terça-feira, 26 de julho de 2011

48- O que disse Joseph Campbell

Sobre a tourada:
Na tourada o toureiro usa a vestimenta brilhante representando o poder solar. O touro, é claro, representa o poder lunar. O ponto de maior perigo é o ato de ataque à cabeça do touro, entre os chifres, que remetem à forma da lua crescente. O touro precisa ser sacrificado para que haja um novo período. O passado precisa ser morto para que exista o futuro. 
Se o valor simbólico não é reconhecido, é só o próprio animal que está sendo morto, nada mais.
Ainda que se considere seu simbolismo, sempre achei repulsivo matar animais para que se tenha uma experiência mística. Posso tolerar teoricamente, mas não visualmente. Não quero ver animais sendo mortos.

Sobre como surgiram os rituais de sacrifício (3):
A natureza da vida deve ser compreendida nos atos da vida. Das folhas decaídas, brotos frescos nascem, daí se extrai a lição de que da morte nasce a vida. E daí a conclusão implacável é de que incrementando a morte a vida será incrementada. Nas culturas caçadoras, o sacrifício representa uma oferenda ou um suborno para a deidade que é solicitada a realizar algo. Mas nas culturas de plantio, a figura sacrificada em si é um deus, que depois de morto se transforma em alimento. Cristo é crucificado e do seu corpo surge o alimento do espírito. 


E você, o que tem a dizer?
Leia os comentários e poste também o seu.

NOTAS:
1) Joseph Campbell (1904-1987) é um dos mais respeitados  mitólogos de todos os tempos. Na postagem 31, de março de 2011, O mito do touro, segundo Joseph Campbell.
2) Na foto acima, uma das muitas representações que o pintor  Pablo Picasso fez da tourada. Sobre Picasso e o boi, ver na postagem 25 , de fevereiro de 2011, O Boi e a Arte, e na postagem 37, de maio de 2011, a máscara do Minotauro.
3) A escola de C. G. Jung interpretou a célebre cena de Mitra sacrificando um touro assim como outros sacrifícios, mais particularmente, certos ritos dionisíacos, como um símbolo da vitória da natureza espiritual do homem sobre sua animalidade, da qual o touro é representante. Mais sobre o tema, A Farra do Boi e o Inconsciente Coletivo 1 e 2, postagens 11 e 12, de dezembro de 2010.
4) Fontes:
- "Conversas com Joseph Campbell- E por falar em mitos...", Fraser Boa, Verus Editora.
- "O Poder do Mito", Joseph Campbell, com Bill Moyers, Editora Palas Atenas.
- "Dicionário de Símbolos", Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt, José Olympio Editora.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

47- O Boi na Grécia (parte 9 de 11) - A origem grega da tauromaquia

Afresco da tourada de Cnossos

Os registros mais antigos da realização da tauromaquia (1) remetem à Grécia onde foi representada em várias pinturas desde a antiguidade clássica. No conhecido afresco da tourada do palácio de Cnossos na ilha de Creta, a imagem central do touro cercado por dois homens e com uma mulher que parece ter saltado sobre seu dorso é de grande plasticidade. Parecem envolvidos numa dança acrobática aonde não se vêm armas. Os jogos de touros foram convertidos sem dúvida em espetáculos, celebrados provavelmente nas praças dos palácios cretenses rodeadas por grades. Não existem dados que revelem que esses jogos resultassem na morte do animal.
Já no Império Romano, Julio César (100aC - 44aC) introduziu uma outra espécie de tourada, onde cavaleiros perseguiam diversos touros dentro de uma arena até que os touros ficassem cansados o suficiente para serem seguros pelos chifres e depois executados. Esses espetáculos tinham o nome de venatio ou bestiarium e incluíam a caçada a outros animais selvagens. Geralmente eram feitos pela manhã, nos mesmos anfiteatros onde logo depois também se exibiam os combates de gladiadores e as execuções públicas. Milhares de animais podiam ser mortos num só dia.
Nas touradas de hoje (2), um touro é colocado para lutar contra homens ricamente vestidos, empunhando estacas farpadas, lanças, espadas e adagas. Essas armas são projetadas para infligir dor intensa e provocar perda de sangue o que enfraquece o animal até a morte, comumente diante da platéia. A figura central é a do toureiro que assume uma postura de elegância viril nas manobras com o touro. Touro e toureiro fazem um pas de deux numa dança de provocação e morte.
Para alguns “a tourada é um patrimônio que evoluiu com a cultura e que há muito deixou de ser um espetáculo bárbaro”. Para outros “é um ato de crueldade sem justificação, que não se insere dentro das tradições humanistas”.

