quarta-feira, 25 de setembro de 2013

102- O Boi e a Sombra em O Profeta, de Kahlil Gibran

Que pensar do boi
que gosta do seu jugo
e julga que o gamo e o alce
da floresta
são coisas perdidas e vagabundas?

Que pensar da velha serpente
que não é capaz de deitar fora a pele,
e qualifica todas as outras
de nuas e despudoradas?

E daquele que chega cedo à boda
e se vai embora farto e cansado
dizendo que todas as festas são pecado
e que todos os convidados
vão contra a lei?

Que direi destes, a não ser
que também eles estão na luz,
mas de costas voltadas ao sol?

Vêem apenas as sombras,
e as suas sombras são as suas leis.

E o que é o sol para eles
senão um criador de sombras?

E que é reconhecer as leis
senão inclinar-se
e traçar as próprias sombras na terra?

Vós que caminhais voltados para o sol,
que imagens reflectidas na terra
são capazes de vos reter?

(...)

Povo de Orphalese:
podeis disfarçar o tambor
e desligar as cordas da lira,
mas quem poderá
proibir de cantar a cotovia?

Neste poema extraído do livro O Profeta, o artista, filósofo e escritor libanês Kahlil Gibran faz uma reflexão sobre a sombra psíquica, usando a sombra física como metáfora, e o sol como a consciência capaz de "gerar" e perceber a sombra. Usa o boi, entre outros símbolos, para ilustrar a tendência à projeção negativa que se faz àquilo que não somos, ou melhor, que nos negamos a ver como uma parte do nosso ser.
O Profeta é um  ensaio em prosa e verso, originalmente publicado em 1923 por Alfred A. Knopf. É a obra mais conhecida de Gibran e já foi traduzido para mais de quarenta idiomas diferentes.
Narra a saga do profeta Almustafa que viveu na cidade estrangeira de Orphalese por 12 anos. Prestes a embarcar em um navio de volta para casa, é interrompido por um grupo de pessoas com quem discute temas como a vida e a condição humana.
Ainda sobre esse tema, leia a postagem 101- "Na Sombra do Boi", deste blog.



Um comentário:

  1. Marilene Séllos, via email, disse:
    "Neste belíssimo poema,Kahlil Gibran nos traz, que ao caminhar "de costas
    voltadas ao sol", o homem fica impossibilitado de "deitar fora a pele", se reconstuir. Lindo!"

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