristo muitas vezes é também associado ao boi, indicando que mesmo o Filho de Deus integra sua natureza animal a sua natureza espiritual (6), “o alpha e o omega”.
A associação mais comum relacionada ao “alpha e  omega” é  de “princípio e fim”. Note-se que a expressão atual de A a Z significa totalidade. A cabeça do boi é o princípio. "Eu sou o Alpha e o omega, o princípio e o fim, diz o Senhor Deus, que é, que era e que há de vir a ser o Todo-Poderoso."(5)

NOTAS:
(1)O Cristograma, também chamado de Lábaro (labarum), é um monograma de Jesus Cristo, do qual existem diversas formas. É formado a partir das letras gregas "chi"(X) e "ro"(P), iniciais da palavra Cristo em grego, à esquerda está o "alpha" e à direita o "omega". O imperador romano Constantino I, no poder entre 306 e 337 d.C., usou este símbolo como novo padrão militar para ser exibido pelo seu exército. O imperador teria tido um sonho com este emblema, e com uma voz que lhe disse: "In hoc signo vinces", com esta sinal vencerás;
(2) Ver postagem 68, “O Boi & o Alpha, de fevereiro de 2012, deste blog;
(3) Do grego hieros é sagrado; eglyphein é gravar, escrever;
(4) Ref.: primeiro capítulo do Evangelho segundo São João;
(5) Ref.: livro do Apocalipse segundo São João 1,8; 21,6; 22,13;
(6) Ver postagem 11, “A Farra do Boi e o Inconsciente Coletivo - parte 1 de 2”, de dezembro de 2010, deste blog.
(7) Fonte: Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, Dicionário de Símbolos , Ed. José Olympio, 18º ed.