O que você sente a esse respeito?
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NOTAS: 
1) O termo tauromaquia, a arte de tourear, tem origem grega significando etimologicamente combate com touros. Na antiguidade clássica não havia diferença entre arte e técnica. A teknê grega, bem como a ars latina referiam-se não só a um saber fazer. O técnico era aquele que executava um trabalho com uma espécie de perfeição ou estilo.
2) Atualmente são realizadas touradas na Espanha, Portugal, França, México, Colômbia, Peru, Venezuela e Guatemala. No entanto, desde os anos 90 vêm sendo proibidas em algumas regiões desses países pela lei de proteção ao animal. No Brasil, a tourada foi proibida em 1934, por Getúlio Vargas.
3) Esse blog foi iniciado com o relato sobre meu encontro com a Dra Nise da Silveira na oficina pela Queda da Farra do Boi (ver postagens 1 a 5), que gerou a pesquisa atual sobre a presença do boi no imaginário popular.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

46- Reflexões Heroicas 2 - " Dar a luz é um ato heroico"

Mãe-canguru (1)

Dar a luz é um ato heróico, pois é sacrificar a própria vida em benefício do outro. Essa é a essência do heroísmo.
Na visão da nossa cultura, que valoriza mais o lugar masculino do mundo em relação ao lugar feminino da casa, é o macho que normalmente tem papel de destaque na figura do herói. As manchetes de jornal que o digam. São os heróis, ou a falta deles, nos espaços políticos que atraem o leitor. Mas cada história de nascimento é uma história de heroísmo, umas mais outras menos dramáticas.
Na cultura asteca, existiam vários céus para onde as pessoas iam conforme sua morte. O céu dos guerreiros mortos em batalha era o mesmo céu das mulheres mortas em trabalho de parto.
Em 2000/01 e em 2009/10, tive a oportunidade de atuar no atendimento psicológico a grávidas e puérperas num hospital de gravidez de alto-risco.
Na monografia “Prevenção da neurose na maternidade de gravidez de alto-risco: psicoterapia breve focal e auto-regulação”, relato atendimentos que participei em que pude constatar nas pacientes sua dimensão heroica em meio a situações extremas de tristeza e medo. A função terapêutica era a de criar dentro do hospital um lugar de confiança suficiente para a expressão emocional e para o surgimento da auto-regulação(2) das pacientes. Quando isso se torna possível, a natureza cumpre seu papel na regeneração psíquica e faz brotar um eu primordial.
Deixando de pensar só em nós mesmos e em nossa auto-preservação, é possível passarmos por uma transformação de consciência verdadeiramente heróica. A consciência se transforma no enfrentamento dos desafios e no reconhecimento do significado da experiência vivida.

NOTAS:
1) Mãe Canguru é um método de atendimento ao bebê prematuro inspirado na espécie dos marsupiais que completam o tempo de gestação nas bolsas que a natureza dotou as fêmeas, onde os filhotes se aquecem e se alimentam até se fortalecerem adequadamente. Foi implantado pela primeira vez em 1978, em Bogotá, pelo pediatra Edgard Senabria, que propôs utilizar mães como incubadoras vivas para recém-nascidos prematuros sãos com peso não inferior a 2kg.
2) Auto-regulação, ou sabedoria do corpo, segundo o biólogo W. Cannon, é o conjunto coordenado de mecanismos internos que utilizam energias específicas do organismo para promover seu funcionamento e sua estruturação.  A auto-regulação é enfatizada na psicologia biodinâmica de Gerda Boyesen  como determinante do ciclo emocional. Em condições seguras o organismo saudável se auto-regula, digerindo literalmente as tensões causadas por estímulos do dia-a-dia e até por traumas físicos e emocionais. A neurose é resultado de um processo inibidor da auto-regulação, que se caracteriza pela contínua impossibilidade interna de agir de forma espontânea.
3) Fontes:
- Boyesen, Gerda. Entre Psique e Soma, Introdução à Psicologia Biodinâmica. Summus Ed., SP, 1984.
- Campbell, Joseph. O Poder do Mito, com Bill Moyers. Pallas Athena, SP, 1990.
- Leboyer, Frederick. Nascer Sorrindo. Brasiliense, SP, 1977.