terça-feira, 13 de agosto de 2013

101- Na Sombra do Boi

"Bull", de Damian Elwes

Em 1987-1988 o Grupo de Estudos C. G. Jung, liderado pela Dra Nise da Silveira (1)  tomou como foco do seu trabalho a denuncia e o combate à "farra do Boi", que acontecia em Santa Catarina.  Foi descrita pela Dra Nise como "uma tortura cega, solto prazer de praticar atos cruéis (...) um dos exemplos mais regressivos entre tantos outros que se manifestam em nosso país"projetados na figura do boi. Nos anos de chumbo, o que acontecia nos porões do DOI-CODI não era muito distante do que acontecia na "farra do boi". Era censurada e severamente punida qualquer alusão aos atos de tortura que eram praticados contra quem fosse considerado inimigo político da ditadura militar.
A psique é um complexo de opostos entre os quais está presente a sombra, que entre outros elementos aglutina a violência e o sadismo. A sombra apresenta-se assim como um problema moral que desafia o ego, pois implica no confronto com o lado sombrio oculto da personalidade, presente em todos nós
A sombra quando se manifesta como fenômeno coletivo faz com que o indivíduo perca o senso de responsabilidade de seus atos. Já se sabe o final da estória: violência gerando violência. Em nome de ideologias era esse fenômeno psíquico que estava segundo Jung, subjacente aos assassinatos em massa praticados no nazismo, no comunismo de Stálin e em outros tantos "ismos".
Muita luz a se lançar na sombra brasileira...
No Brasil, antes do sequestro e escravidão de negros africanos, houve o holocausto dos índios que aqui viviam. Eram atos legais, instituídos pela crença da superioridade étnica e cultural branca européia.
Somos todos herdeiros dessa sombra.  Corre nas nossas veias o mesmo sangue de oprimidos e opressores, de torturados e torturadores. 
A impunidade é um dos preços que  se paga pelo "faz de conta que não é comigo". Assim, é nosso próprio umbigo que se deita eternamente em berço esplendido à sombra do boi (2), do "bode expiatório" da vez.
No entanto, o momento histórico atual parece revelar um limite onde o pensamento budista sobre "a renúncia à ilusão de que a felicidade e a não-felicidade vêem do lado de fora", se encontra com a conclusão da neurociência de que "a corrupção aflige qualquer primata com excesso de poder". Não dá mais pra esperar por um herói que venha nos salvar. Só nos resta o reconhecimento da nossa sombra pessoal e coletiva. É uma tarefa que exige um esforço enorme, mas que será compensada, pois lançará luz sobre recantos escondidos do inconsciente, resultando no alargamento da consciência necessário a novos paradigmas de ação.

 NOTAS:
1) Sobre Dra Nise da Silveira e a "farra do Boi" ler as 5 primeiras postagens desse blog;
2) Leia a postagem 100 - "Amarildo, o Boi Humano"
3) Fontes:
Silveira, Nise.  "Escola de Tortura", Jornal do Brasil, 31/3/1991;
Ribeiro, Sidarta ( diretor do Instituto do Cérebro- UFRN). Revista Mente-Cérebro, psicologia, psicanálise, neurociência. Número 247;
4)"Bull", de Damian Elwes, mostra a interdependência da relação touro-toureador. Milhares de pequenos toureiros do lado  fora do boi são "pixels" que desenham uma forma uterina, que também é uma mandala em cujo centro está o boi. 
5) Agradecimento especial à dica da Marilene Séllos, colaboradora assídua desse blog, que guardou "para mim" o artigo da Dra Nise de 1991.


4 comentários:

  1. Valéria Pereira via email:
    "Atenção plena ao momento histórico que estamos vivendo...estou lendo um romance histórico da época da invasão francesa ao Rio de Janeiro que se encaixa perfeitamente nesta reflexão...os ciclos se repetem...e as sombras, claro. Foi muito oportuno."

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  2. Claudia Couto, via email:
    "Muito bom o seu texto, muito verdadeira a sua reflexão. Iluminar a sombra para que seja nosso o domínio sobre ela e não o dela sobre nós eu considero que seja a grande batalha que viemos realizar nessa nossa jornada humana. Graças a Deus vivemos num tempo em que várias vertentes confluem para essa constatação, onde as antigas divergências entre ciência e espiritualidade vão se tornando, aos poucos, convergências...enfim, fico feliz em estar nesse barco que navega em direção à expansão da Consciência que habita a nossa essência. Que bom poder reconhecer os parceiros nessa jornada..."

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  3. Marilene Séllos, via email:
    "Você sempre a nos brindar, com textos,que instigam a reflexão.
    E como precisamos,ter um real compromisso com o outro, respeitando-o na sua singularidade,não projetando questões com as quais precisamos
    nos confrontar,como pessoas, como integrantes de grupos diversos."

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  4. Reflexão precisa da sombra.Sempre necessário confronto e aproximação de opostos, superar no mundo contemporâneo a alienação espiritual. Convergência: ciência e fé.

    Artigo anterior, consciência social. Onde está o Amarildo? os muitos Amarildos? Bois humanos sacrificados pela vileza covarde dos brutos? Estarrecidos/as estamos;o próximo nos pertence por irmandade coletiva.
    martha pires ferreira

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