terça-feira, 8 de maio de 2012

75- Boipaisagem, o boi de Ferreira Gullar


"Vai o animal no campo; ele é o campo como o capim, que é o campo se dando para que haja sempre boi e campo; que campo e boi é o boi andar no campo e comer do sempre novo chão. Vai o boi, árvore que muge, retalho da paisagem em caminho. Deita-se o boi, e rumina, e olha a erva a crescer em redor de seu corpo, para o seu corpo, que cresce para a erva. Levanta-se o boi, é o campo que se ergue em suas patas para andar sobre o seu dorso. E cada fato é já a fabricação de flores que se erguerão do pó dos ossos que a chuva lavará, quando for o tempo."(1) 
(Ferreira Gullar)

Ferreira Gullar nasceu em São Luís do Maranhão em 10 de setembro de 1930. 
Batizado José Ribamar Ferreira, decidiu mudar seu nome. Usou o Ferreira do pai e o Goulart francês da mãe virou Gullar. Disse ele: "Como a vida é inventada eu inventei o meu nome!".
Autodidata, começou a escrever poesia aos treze anos, dedicando-se mais tarde também ao estudo da crítica e história da arte. Publicou o primeiro dos seus mais de vinte livros ainda na terra natal, transferindo-se para o Rio de Janeiro em 1951, onde trabalhou em jornais e revista.
Participou do movimento de arte concreta (1955-57) sendo então um poeta extremamente inovador, escrevendo seus poemas, por exemplo, gravando-os em placas de madeira.
Em 1959, fundou  junto com outros poetas, críticos e artistas plásticos, tais como Lígia Clark e Hélio Oiticica, o movimento neo-concreto, que valorizava a expressão e a subjetividade em oposição ao concretismo ortodoxo.
No início dos anos 60, se afastou também deste grupo por concluir que o movimento levaria ao abandono do vínculo entre a palavra e a poesia. 
Dirigiu a FUNART, a Fundação Cultural de Brasilia e o IBAC. Foi presidente do Centro Popular da Cultura e um dos fundadores do Grupo Opinião, ajudando a organizar a resistência contra a ditadura militar. Foi preso em 68 e viveu no exílio a partir de 1971. (2) 
No poema Boitempo (3) Carlos Drummond de Andrade identifica o boi com o tempo, quando o tempo era o tempo do boi, e acompanhava os ponteiros da natureza. Seguindo o mesmo “caminho da roça” entitulei o boi de Ferreira Gullar de Boipaisagem. Mais que mimetizado, completamente identificado com a paisagem do campo, esse boi é o próprio campo. É boi da época anterior à pecuária industrial(4), em que os bois freqüentavam pastos e eram imagem integrada ao ciclo natural.


NOTAS
1) Fonte: Ferreira Gullar, "Toda Poesia"(1950/1980), SP, Círculo do Livro, 1983, parte 5, p.50.
2) Ferreira Gullar, "Nise da Silveira: uma psiquiatra rebelde", Perfis do Rio 10, RJ, 1996.
3) Ver postagem 74, de abril de 2012, Boitempo, o boi de Carlos Drummond de Andrade.
4) Ver postagens 73 e 73, de abril de 2012, O Boi Espermático - partes 1 e 2.

Um comentário:

  1. Marilene Séllos, via e-mail:
    "Retalho de paisagem"
    Linda! a forma de Gullar condensar poeticamente,
    "boi e campo"

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