“- Um homem não é mais
forte do que um boi ... E nem todos os bois obedecem sempre ao homem...
- Eu já vi o boi-grande pegar um homem uma vez ... O homem tinha também um pau comprido e não correu ...
Mas ficou amassado no chão, todo chifrado e pisado...Eu vi! ... foi o boi-grande que berra feio e carrega
uma cabaça na cacacunda...”
Em uma conversa corriqueira dois homens discutiam o fato dos bois se comunicarem. Então um deles conta a história de Tiãozinho, um menino órfão que carregava o cadáver do pai juntamente com uma carga de rapadura, ocupando o lugar do pai de guia do carreiro Agenor Soronho. O menino sofria maus tratos do carreiro, porém nada podia fazer, pois esse era amante de sua mãe e quem agora sustentaria sua família. Tiãozinho apenas sonhava que um dia daria um jeito no carreiro.
- Eu já vi o boi-grande pegar um homem uma vez ... O homem tinha também um pau comprido e não correu ...
Mas ficou amassado no chão, todo chifrado e pisado...Eu vi! ... foi o boi-grande que berra feio e carrega
uma cabaça na cacacunda...”
Em uma conversa corriqueira dois homens discutiam o fato dos bois se comunicarem. Então um deles conta a história de Tiãozinho, um menino órfão que carregava o cadáver do pai juntamente com uma carga de rapadura, ocupando o lugar do pai de guia do carreiro Agenor Soronho. O menino sofria maus tratos do carreiro, porém nada podia fazer, pois esse era amante de sua mãe e quem agora sustentaria sua família. Tiãozinho apenas sonhava que um dia daria um jeito no carreiro.
Por hora, teria que suportar o sofrimento calado.
Num dado momento do conto, Agenor Soronho encontra-se em um sono profundo. Ao seu lado, guiando o carro de bois, Tiãozinho cochila e sonha que está matando o carreiro. Nesse momento seu sonho entra em sintonia com o sonho dos bois, que consideravam o menino um igual, tanto que o chamavam de “bezerro-de-homem”.
“- O bezerro-de-homem sabe mas às vezes... tem horas em que ele vive muito perto de nos, e ainda é bezerro ...
tem horas em que ele fica ainda tão mais perto de nos... Quando está meio dormindo, pensa quase como
nós bois... Ele está lá adiante e de repente, vem ate aqui ... Se encosta em nós, no escuro...Tenho medo
de que ele entenda nossa conversa...”
Percebendo que o carreiro estava dormindo, os animais jogam a carroça bruscamente arremessando o homem, fazendo ainda com que uma das rodas passasse por cima da sua cabeça.
Num dado momento do conto, Agenor Soronho encontra-se em um sono profundo. Ao seu lado, guiando o carro de bois, Tiãozinho cochila e sonha que está matando o carreiro. Nesse momento seu sonho entra em sintonia com o sonho dos bois, que consideravam o menino um igual, tanto que o chamavam de “bezerro-de-homem”.
“- O bezerro-de-homem sabe mas às vezes... tem horas em que ele vive muito perto de nos, e ainda é bezerro ...
tem horas em que ele fica ainda tão mais perto de nos... Quando está meio dormindo, pensa quase como
nós bois... Ele está lá adiante e de repente, vem ate aqui ... Se encosta em nós, no escuro...Tenho medo
de que ele entenda nossa conversa...”
Percebendo que o carreiro estava dormindo, os animais jogam a carroça bruscamente arremessando o homem, fazendo ainda com que uma das rodas passasse por cima da sua cabeça.
O menino desperta assustado, vendo o carreiro morto.
Agora , segue seu caminho com dois cadáveres dentro
do carro de bois. ( Resumo do núcleo central do conto Conversa de Bois, do
livro Saragana, de Guimarães Rosa) (1)
Nesse seu conto Guimarães Rosa faz uma alegoria sobre a
crueldade do algoz na figura de Agenor Soronho e a justiça de suas vítimas,
o menino órfão e os bois, quando trocam de posição se unindo no sonho e recuperando a força que estava na sombra (2).
NOTA:
1) Considerado por muitos
como o maior criador em prosa do século XX no Brasil e um dos maiores da
cultura ocidental moderna João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, Minas
Gerais, em 1908. Estudou medicina e trabalhou no interior de seu estado como
medico da Força Pública. Conhecendo mais de uma dezena de idiomas em 1934
prestou concurso para o Itamaraty, onde trabalhou como diplomata e como
embaixador. Faleceu aos 59 anos no Rio de Janeiro, três dias após sua posse na
Academia Brasileira de Letras. Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. Sua obra destaca-se, sobretudo, pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e regionais que, somados à erudição do autor, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas.
Publicado em 1946, “Sagarana” é provavelmente a mais importante estreia em prosa da história da literatura brasileira. Já com 38 anos quando o livro foi lançado, Guimarães Rosa passara mais de uma década trabalhando em suas histórias. A escrita, repleta de neologismos, confunde habilmente o real e o imaginário. O próprio título do livro é um hibridismo criado pelo autor: “saga”, de origem germânica, quer dizer “lenda”, “canto heróico” e “rana” é uma palavra de origem indígena que significa “à maneira de”. Sagarana seria então uma “espécie de fábula”.
Publicado em 1946, “Sagarana” é provavelmente a mais importante estreia em prosa da história da literatura brasileira. Já com 38 anos quando o livro foi lançado, Guimarães Rosa passara mais de uma década trabalhando em suas histórias. A escrita, repleta de neologismos, confunde habilmente o real e o imaginário. O próprio título do livro é um hibridismo criado pelo autor: “saga”, de origem germânica, quer dizer “lenda”, “canto heróico” e “rana” é uma palavra de origem indígena que significa “à maneira de”. Sagarana seria então uma “espécie de fábula”.
2)
Sombra é aquela personalidade oculta, recalcada, frequentemente inferior e
carregada de culpa, cujas ramificações extremas remontam ao reino de nossos
ancestrais animalescos, englobando também o aspecto histórico do inconsciente.
Se antes se pensava que a sombra humana representasse a fonte de todo mal, mais
adiante se entendeu que ela não é apenas composta de tendências moralmente repreensíveis,
mas também de certo número de boas qualidades, instintos normais, reações
apropriadas, percepções realistas, impulsos criadores, etc. (ref.: C. G. Jung,
“Memórias, Sonhos e Reflexões”-1963)
Marilene Séllos, via e-mail:
ResponderExcluir"Guimarães Rosa, mergulhando no universo do sertanejo,nos seus "falares populares e regionais", deixa- se tocar por sua essência, por sua alma."