No dia do fechamento
do curso de pós-graduação em Psicoterapia Junguiana e o Imaginário da PUC-RJ em
dezembro de 2006, nossa turma foi até o Engenho de Dentro, numa visita ao Museu
de Imagens do Inconsciente.
O espaço criado por
Nise da Silveira (1) em 1952 é coordenado atualmente por nossa professora Gladys
Schincariol. Possui um rico acervo e um atelier onde alguns pacientes fazem uso
da expressão artística como alternativa de tratamento. Pudemos ter acesso na
sala do arquivo a verdadeiras obras de arte que notabilizaram ex-internos como
Adelina Gomes, Emygdio de Barros, Fernando Diniz, Carlos Pertuis entre outros.
Do lado de fora
encontramos o José Alberto (2). Na varanda do prédio ao lado, uma escrivaninha antiga de
madeira escura posta ali por ele, demarca um espaço seu. Quando dá uma voltinha
deixa seu paletó apoiado no espaldar da cadeira.
Vestindo um terno bege, camisa azul-marinho, gravata preta, sapatos pretos um tanto surrados
e sem meias, faz um estilo intelectual que não está muito aí pra aparência. Eu diria, tem um quê de
Artaud tupiniquim.
Com olhos
inteligentes um pouco mais brilhantes do que se costuma ver por aí, tem um ar
meio brincalhão, de criança travessa, apesar do cabelo e da barba já apresentarem
seus primeiros fios brancos.
Seu vocabulário é rico
e José faz uso articulando incessantemente muitos assuntos com humor e rapidez.
Dá a impressão de divertir-se jogando com aquilo que se diz que é certo e
errado, bom e mal, louco e normal... Parece buscar assim uma compreensão sobre
a vida, uma compreensão sobre si mesmo.
Enquanto Antonin Artaud
afirmava no seu estilo veemente que “não é o homem, mas o mundo que se torna
anormal...e (que) a consciência doente tem o maior interesse em não sair da sua
doença”(3), José Alberto aborda a mesma questão no seu jeito jocoso.
Escreve diariamente,
“costurando” palavras e imagens com a mesma profusão com que Bispo do Rosário
literalmente costurava palavras e imagens nos tecidos. Sai rimando, fazendo
poesia da sua busca de porquês, e tudo que encontra são déjà vus.
Eventualmente
também pinta, explorando luz e sombra. Usando cores escuras com pinceladas
espessas anuncia “tsunamis”, como diz ele, talvez uma metáfora da experiência do
surto em que devastadoras ondas do inconsciente obscurecem a clareza do
pensamento.
Assina-se “um
louco”, ou como “o neto da Nise”. Segundo ele, para nós os “não-loucos”, o
louco não precisa de nome. Mesmo assim, ele nos revelou o seu. (segue na postagem 113)
NOTA:
1) Sobre a Dra Nise e o Museu de Imagens do Inconsciente, visite: https://www.youtube.com/watch?v=fNezZ92yQ_w
2) José Alberto nasceu no Rio de Janeiro, em 1959. As dificuldades em seus relacionamentos familiares levaram-no a perambular pelas ruas. Começou a participar, em meados da década de 1980, dos ateliês de pintura e modelagem do Museu de Imagens do Inconsciente. Suas telas são muito coloridas, carregadas de simbologia. Escreve textos e poemas, revelando também nessa produção uma intensa criatividade.
3 )Silveira, Nise. Imagens do Inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.
Marilene Sellos, via email:
ResponderExcluir"Saudade! deste blog tão rico.
José Alberto, ao se identificar como o "neto de Nise," me faz pensar no quanto o continente dado pelo espaço do Museu do Inconsciente,lhe da um chão, uma identidade. Grande abraço."
"Boa observação, Marilene. Acrescento à identidade, pertencimento."
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