segunda-feira, 22 de outubro de 2012

83- O ano do Boi nos palcos do Rio


Quero compartilhar três verdadeiras epifanias.
A mais recente, foi quando assisti no Teatro Ségio Porto, a peça autobiográfica “Uma história à margem”, de Ricardo de Carvalho Duarte, o Chacal. Fiquei sabendo por que uma amiga me enviou uma foto da peça. Era o Chacal vestido com uma máscara de boi. Um minotauro urbano do século XXI! A amiga lembrou de mim, é claro. Boi-Julia, uma associação fácil de entender. Chacal conta suas histórias, na verdade incorpora as histórias - ágil, feliz, poético.
Baseada no livro autobiográfico de mesmo nome, tem a memória como fio condutor e oferece um testemunho da trajetória do autor, que inclui, além da poesia, criações ligadas à música e ao teatro experimental. É um importante registro da produção cultural do país, trazendo relatos sobre os mais emblemáticos movimentos culturais cariocas das últimas décadas, como a gênese de grupos emblemáticos como "Asdrúbal Trouxe o Trombone" e "Nuvem Cigana", recorda os áureos tempos do "Circo Voador", conta detalhes dos bastidores da "Blitz", do "movimento de performance" dos anos 90, até a criação do "CEP 20.000", o "Centro de Experimentação Poética", que já comemorou vinte anos de atividade.
Nascido no Rio de Janeiro, em 1951, Chacal é músico, letrista e poeta. Artista eclético, colabora em antologias, revistas impressas e eletrônicas, em performances, como autor e editor de livros, cronista, etc. É contemporâneo da "geração mimeógrafo" e integrante do movimento de poesia marginal do país, a partir dos anos 70. O Minotauro é uma das múltiplas facetas de Chacal, apresentada em “Uma história à margem”. 


A segunda ocorreu quando, igualmente levada pela informação de outro amigo que fez a associação de boi com Julia (!), fui ao teatro do CCBB, no Cena Brasil Internacional, assistir a peça "Boi". Com texto original de Miguel Jorge e direção de Hugo Rodas, tem Guido Campos atuando nos diversos papéis, diga-se de passagem, de forma visceral. A peça conta a história de Zé Argemiro, que tem como brincadeira favorita de menino de roça, montar na garupa do boi Dourado. Quando adulto, Argemiro prefere a companhia dos bois com os quais conversa com grande intimidade. Um dia se casa com Das Dores, que enciumada, ameaça matar o boi desencadeando em Argemiro uma reação inesperada.


Já na peça "Travessia" foi por um mero acaso, ou talvez por pura sincronicidade, que me deparei mais uma vez com o boi no centro do palco do Teatro Princesa IsabelBaseada nos contos de "Sagarana"(1) e "Primeiras Histórias"de Guimarães Rosa"Travessia"conta com a direção e interpretação de Paulo Williams, do Grupo Tecelagem. O grupo, natural de Jacareí e desde 2011 em São Paulo, tem como ponto de partida para várias de suas produções os estudos de transposição da literatura. Alem de "Travessia", fazem parte do seu repertório, "Velho Mar" da obra de Hemingway, "Monóculo" da obra de Marguerite Duras e de Gaston Bachelard, entre outrasO espetáculo aborda a experiência de um vaqueiro que parte levando uma boiada pelo sertão. No meio da travessia vai contando suas estórias, seus medos, suas dores, seus amores ao som de violeiros, numa montagem simples e muito criativa.

NOTA:
(1) Veja postagem 77 "Bois que sonham e conversam", de Guimarães Rosa deste blog.

Um comentário:

  1. Marilene Séllos, via email:
    "Interessante, Júlia, peças teatrais materializando o imaginário popular em relação ao boi.Temos então um "Minotauro" que não devora, mas traz à "margem", revelações de seu labirinto interno!"

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